578: Misteriosa mancha escura de Neptuno detectada pela primeira vez a partir da Terra

 

CIÊNCIA // ASTRONOMIA // NEPTUNO

Com o auxílio do VLT (Very Large Telescope) do ESO, os astrónomos observaram uma enorme mancha escura na atmosfera de Neptuno com um inesperado ponto brilhante adjacente mais pequeno.

Trata-se da primeira vez que uma mancha escura neste planeta é observada com um telescópio a partir da Terra. Estas estruturas ocasionais no fundo azul da atmosfera de Neptuno são um mistério para os astrónomos e estes novos resultados dão-nos pistas adicionais sobre a sua natureza e origem.

Esta imagem mostra Neptuno observado com o instrumento MUSE, montado no VLT (Very Large Telescope) do ESO. Para cada pixel de Neptuno, o MUSE separa a luz nas suas cores, ou comprimentos de onda, constituintes. Este processo é semelhante a obter imagens de milhares de comprimentos de onda todos ao mesmo tempo, o que fornece aos astrónomos uma enorme quantidade de informação preciosa.
A imagem da direita combina todas as cores capturadas pelo MUSE numa vista “normal” de Neptuno, onde podemos ver a mancha escura em cima à direita. Seguidamente vemos imagens para comprimentos de onda específicos: 551 nanómetros (azul), 831 nm (verde) e 848 nm (vermelho); note que as cores são indicativas, apenas para efeitos de apresentação.
A mancha escura torna-se mais proeminente para comprimentos de onda mais pequenos (mais azuis). Mesmo ao lado desta mancha escura, o MUSE capturou também uma pequena mancha brilhante, que podemos ver apenas na imagem do meio de 831 nm e que se situa em profundidade na atmosfera. Este tipo de nuvem brilhante profunda nunca tinha sido identificada no planeta anteriormente. As imagens mostram também, nos maiores comprimentos de onda, várias manchas brilhantes menos profundas, em direcção à periferia de Neptuno, em baixo à esquerda.
A obtenção de imagens da mancha escura de Neptuno a partir do solo, foi apenas possível graças à Infrastrutura de óptica adaptativa do VLT, a qual corrige a turbulência na atmosfera terrestre e permite ao MUSE obter imagens muito nítidas. Para destacar melhor as ténues estruturas escuras e brilhantes do planeta, os astrónomos trataram cuidadosamente os dados MUSE, obtendo o que aqui vemos.
Crédito: ESO/P. Irwin et al.

As manchas grandes são estruturas comuns nas atmosferas dos planetas gigantes, sendo a mais famosa a Grande Mancha Vermelha de Júpiter. Em 1989, a sonda Voyager 2 da NASA descobriu pela primeira vez uma mancha escura em Neptuno, a qual desapareceu alguns anos mais tarde.

“Desde a primeira descoberta de uma mancha escura que tive curiosidade em saber o que seriam estas estruturas escuras elusivas de curta duração,” diz Patrick Irwin, professor na Universidade de Oxford e investigador principal do estudo publicado na revista Nature Astronomy.

Irwin e a sua equipa utilizaram dados do VLT do ESO para excluir a possibilidade das manchas escuras serem causadas por uma “abertura” nas nuvens.

Em vez disso, as novas observações indicam que as manchas escuras são provavelmente devidas ao escurecimento de partículas de ar numa camada abaixo da camada principal de neblina visível, à medida que os gelos e as neblinas se misturam na atmosfera de Neptuno.

Chegar a esta conclusão não foi tarefa fácil, já que as manchas escuras não são estruturas permanentes da atmosfera de Neptuno e os astrónomos nunca tinham conseguido estudá-las com detalhe suficiente.

A oportunidade surgiu depois do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA ter descoberto várias manchas escuras na atmosfera de Neptuno, incluindo uma no hemisfério norte do planeta, observada pela primeira vez em 2018.

Irwin e a sua equipa aproveitaram esta oportunidade para a estudar a partir do solo, fazendo uso de um instrumento ideal para estas difíceis observações.

