448: Estranhos poços da Idade da Pedra deixam arqueólogos perplexos

 

CIÊNCIA // ARQUEOLOGIA // IDADE DA PEDRA

Um grupo de arqueólogos encontrou 25 grandes poços espalhados no interior de Inglaterra. Datam da mesma época que os encontrados em Stonehenge e já são uma das descobertas pré-históricas mais importantes dos últimos tempos.

Hugh Gatt / MOLA
Os “poços de Linmere”, como são conhecidos, podem ter até 5 metros de largura e 1,85 metros de profundidade

Os poços foram descobertos em Linmere, Bedfordshire, durante duas escavações realizadas em 2019 e 2021, respectivamente.

Através de datação por radio-carbono foi possível perceber que estas estruturas datam entre 8.500 e 7.700 anos atrás – exactamente no final do período Mesolítico (entre 9.000 e 6.000 anos atrás).

Este é um período relativamente obscuro na história britânica, uma vez que existem poucas provas ou indícios sobre como seria a vida nesta época.

As poucas evidências que existem apontam para ferramentas de pederneira e restos de animais massacrados. Muito pouco para reconstruir aquilo que seria o modo de vida na Grã-Bertanha mesolítica.

Os “poços de Linmere”, como são conhecidos, são poços arredondados com lados muito íngremes.

Podem ter até 5 metros de largura e 1,85 metros de profundidade, embora alguns tenham um fundo ainda mais alargado. Para os construir seria necessário um grande esforço e mão-de-obra.

Curiosamente, estes poços parecem estar dispostos em várias linhas rectas que podem ter até 500 metros de comprimentos. Embora outros poços mesolíticos já tenham sido descritos, estes têm uma particularidade interessante – parecem agrupar-se em torno de antigos canais ou riachos.

“Os poços mesolíticos de Linmere são uma descoberta muito empolgante”, afirma Joshua Pollard, professor e especialista na Universidade Southampton.

“Embora existam outros poços grandes e enigmáticos cavados por caçadores recolectores em várias partes da Grã-Bretanha, inclusive em Stonehenge, os poços de Linmere são impressionantes devido ao seu número e à grande área que cobrem.”

Alguns destes poços continham ossos de animais, uma importante fonte de informação sobre a vida contemporânea. Os ossos aparentam pertencer a várias espécies, incluindo martas, veados, javalis e auroques, uma espécie de gado selvagem.

Os ossos de auroques sugerem que estes animais eram utilizados como fonte de alimentação. Além disso, foi a partir das suas ossadas que se conseguiu datar a idade dos poços por radio-carbono.

“Foi incrível para toda a equipa trabalhar num local tão importante para o período Mesolítico”, afirma Yvonne Wolframm-Murray, Directora de Projectos do Museu de Arqueologia de Londres (MOLA) e que participou na descoberta em conjunto com a Albion Archaeology.

“Estas descobertas demonstram a importância da datação de carbono aliada ao trabalho de campo. Sem estes, não teríamos percebido o enorme significado desta descoberta”, acrescenta a investigadora.

Hugh Gatt / MOLA
Ninguém sabe por quem motivo estes poços foram construídos

A razão pela qual estes poços foram construídos é ainda uma incógnita, mas já há várias especulações. Uma das teorias aponta que estes poderiam ter sido usados para armazenar alimentos, embora tal seja pouco provável.

Os caçadores recolectores da Grã-Bretanha mesolítica eram nómadas e, por isso, não faria sentido construir poços desta envergadura para guardar alimentos.

Outra teoria afirma que os poços teriam alguma ligação com rituais espirituais. Em particular devido ao seu alinhamento e à sua localização particular, junto a fontes de água.

Nos próximos tempos, os investigadores vão analisar se o arranjo dos poços está alinhado com algum evento celeste, como o solstício. Através das ossadas recolhidas será ainda possível extrapolar informações que permitirão reconstruir a paisagem da época.

Para já, as evidências sugerem a existência de carvalhos, aveleiras e pinheiros, dada a presença de um determinado tipo de pólen encontrado nas escavações.

  Patrícia Carvalho, ZAP //
16 Julho, 2023



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277: Cientistas “ressuscitam” bactéria da Idade da Pedra (e produtos naturais dos Neandertais)

 

CIÊNCIA // PALEONTOLOGIA // NEANDERTAIS

Um estudo transdisciplinar utilizou fósseis de dentes humanos e de neandertais para reconstruir produtos naturais produzidos por bactérias existentes há mais de 100 000 anos, na Idade da Pedra.

ZAP / TNA // The Smithsonian Institution; PEDESTAL3D

Os mais recentes avanços na área da biotecnologia permitiram reconstruir genomas antigos e revelar os segredos de microrganismos pertencentes ao paleolítico.

Num novo estudo, publicado na revista Science, foi possível reconstruir o genoma bacteriano de bactérias do Pleistoceno, que até então eram completamente desconhecidas.

Estes dados permitiram, por sua vez, construir uma plataforma de biotecnologia que compila uma ampla gama de produtos naturais, produzidos por estas bactérias.

Este estudo transdisciplinar, apresentado num artigo publicado este mês na revista Science, envolveu cientistas do grupo de Investigação em Produtos Naturais e Biologia de Infecção do Instituto Leibiniz, do Instituto Max Planck e da Universidade de Harvard.

Os microrganismos são autênticos mestres no que toca à produção de produtos químicos, também conhecidos como produtos naturais. Estes seres vivos são responsáveis por produzir um grande número de antibióticos e de outras drogas utilizadas em diversos tratamentos clínicos.

