CIÊNCIA // ASTRONOMIA // NEPTUNO
Com o auxílio do VLT (Very Large Telescope) do ESO, os astrónomos observaram uma enorme mancha escura na atmosfera de Neptuno com um inesperado ponto brilhante adjacente mais pequeno.
Trata-se da primeira vez que uma mancha escura neste planeta é observada com um telescópio a partir da Terra. Estas estruturas ocasionais no fundo azul da atmosfera de Neptuno são um mistério para os astrónomos e estes novos resultados dão-nos pistas adicionais sobre a sua natureza e origem.

Esta imagem mostra Neptuno observado com o instrumento MUSE, montado no VLT (Very Large Telescope) do ESO. Para cada pixel de Neptuno, o MUSE separa a luz nas suas cores, ou comprimentos de onda, constituintes. Este processo é semelhante a obter imagens de milhares de comprimentos de onda todos ao mesmo tempo, o que fornece aos astrónomos uma enorme quantidade de informação preciosa.
A imagem da direita combina todas as cores capturadas pelo MUSE numa vista “normal” de Neptuno, onde podemos ver a mancha escura em cima à direita. Seguidamente vemos imagens para comprimentos de onda específicos: 551 nanómetros (azul), 831 nm (verde) e 848 nm (vermelho); note que as cores são indicativas, apenas para efeitos de apresentação.
A mancha escura torna-se mais proeminente para comprimentos de onda mais pequenos (mais azuis). Mesmo ao lado desta mancha escura, o MUSE capturou também uma pequena mancha brilhante, que podemos ver apenas na imagem do meio de 831 nm e que se situa em profundidade na atmosfera. Este tipo de nuvem brilhante profunda nunca tinha sido identificada no planeta anteriormente. As imagens mostram também, nos maiores comprimentos de onda, várias manchas brilhantes menos profundas, em direcção à periferia de Neptuno, em baixo à esquerda.
A obtenção de imagens da mancha escura de Neptuno a partir do solo, foi apenas possível graças à Infrastrutura de óptica adaptativa do VLT, a qual corrige a turbulência na atmosfera terrestre e permite ao MUSE obter imagens muito nítidas. Para destacar melhor as ténues estruturas escuras e brilhantes do planeta, os astrónomos trataram cuidadosamente os dados MUSE, obtendo o que aqui vemos.
Crédito: ESO/P. Irwin et al.
As manchas grandes são estruturas comuns nas atmosferas dos planetas gigantes, sendo a mais famosa a Grande Mancha Vermelha de Júpiter. Em 1989, a sonda Voyager 2 da NASA descobriu pela primeira vez uma mancha escura em Neptuno, a qual desapareceu alguns anos mais tarde.
“Desde a primeira descoberta de uma mancha escura que tive curiosidade em saber o que seriam estas estruturas escuras elusivas de curta duração,” diz Patrick Irwin, professor na Universidade de Oxford e investigador principal do estudo publicado na revista Nature Astronomy.
Irwin e a sua equipa utilizaram dados do VLT do ESO para excluir a possibilidade das manchas escuras serem causadas por uma “abertura” nas nuvens.
Em vez disso, as novas observações indicam que as manchas escuras são provavelmente devidas ao escurecimento de partículas de ar numa camada abaixo da camada principal de neblina visível, à medida que os gelos e as neblinas se misturam na atmosfera de Neptuno.
Chegar a esta conclusão não foi tarefa fácil, já que as manchas escuras não são estruturas permanentes da atmosfera de Neptuno e os astrónomos nunca tinham conseguido estudá-las com detalhe suficiente.
A oportunidade surgiu depois do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA ter descoberto várias manchas escuras na atmosfera de Neptuno, incluindo uma no hemisfério norte do planeta, observada pela primeira vez em 2018.
Irwin e a sua equipa aproveitaram esta oportunidade para a estudar a partir do solo, fazendo uso de um instrumento ideal para estas difíceis observações.

Esta imagem mostra Neptuno observado pelo instrumento MUSE montado no VLT do ESO. Para cada pixel de Neptuno, o MUSE separa a luz nas suas cores, ou comprimentos de onda, constituintes. Este processo é semelhante a obter imagens de milhares de comprimentos de onda todos ao mesmo tempo, o que fornece aos astrónomos uma enorme quantidade de informação preciosa. Esta imagem combina todas as cores capturadas pelo MUSE numa vista “normal” de Neptuno, onde podemos ver a mancha escura em cima à direita.
Crédito: ESO/P. Irwin et al.
Com o auxílio do instrumento MUSE (Multi Unit Spectroscopic Explorer) montado no VLT, os investigadores conseguiram separar a luz solar reflectida por Neptuno e pela sua mancha nas cores, ou comprimentos de onda, que a compõem, e obter assim um espectro tridimensional, o que significa que conseguiram estudar a mancha com mais pormenor do que o que era possível até à data.
“Estou bastante contente por termos sido capazes de obter não só a primeira detecção de uma mancha escura a partir do solo, mas também de registar pela primeira vez o espectro de reflexão de uma tal estrutura”, diz Irwin.
Uma vez que diferentes comprimentos de onda sondam diferentes profundidades na atmosfera de Neptuno, a obtenção de um espectro permitiu aos astrónomos determinar melhor a altitude a que se encontra a mancha escura na atmosfera do planeta.
O espectro forneceu também informações sobre a composição química das diferentes camadas da atmosfera, o que deu à equipa pistas sobre a razão pela qual a mancha nos aparece escura.
Estas observações levaram também a um resultado surpreendente. “Neste processo, descobrimos um tipo raro de nuvem brilhante e profunda que nunca tinha sido identificado anteriormente, mesmo a partir do espaço,” diz o co-autor do estudo, Michael Wong, investigador na Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA.
Este tipo raro de nuvem mostrou-se-nos como uma mancha brilhante mesmo ao lado da mancha escura principal. Os dados do VLT mostram que a nova “nuvem brilhante profunda” se encontra na atmosfera ao mesmo nível que a mancha escura principal.
Isto significa que se trata de um tipo de estrutura completamente nova sem relação com as pequenas nuvens “companheiras” de gelo de metano observadas anteriormente a grande altitude.
Com a ajuda do VLT do ESO, os astrónomos podem agora estudar estruturas como estas manchas a partir da Terra. “Este é um aumento espantoso da capacidade da humanidade para observar o cosmos.
No início, só conseguíamos detectar estas manchas com o auxílio de sondas espaciais enviadas para o local, como a Voyager.
Depois, conseguimos distingui-las à distância com o Telescópio Espacial Hubble. Agora, a tecnologia avançou para permitir fazer o mesmo a partir do solo”, conclui Wong, antes de acrescentar, na brincadeira: “Como observador Hubble, isto pode levar-me ao desemprego!”
// ESO (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature Astronomy)
// Artigo científico (arXiv.org)
CCVALG
29 de Agosto de 2023
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 1 mês ago