540: Os dias de Marte estão cada vez mais curtos (e ninguém sabe porquê)

 

CIÊNCIA // MARTE // DIAS

Um dia em Marte dura cerca de 37 minutos a mais do que um dia na Terra. Mas, parece que ambos os planetas estão a trabalhar para corrigir esta lacuna. Novos dados da sonda InSight da NASA revelam que os dias marcianos estão a ficar cada vez mais curtos e os cientistas não sabem explicar o porquê. 

NASA
A sonda InSight explorou o subsolo de Mart

A missão espacial InSight (Interior Exploration using Seismic Investigations, Geodesy and Heat Transport) enviou uma sonda para Marte em 2018, com o objectivo de realizar experiências científicas no terreno.

O principal objectivo desta missão espacial estava em estudar o interior do Planeta Vermelho, bem como instalar antenas de rádio que poderiam ser úteis na medição da rotação de Marte.

No entanto, os seus painéis solares acumularam demasiado pó e a sonda ficou sem energia em Dezembro de 2022.

Ainda assim, foi recolhida uma massiva quantidade de dados, que estão ainda hoje a ser interpretados pelos cientistas.

As antenas colocadas em Marte comunicam directamente com a Deep Space Network da NASA, um sistema instalado aqui, na Terra.

Os sinais emitidos por estas antenas foram recebidos ao longo de vários dias e anos, até que os cientistas tivessem uma grande quantidade de dados para analisar.

Através destes dados, foi possível medir o alongamento e encurtamento de ondas de rádio, à medida que o planeta vermelho em rotação se aproximava e se afastava da Terra, na sua órbita.

O efeito que explica este fenómeno designa-se por Efeito Doppler. E é fácil de entender quando se utiliza o clássico exemplo da ambulância com uma sirene – o som da ambulância parece-nos cada vez mais agudo quando se aproxima de nós, e vai-se tornando mais grave à medida que se distancia.

A equipa de investigação analisou os dados recolhidos durante os primeiros 900 dias marcianos desde que a sonda da InSight aterrou em Marte e corrigiu determinados factores como o vento solar e a humidade na atmosfera terrestre.

Após esta correcção, os cientistas puderam então interpretar os dados e tirar conclusões sobre alterações na velocidade de rotação de Marte.

“Estamos essencialmente à procura de pequenas variações, de algumas dezenas de centímetros, ao longo de um ano marciano”, afirma Sebastien Le Maistre, autor principal do estudo. “Demora muito tempo a acumular uma grande quantidade de dados, até que seja possível ver alguma variação”, explica.

No entanto, após a análise de resultados, os investigadores conseguiram descobrir que a rotação de Marte está a acelerar, embora numa escala muito reduzida – cerca de 4 miliarco-segundos por ano.

Por outras palavras, isto significa que um dia em Marte fica mais curto a cada ano, numa pequena fracção de milissegundos.

Até agora, as razões da aceleração do planeta permanecem uma incógnita. Sabe-se que a lua desempenha um papel importante na velocidade de rotação da Terra e, na verdade, esta está a tornar os nossos dias ligeiramente mais longos.

Porém, as duas luas de Marte são muito mais pequenas e por isso presume-se que o seu impacto não seja significativo.

Ao invés, os cientistas sugerem que tal pode dever-se a mudanças na massa de gelo acumulado nos calotes polares, ou ainda por massas de terra que emergiram do seu descongelamento.

Os dados recolhidos, publicados na revista Nature, permitiram também calcular o balanço de Marte enquanto este gira, provocado essencialmente pelo líquido existente no seu núcleo.

Através destes dados, conseguiram estimar o raio do seu núcleo, que deverá estar entre os 1.790 e os 1.850 quilómetros.

Embora a sonda da missão InSight já não esteja a operar, os cientistas continuam a debruçar-se sobre os dados que esta recolheu durante o seu tempo de vida no misterioso Planeta Vermelho. E muitas mais conclusões poderão ainda surgir.