Esta imagem mostra Neptuno observado pelo instrumento MUSE montado no VLT do ESO. Para cada pixel de Neptuno, o MUSE separa a luz nas suas cores, ou comprimentos de onda, constituintes. Este processo é semelhante a obter imagens de milhares de comprimentos de onda todos ao mesmo tempo, o que fornece aos astrónomos uma enorme quantidade de informação preciosa. Esta imagem combina todas as cores capturadas pelo MUSE numa vista “normal” de Neptuno, onde podemos ver a mancha escura em cima à direita.
Crédito: ESO/P. Irwin et al.

Com o auxílio do instrumento MUSE (Multi Unit Spectroscopic Explorer) montado no VLT, os investigadores conseguiram separar a luz solar reflectida por Neptuno e pela sua mancha nas cores, ou comprimentos de onda, que a compõem, e obter assim um espectro tridimensional, o que significa que conseguiram estudar a mancha com mais pormenor do que o que era possível até à data.

“Estou bastante contente por termos sido capazes de obter não só a primeira detecção de uma mancha escura a partir do solo, mas também de registar pela primeira vez o espectro de reflexão de uma tal estrutura”, diz Irwin.

Uma vez que diferentes comprimentos de onda sondam diferentes profundidades na atmosfera de Neptuno, a obtenção de um espectro permitiu aos astrónomos determinar melhor a altitude a que se encontra a mancha escura na atmosfera do planeta.

O espectro forneceu também informações sobre a composição química das diferentes camadas da atmosfera, o que deu à equipa pistas sobre a razão pela qual a mancha nos aparece escura.

Estas observações levaram também a um resultado surpreendente. “Neste processo, descobrimos um tipo raro de nuvem brilhante e profunda que nunca tinha sido identificado anteriormente, mesmo a partir do espaço,” diz o co-autor do estudo, Michael Wong, investigador na Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA.

Este tipo raro de nuvem mostrou-se-nos como uma mancha brilhante mesmo ao lado da mancha escura principal. Os dados do VLT mostram que a nova “nuvem brilhante profunda” se encontra na atmosfera ao mesmo nível que a mancha escura principal.

Isto significa que se trata de um tipo de estrutura completamente nova sem relação com as pequenas nuvens “companheiras” de gelo de metano observadas anteriormente a grande altitude.

Com a ajuda do VLT do ESO, os astrónomos podem agora estudar estruturas como estas manchas a partir da Terra. “Este é um aumento espantoso da capacidade da humanidade para observar o cosmos.

No início, só conseguíamos detectar estas manchas com o auxílio de sondas espaciais enviadas para o local, como a Voyager.

Depois, conseguimos distingui-las à distância com o Telescópio Espacial Hubble. Agora, a tecnologia avançou para permitir fazer o mesmo a partir do solo”, conclui Wong, antes de acrescentar, na brincadeira: “Como observador Hubble, isto pode levar-me ao desemprego!”

// ESO (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature Astronomy)
// Artigo científico (arXiv.org)

CCVALG
29 de Agosto de 2023


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 1 mês ago

Loading

566: O desaparecimento das nuvens de Neptuno está relacionado com o ciclo solar

 

CIÊNCIA // ASTRONOMIA // NEPTUNO

Os astrónomos descobriram uma ligação entre a abundância variável das nuvens de Neptuno e o ciclo solar de 11 anos, em que o aumento e a diminuição dos campos magnéticos emaranhados do Sol impulsionam a actividade solar.

