198: Observatórios solares revelam que a cauda de um asteróide, semelhante à de um cometa, não é feita de poeira

 

CIÊNCIA // ASTRONOMIA // ASTERÓIDES

Um asteróide estranho acaba de ficar um pouco mais estranho.

Esta ilustração mostra o asteróide Faetonte a ser aquecido pelo Sol. A superfície do asteróide fica tão quente que o sódio, dentro da rocha de Faetonte, provavelmente vaporiza e é expelido para o espaço, fazendo com que aumente de brilho como um cometa e desenvolva uma cauda.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/IPAC

Há já algum tempo que sabemos que o asteróide 3200 Faetonte actua como um cometa. Brilha e forma uma cauda quando se aproxima do Sol e é a fonte da chuva anual de meteoros das Gemínidas, apesar de os cometas serem responsáveis pela maioria das chuvas de meteoros. Os cientistas atribuíram o comportamento tipo-cometa de Faetonte à poeira que escapa do asteróide quando este é “queimado” pelo Sol.

No entanto, um novo estudo utilizando dois observatórios solares da NASA revela que a cauda de Faetonte não é de todo poeirenta, mas sim constituída pelo gás sódio.

“A nossa análise mostra que a actividade tipo-cometa de Faetonte não pode ser explicada por qualquer tipo de poeira”, disse o estudante de doutoramento Qicheng Zhang, do Caltech (California Institute of Technology), autor principal de um artigo científico publicado na revista The Planetary Science Journal.

Os asteróides, que são maioritariamente rochosos, não costumam formar caudas quando se aproximam do Sol. Os cometas, no entanto, são uma mistura de gelo e rocha, e normalmente formam caudas quando o Sol vaporiza o seu gelo, libertando material das suas superfícies e deixando um rasto ao longo das suas órbitas.

Quando a Terra passa por um rasto de detritos, esses pedaços de cometas ardem na nossa atmosfera e produzem um enxame de estrelas cadentes – uma chuva de meteoros.

Depois de os astrónomos terem descoberto Faetonte em 1983, aperceberam-se que a órbita do asteróide coincidia com a dos meteoros das Gemínidas. Este facto apontou para Faetonte como a fonte da chuva de meteoros anual, apesar de Faetonte ser um asteróide e não um cometa.

Em 2009, a sonda STEREO (Solar Terrestrial Relations Observatory) da NASA detectou uma pequena cauda que se estendia de Faetonte quando o asteróide atingiu o ponto mais próximo do Sol (ou “periélio”) ao longo da sua órbita de 524 dias.

Os telescópios normais não tinham visto a cauda antes, porque esta só se forma quando Faetonte está demasiado perto do Sol para ser observada, excepto pelos observatórios solares.

A STEREO também viu a cauda de Faetonte desenvolver-se em aproximações solares posteriores, em 2012 e 2016. O aparecimento da cauda apoiou a ideia de que a poeira estava a escapar da superfície do asteróide quando aquecido pelo Sol.

No entanto, em 2018, outra missão solar captou imagens de parte do rasto de detritos das Gemínidas e encontrou uma surpresa.

As observações da Parker Solar Probe da NASA mostraram que o rasto continha muito mais material do que aquele que Faetonte poderia ter libertado durante as suas aproximações ao Sol.

Esta sequência de imagens, obtida ao longo de duas horas pela sonda SOHO (Solar Terrestrial Relations Observatory), mostra Faetonte (dentro do círculo) a mover-se em relação às estrelas de fundo. As imagens foram obtidas no dia 15 de maio de 2022, quando o asteróide com 5,4 km passou perto do Sol, a uma distância de quase 21 milhões de quilómetros. Embora a SOHO observe normalmente o Sol, também observa muitos objectos que passam perto do Sol, incluindo cometas e asteróides. Os riscos brancos aleatórios são partículas energéticas, ou raios cósmicos, que bombardeiam constantemente a câmara da SOHO.
Crédito: ESA/NASA/USNRL/Karl Battams

A equipa de Zhang interrogou-se se outra coisa, para além da poeira, estaria por detrás do comportamento cometário de Faetonte.