 Patrícia Carvalho, ZAP //
13 Agosto, 2023


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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535: Estudo do InSight descobre que Marte está a girar mais depressa

 

CIÊNCIA // MARTE // INSIGHT

Os cientistas efectuaram as medições mais precisas de sempre da rotação de Marte, detectando, pela primeira vez, a forma como o planeta oscila devido ao movimento do seu núcleo de metal fundido.

As descobertas, detalhadas num artigo recente da revista Nature, baseiam-se em dados do módulo de aterragem InSight da NASA, que operou durante quatro anos antes de ficar sem energia na sua missão prolongada em Dezembro de 2022.

Um “selfie” final obtido pelo “lander” InSight da NASA a 24 de Abril de 2022, o 1211º dia marciano, ou sol, da missão. O “lander” está coberto de muito mais pó do que estava no seu primeiro “selfie”, tirado em Dezembro de 2018, pouco tempo depois da aterragem. Dado que os painéis solares empoeirados do InSight estavam já a produzir menos energia, a equipa colocou o braço robótico do “lander” na sua posição de descanso (chamada “pose de reforma”) em maio de 2022. Apesar da missão ter terminado em Dezembro desse ano, os instrumentos do InSight ainda estão a levar a novas descobertas científicas.
Crédito: NASA/JPL-Caltech

Para rastrear a rotação do planeta, os autores do estudo contaram com um dos instrumentos do InSight: um transponder de rádio e antenas colectivamente chamado de RISE (Rotation and Interior Structure Experiment).

Descobriram que a rotação do planeta está a acelerar cerca de 4 milésimos de segundo por ano – o que corresponde a uma diminuição da duração do dia marciano por uma fracção de milésimo de segundo por ano.

É uma aceleração subtil e os cientistas não têm a certeza absoluta da causa. Mas têm algumas ideias, incluindo a acumulação de gelo nas calotes polares ou o ressurgimento pós-glacial, em que as massas de terra sobem depois de terem sido enterradas pelo gelo.

A mudança na massa de um planeta pode fazer com que este acelere um pouco como um patinador no gelo a girar com os braços esticados e depois a puxar os braços para dentro.

“É muito interessante poder obter esta última medição – e com tanta precisão”, disse o investigador principal do InSight, Bruce Banerdt, do JPL da NASA, no sul da Califórnia.

“Há muito tempo que estou envolvido nos esforços para colocar uma estação geofísica como o InSight em Marte, e resultados como este fazem com que todas estas décadas de trabalho valham a pena.”

Este conceito artístico anotado do módulo de aterragem InSight da NASA em Marte destaca as antenas no convés do “lander”. Juntamente com um transponder de rádio, estas antenas constituem um instrumento chamado RISE (Rotation and Interior Structure Experiment).
Crédito: NASA/JPL-Caltech

Como funciona o RISE

O RISE faz parte de uma longa tradição de “landers” marcianos que utilizam ondas de rádio para fins científicos, incluindo as sondas gémeas Viking na década de 1970 e a Pathfinder no final da década de 1990.

Mas nenhuma dessas missões tinha a vantagem da tecnologia de rádio avançada do InSight e das actualizações das antenas da DSN (Deep Space Network) da NASA na Terra.

Em conjunto, estas melhorias forneceram dados cerca de cinco vezes mais precisos do que os que estavam disponíveis para os módulos Viking.

No caso do InSight, os cientistas enviavam um sinal de rádio para o módulo de aterragem utilizando a DSN. O RISE reflectia então o sinal de volta.

Quando os cientistas recebiam o sinal reflectido, procuravam pequenas alterações na frequência causadas pelo efeito Doppler (o mesmo efeito que faz com que a sirene de uma ambulância mude de tom à medida que se aproxima e depois se afasta). A medição do desvio permitiu aos investigadores determinar a velocidade de rotação do planeta.