Esta sequência de imagens do Telescópio Espacial Hubble regista o aumento e a diminuição da quantidade de nuvens em Neptuno. Este longo conjunto de observações mostra que o número de nuvens cresce após um pico no ciclo solar – em que o nível de actividade do Sol aumenta e diminui ritmicamente ao longo de um período de 11 anos. As alterações químicas são causadas pela fotoquímica, que ocorre no alto da atmosfera superior de Neptuno e leva tempo a formar nuvens. Em 1989, a nave espacial Voyager 2 da NASA forneceu as primeiras imagens, de perto, de nuvens lineares e brilhantes, reminiscentes de cirros na Terra, vistas no alto da atmosfera de Neptuno. Formam-se acima da maior parte do metano da atmosfera de Neptuno e reflectem todas as cores da luz solar, o que as torna brancas. O Hubble continua o que o breve “flyby” da Voyager alcançou, mantendo um olhar contínuo todos os anos.
Crédito: NASA, ESA, Erandi Chavez (UC Berkeley), Imke de Pater (UC Berkeley)

Esta descoberta baseia-se em três décadas de observações de Neptuno obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble da NASA e pelo Observatório W. M. Keck no Hawaii, bem como em dados do Observatório Lick no estado norte-americano da Califórnia.

A ligação entre Neptuno e a actividade solar é surpreendente para os cientistas planetários porque Neptuno é o planeta gigante mais distante no nosso Sistema Solar e recebe cerca de 0,1% da intensidade solar que a Terra recebe.

No entanto, o clima global nublado de Neptuno parece ser impulsionado pela actividade solar e não pelas quatro estações do planeta, que duram aproximadamente 40 anos cada uma.

Actualmente, a cobertura de nuvens observada em Neptuno é extremamente baixa, com excepção de algumas nuvens que pairam sobre o pólo sul do planeta gigante.

Uma equipa de astrónomos liderada pela Universidade da Califórnia, Berkeley, descobriu que a abundância de nuvens normalmente observada nas latitudes médias do gigante gelado começou a desaparecer em 2019.

“Fiquei surpreendido com a rapidez com que as nuvens desapareceram em Neptuno”, disse Imke de Pater, professora de astronomia na UC Berkeley e autora sénior do estudo. “Vimos essencialmente a actividade das nuvens cair em poucos meses”, disse ela.

“Mesmo agora, quatro anos depois, as imagens mais recentes que obtivemos em Junho passado ainda mostram que as nuvens não voltaram aos seus níveis anteriores”, disse Erandi Chavez, estudante no Centro para Astrofísica | Harvard-Smithsonian em Cambridge, no estado norte-americano de Massachusetts, que liderou o estudo quando era estudante de astronomia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

“Isto é extremamente excitante e inesperado, especialmente porque o período anterior de baixa actividade das nuvens de Neptuno não foi tão dramático e prolongado.”

Para monitorizar a evolução da aparência de Neptuno, Chavez e a sua equipa analisaram imagens do Observatório Keck tiradas de 2002 a 2022, observações de arquivo do Telescópio Espacial Hubble com início em 1994 e dados do Observatório Lick na Califórnia de 2018 a 2019.

Nos últimos anos, as observações do Keck foram complementadas por imagens tiradas como parte do seu programa Twilight Zone e pelo programa OPAL (Outer Planet Atmospheres Legacy) do Hubble.

As imagens revelam um padrão intrigante entre as mudanças sazonais na cobertura de nuvens de Neptuno e o ciclo solar – o período em que o campo magnético do Sol muda de 11 em 11 anos, tornando-se mais emaranhado como um novelo de lã. Isto é evidente no número crescente de manchas solares e no aumento da actividade das erupções solares.

À medida que o ciclo progride, o comportamento tempestuoso do Sol atinge o seu máximo, até que o campo magnético se afunda e inverte a polaridade. Em seguida, o Sol volta a estabilizar-se num mínimo, apenas para iniciar outro ciclo.

Esta sequência de imagens do Telescópio Espacial Hubble regista o aumento e a diminuição da quantidade de nuvens em Neptuno. Este conjunto de observações de quase 30 anos mostra que o número de nuvens cresce a seguir a um pico do ciclo solar – em que o nível de actividade do Sol aumenta e diminui ritmicamente ao longo de um período de 11 anos. O nível de radiação ultravioleta do Sol é representado no eixo vertical. O ciclo de 11 anos é representado ao longo da parte inferior, de 1994 a 2022. As observações do Hubble, na parte superior, mostram claramente uma correlação entre a abundância de nuvens e o pico de actividade solar. As mudanças químicas são causadas pela fotoquímica, que ocorre no alto da atmosfera superior de Neptuno e leva tempo para formar nuvens.
Crédito: NASA, ESA, LASP, Erandi Chavez (UC Berkeley), Imke de Pater (UC Berkeley)

Quando há tempestades no Sol, a radiação ultravioleta (UV) mais intensa inunda o Sistema Solar. A equipa descobriu que dois anos após o pico do ciclo solar, um número crescente de nuvens aparece em Neptuno.