“Os cometas brilham frequentemente devido à emissão do sódio quando estão muito perto do Sol, por isso suspeitámos que o sódio poderia também desempenhar um papel fundamental no brilho de Faetonte”, disse Zhang.

Um estudo anterior, baseado em modelos e testes laboratoriais, sugeriu que o calor intenso do Sol durante as aproximações solares de Faetonte poderia, de facto, vaporizar o sódio dentro do asteróide e conduzir a uma actividade semelhante à de um cometa.

Na esperança de descobrir de que é realmente feita a cauda, Zhang procurou-a novamente durante o último periélio de Faetonte, em 2022.

Utilizou a sonda SOHO (Solar and Heliospheric Observatory) – uma missão conjunta da NASA e da ESA – que possui filtros de cor capazes de detectar sódio e poeira.

A equipa de Zhang também pesquisou imagens de arquivo da STEREO e da SOHO, encontrando a cauda durante 18 das aproximações solares de Faetonte entre 1997 e 2022.

Nas observações da SOHO, a cauda do asteróide apareceu brilhante no filtro que detecta o sódio, mas não apareceu no filtro que detecta a poeira.

Além disso, a forma da cauda e a maneira como brilhou quando Faetonte passou pelo Sol correspondem exactamente ao que os cientistas esperariam se fosse feita de sódio, mas não se fosse constituída por poeira.

Esta evidência indica que a cauda de Faetonte é feita de sódio e não de poeira.

“Não só temos um resultado muito interessante, que de certa forma altera 14 anos de pensamento sobre um objecto bem escrutinado”, disse o membro da equipa Karl Battams, do Laboratório de Investigação Naval, “como também o fizemos utilizando dados de duas naves espaciais heliofísicas – a SOHO e a STEREO – que não se destinavam de todo a estudar fenómenos como este”.

O instrumento LASCO (Large Angle and Spectrometric Coronagraph) da SOHO fotografou o asteróide Faetonte através de diferentes filtros quando este passou perto do Sol em maio de 2022. À esquerda, o filtro laranja sensível ao sódio mostra o asteróide com uma nuvem circundante e uma pequena cauda, sugerindo que os átomos de sódio da superfície do asteróide estão a brilhar em resposta à luz solar. À direita, o filtro azul sensível à poeira não mostra qualquer sinal de Faetonte, indicando que o asteróide não está a produzir qualquer poeira detectável.
Crédito: ESA/NASA/Qicheng Zhang

Zhang e os seus colegas perguntam-se agora se alguns dos cometas descobertos pela SOHO – e por cientistas cidadãos que estudam as imagens da SOHO no âmbito do projecto Sungrazer – nem serão, de facto, cometas.

“Muitos desses outros ‘cometas’ que ‘raspam’ o Sol podem também não ser ‘cometas’ no sentido habitual de corpos gelados, mas podem ser asteróides rochosos como Faetonte, aquecidos pelo Sol”, explicou Zhang.

Ainda assim, resta uma questão importante: se Faetonte não liberta muita poeira, como é que o asteróide fornece o material para a chuva de meteoros das Gemínidas que vemos todos os anos em Dezembro?

A equipa de Zhang suspeita que algum tipo de acontecimento perturbador ocorrido há alguns milhares de anos – talvez um pedaço do asteróide que se partiu sob o stress da rotação da Faetonte – fez com que Faetonte ejetasse os milhares de milhões de toneladas de material que se estima constituírem a corrente de detritos das Gemínidas. Mas exactamente que acontecimento foi esse permanece um mistério.

Mais respostas poderão vir de uma futura missão da JAXA (Japan Aerospace Exploration Agency) chamada DESTINY+ (Demonstration and Experiment of Space Technology for Interplanetary voyage Faetonte fLyby and dUst Science).

No final desta década, espera-se que a nave espacial DESTINY+ passe por Faetonte, capte imagens da sua superfície rochosa e estude qualquer poeira que possa existir à volta deste asteróide enigmático.

// NASA (comunicado de imprensa)
// ESA (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (The Planetary Science Journal)
// Artigo científico (arXiv.org)

Astronomia – Centro Ciência Viva do Algarve
28 de Abril de 2023

28.04.2023


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