“O que procuramos são variações que correspondem a apenas algumas dezenas de centímetros ao longo de um ano marciano”, disse o autor principal do artigo e investigador principal do RISE, Sebastien Le Maistre do Observatório Real da Bélgica. “É preciso muito tempo e acumular uma grande quantidade de dados antes de podermos ver estas variações”.

O artigo examinou os dados dos primeiros 900 dias do InSight em Marte – tempo suficiente para procurar essas variações.

Os cientistas tiveram muito trabalho para eliminar as fontes de ruído: a água torna os sinais de rádio mais lentos, pelo que a humidade na atmosfera terrestre pode distorcer o sinal que chega de Marte. O mesmo acontece com o vento solar, os electrões e protões lançados do Sol para o espaço profundo.

“É uma experiência histórica”, disse Le Maistre. “Gastámos muito tempo e energia a preparar a experiência e a antecipar estas descobertas. Mas, apesar disso, ainda fomos surpreendidos ao longo do caminho – e ainda não acabou, uma vez que o RISE ainda tem muito a revelar sobre Marte.”

Medições do núcleo marciano

Os dados do RISE foram também utilizados pelos autores do estudo para medir a oscilação de Marte – a chamada nutação – devido ao movimento do seu núcleo líquido.

A medição permite aos cientistas determinar o tamanho do núcleo: com base nos dados do RISE, o núcleo tem um raio de cerca de 1835 quilómetros.

Os autores compararam então esse valor com duas medições anteriores do núcleo, obtidas a partir do sismómetro do mesmo módulo de aterragem. Especificamente, analisaram a forma como as ondas sísmicas viajavam pelo interior do planeta – se se reflectiam no núcleo ou se o atravessavam sem impedimentos.

Tendo em conta as três medições, estimam que o raio do núcleo tenha um tamanho entre 1.790 e 1.850 quilómetros. Marte como um todo tem um raio de 3390 quilómetros – cerca de metade do tamanho da Terra.

A medição da oscilação de Marte também forneceu pormenores sobre a forma do núcleo.

“Os dados do RISE indicam que a forma do núcleo não pode ser explicada apenas pela sua rotação”, disse o segundo autor do artigo, Attilio Rivoldini do Observatório Real da Bélgica. “Essa forma requer regiões de densidade ligeiramente superior ou inferior enterradas nas profundezas do manto”.

Embora os cientistas continuem a explorar os dados do InSight durante anos, este estudo marca o capítulo final do papel de Banerdt como investigador principal da missão. Após 46 anos no JPL, reformou-se no dia 1 de Agosto.

// NASA (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Nature)
// Artigo científico (PDF)

CCVALG
11 de Agosto de 2023


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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199: A visão mais clara de sempre do núcleo de Marte

 

CIÊNCIA // ASTRONOMIA // MARTE

Embora a NASA tenha aposentado o seu módulo de aterragem InSight em Dezembro, o tesouro de dados do seu sismómetro será analisado durante décadas.

Ao analisar as ondas sísmicas que o instrumento detectou de um par de tremores de terra em 2021, os cientistas conseguiram deduzir que o núcleo líquido de ferro de Marte é mais pequeno e mais denso do que se pensava.

Esta ilustração mostra um corte de Marte, juntamente com as trajectórias das ondas sísmicas de dois tremores de terra distintos em 2021. Detectadas pela missão InSight da NASA, estas ondas sísmicas foram as primeiras identificadas a entrar no núcleo de outro planeta.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Universidade de Maryland

As descobertas, que marcam as primeiras observações directas alguma vez feitas do núcleo de outro planeta, foram detalhadas num artigo científico publicado a 24 de Abril na revista PNAS (Proceedings of the National Academies of Sciences).

Ocorridos a 25 de Agosto e a 18 de Setembro de 2021, os dois tremores de terra foram os primeiros identificados pela equipa do InSight como tendo tido origem no lado oposto do planeta em relação ao “lander”.