A equipa encontrou ainda uma correlação positiva entre o número de nuvens e o brilho do gigante gelado a partir da luz solar que é nele reflectida.

“Estes dados notáveis dão-nos a evidência mais forte até agora de que a cobertura de nuvens de Neptuno está correlacionada com o ciclo do Sol”, disse de Pater.

“Os nossos resultados apoiam a teoria de que os raios UV do Sol, quando suficientemente fortes, podem estar a desencadear uma reacção fotoquímica que produz as nuvens de Neptuno.”

Os cientistas descobriram a ligação entre o ciclo solar e o padrão climático nublado de Neptuno ao analisarem 2,5 ciclos de actividade de nuvens registados ao longo dos 29 anos de observações neptunianas.

Durante este período, a reflectividade do planeta aumentou em 2002 e diminuiu em 2007. Neptuno voltou a aumentar de brilho em 2015, escurecendo depois em 2020 para o nível mais baixo alguma vez observado, altura em que a maioria das nuvens desapareceu.

As mudanças no brilho de Neptuno provocadas pelo Sol parecem subir e descer relativamente em sincronia com o ir e vir das nuvens no planeta. No entanto, há um desfasamento de dois anos entre o pico do ciclo solar e a abundância de nuvens observadas em Neptuno.

As alterações químicas são causadas pela fotoquímica, que ocorre no alto da atmosfera superior de Neptuno e leva tempo a formar nuvens.

“É fascinante poder usar telescópios na Terra para estudar o clima de um mundo a mais de 4 mil milhões de quilómetros de distância de nós”, disse Carlos Alvarez, astrónomo do Observatório Keck e co-autor do estudo.

“Os avanços na tecnologia e nas observações permitiram-nos restringir os modelos atmosféricos de Neptuno, que são fundamentais para compreender a correlação entre o clima do gigante gelado e o ciclo solar.”

No entanto, é necessário mais trabalho. Por exemplo, embora um aumento da luz solar UV possa produzir mais nuvens e neblinas, pode também escurecê-las, reduzindo assim o brilho global de Neptuno.

As tempestades em Neptuno que se erguem da atmosfera profunda afectam a cobertura de nuvens, mas não estão relacionadas com as nuvens produzidas foto-quimicamente, pelo que podem complicar os estudos de correlação com o ciclo solar.

Também são necessárias observações contínuas de Neptuno para ver quanto tempo durará a actual quase ausência de nuvens.

A equipa de investigação continua a rastrear a actividade das nuvens de Neptuno. “Vimos mais nuvens nas imagens mais recentes do Keck que foram obtidas durante a mesma altura em que o Telescópio Espacial James Webb da NASA observou o planeta; estas nuvens foram vistas em particular nas latitudes norte e a grandes altitudes, como esperado pelo aumento observado no fluxo solar UV nos últimos 2 anos,” disse de Pater.

Os dados combinados do Hubble, do Telescópio Espacial Webb, do Observatório Keck e do Observatório Lick permitirão novas investigações sobre a física e a química que conduzem ao aspecto dinâmico de Neptuno, o que por sua vez poderá ajudar a aprofundar a compreensão dos astrónomos não só de Neptuno, mas também dos exoplanetas, uma vez que se pensa que muitos dos planetas para lá do nosso Sistema Solar tenham qualidades semelhantes às de Neptuno.

// NASA (comunicado de imprensa)
// STScI (comunicado de imprensa)
// Observatório W. M. Keck (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Icarus)
// Artigo científico (arXiv.org)

CCVALG
22 de Agosto de 2023


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 1 mês ago

Loading