No entanto, a produção sintética destes produtos naturais não é simples. As bactérias conseguem fazê-lo porque têm genes especializados na sua produção. Até então, o estudo de produtos naturais produzidos por microrganismos estava limitado às bactérias vivas, cujo genoma pode ser facilmente sequenciado.

Mas estes microrganismos habitam o planeta Terra há mais de 3 mil milhões de anos, e muitas delas já foram extintas. Há, por isso, um conjunto de produtos naturais antigos, produzidos por estes seres vivos, que nunca foi revelado.

“Neste estudo alcançamos um marco importante ao revelar a diversidade genética e química do nosso passado microbiano”, diz a co-autora do estudo Christina Warinner, em nota de imprensa publicada no site do Instituto Leibiniz.

“O nosso objectivo passa por descobrir estes produtos naturais antigos e analisar as suas possíveis aplicações futuras”, acrescenta o co-autor Pierre Stallforth.

Um puzzle com milhares de milhões de peças

Quando um organismo morre, o seu DNA é degradado e fragmentado numa infinidade de pequenos pedaços. Os cientistas conseguem identificar estes fragmentos e compará-los com a os genomas existentes em bases de dados.

No entanto, os arqueólogos microbianos têm-se deparado com um grande entrave – a maioria do DNA antigo não pode ser comparado com nenhum genoma conhecido. Por outras palavras, não há similaridade entre a genoma de bactérias antigas e de bactérias actuais.

Este facto dificulta o processo de sequenciação de genomas antigos uma vez que os investigadores acabam por ficar com pedaços de DNA sequenciado que não conseguem montar numa só sequência, num só genoma.

É como tentar montar as peças de um puzzle sem conhecer a imagem final. Porém, os avanços da computação têm permitido reajustar os fragmentos de DNA e reconstruir o genoma bacteriano, ainda que com dificuldade.

“Tivemos que repensar a nossa abordagem”, diz Alexander Hübner, um dos investigadores envolvidos no estudo.

Após 3 anos de testes e optimizações, Hübner afirma que foi possível reconstruir sequências de DNA com mais de 100.000 pares de bases, e assim recuperar um conjunto de genes e genomas antigos que eram até então desconhecidos.

“Agora podemos partir de milhares de milhões de fragmentos de DNA antigo e ordená-los em genomas bacterianos que foram perdidos na Idade do Gelo”.

Descobrir o Paleolítico microbiano através do tártaro

A equipa de investigação começou por reconstruir genomas bacterianos envoltos em fósseis dentários, também conhecido como tártaro, de 12 neandertais que datam de 102.000 e 40.000 anos atrás, 34 humanos de 30 000 a 150.000 anos atrás e 18 humanos actuais.

O tártaro dentário é a única parte do corpo humano que fossiliza durante a vida, tornando a placa bacteriana viva num autêntico cemitério de bactérias mineralizadas.

Felix Wey / Werner Siemens Foundation
Tártaro dentário recuperado de humanos que viveram há 40 mil a 100 mil anos

Os investigadores conseguiram então reconstruir o genoma de diversas espécies bacterianas orais, por entre as quais o genoma de um conjunto de bactérias pertencentes ao género Chlorobium.

No total, foram sequenciados 7 genomas de Chlorobium e todos eles apresentaram um conjunto de genes cuja função era completamente desconhecida. Esta lacuna chamou à atenção dos cientistas, que procuraram descobrir a natureza destes genes antigos.

“O tártaro dentário da Dama Vermelha de El Mirón, Espanha, com 19 000 anos, produziu um genoma de Chlorobium particularmente bem preservado”, diz Anan Ibrahim, co-autor do estudo. “Após descobrir estes genes antigos, quisemos levá-los para o laboratório e descobrir a sua função”.

A descoberta de paleofuranos

A equipa de investigação isolou os ancestrais genes de Chlorobium e inseriu-os no genoma de bactérias vivas, de modo que estas produzissem a substância química escondida por detrás destes genes antigos. Esta foi a primeira vez que uma abordagem desta natureza foi executada com sucesso.

As bactérias vivas foram capazes de produzir uma nova família de produtos naturais, nomeada como “paleofuranos”. Na verdade, os paleofuranos não têm nada de novo, muito pelo contrário. Os resultados indicam que estas moléculas eram produzidas pelas bactérias do género Chlorobium há milhões de anos.

“Este é o primeiro passo para conhecer a diversidade química escondida nos microrganismos que habitaram a Terra e permite iniciar um novo capítulo na descoberta de produtos naturais”, diz Martin Klapper, co-autor principal do estudo.

Descobrir novos antibióticos

O sucesso do estudo é o resultado directo de uma colaboração ambiciosa entre arqueólogos, bioinformáticos, biólogos moleculares e químicos, que permitiu superar barreiras tecnológicas e abrir um novo caminho científico.

“Com o financiamento da Werner Siemens Foundation, propusemo-nos a construir uma ponte entre a área das ciências naturais e as humanidades”, diz Pierre Stallforth.

“Trabalhamos em colaboração para desenvolver a tecnologia necessária para recriar moléculas produzidas há cem mil anos”, diz Christina Warinner.

De olhos postos no futuro, a equipa de investigação espera utilizar esta técnica para encontrar novos antibióticos, numa época em que a resistência aos antibióticos têm assustado a comunidade científica.

Patrícia Carvalho, ZAP //
20 Maio, 2023

 


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