A distância revelou-se crucial: quanto mais longe um sismo ocorre do InSight, mais fundo no planeta as suas ondas sísmicas podem viajar antes de serem detectadas.

“Precisámos de sorte e de habilidade para encontrar e usar estes sismos”, disse a autora principal Jessica Irving, cientista da Terra na Universidade de Bristol, Reino Unido.

“Os sismos que ocorrem no lado oposto [de Marte, em relação ao InSight,] são intrinsecamente mais difíceis de detectar porque uma grande quantidade de energia é perdida ou desviada à medida que as ondas sísmicas viajam através do planeta”.

Irving observou que os dois tremores ocorreram depois de a missão ter estado a operar no Planeta Vermelho durante mais de um ano marciano (cerca de dois anos terrestres), o que significa que o Serviço de Sismos Marcianos – os cientistas que inicialmente examinam os sismógrafos – já tinha aperfeiçoado as suas capacidades.

Também ajudou o facto de um impacto de um meteoroide ter provocado um dos dois tremores de terra; os impactos fornecem uma localização precisa e dados mais exactos para um sismólogo trabalhar (como Marte não tem placas tectónicas, a maioria dos sismos de Marte são provocados por falhas, ou fracturas na rocha, que se formam na crosta do planeta devido ao calor e ao stress). O tamanho dos sismos foi também um factor importante para as detecções.

“Estes dois tremores de terra foram dos maiores ‘ouvidos’ pelo InSight”, disse Bruce Banerdt, investigador principal do InSight no JPL da NASA, no sul da Califórnia. “Se não fossem tão grandes, não os teríamos detectado”.

Esta é a última imagem enviada pelo “lander” InSight da NASA. Foi obtida no dia 11 de Dezembro de 2022, ou durante o sol 1436 da missão; mostra o sismómetro do InSight à superfície do Planeta Vermelho.
Crédito: NASA/JPL-Caltech

Um dos desafios na detecção destes sismos em particular foi o facto de se encontrarem numa “zona de sombra” – uma parte do planeta a partir da qual as ondas sísmicas tendem a ser refractadas para longe do InSight, tornando difícil que o eco de um terramoto chegue ao módulo de aterragem, a menos que seja muito grande.

A detecção de ondas sísmicas que atravessam uma zona de sombra é excepcionalmente difícil; é ainda mais impressionante que a equipa do InSight o tenha feito usando apenas o único sismómetro que tinha em Marte (em contraste, existem muitos sismómetros espalhados pela Terra).

“Foram necessários muitos conhecimentos sismológicos de toda a equipa do InSight para extrair os sinais dos complexos sismogramas registados pelo ‘lander'”, disse Irving.

Um artigo anterior, que forneceu um primeiro vislumbre do núcleo do planeta, baseou-se em ondas sísmicas reflectidas do seu limite exterior, fornecendo dados menos precisos.

A detecção de ondas sísmicas que realmente viajaram através do núcleo permite aos cientistas aperfeiçoar os seus modelos do aspecto do núcleo.

Com base nas descobertas documentadas no novo artigo, cerca de um-quinto do núcleo é composto por elementos como enxofre, oxigénio, carbono e hidrogénio.

“A determinação da quantidade destes elementos num núcleo planetário é importante para compreender as condições no nosso Sistema Solar quando os planetas se estavam a formar e como estas condições afectaram os planetas que se formaram”, disse um dos co-autores do artigo, Doyeon Kim da ETH Zurique.

Foi sempre esse o objectivo central da missão do InSight: estudar o interior profundo de Marte e ajudar os cientistas a compreender como todos os mundos rochosos se formam, incluindo a Terra e a Lua.

// NASA (comunicado de imprensa)
// Universidade de Bristol (comunicado de imprensa)
// Universidade de Maryland (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Proceedings of the National Academies of Sciences)

Astronomia – Centro Ciência Viva do Algarve
28 de Abril de 2023

28.04.2023


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