“Provámos nos últimos 30 anos que a Moldávia pode aderir à UE porque somos uma democracia”

 

🇲🇩 MOLDÁVIA // 🇪🇺 UNIÃO EUROPEIA

Vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros e da Integração Europeia moldavo esteve em Lisboa para pedir a Portugal apoio no processo de adesão à UE. Nicu Popescu conversou com o DN sobre a evolução do país e o impacto da guerra na vizinha Ucrânia.

© Leonardo Negrão / Global Imagens

Tendo em vista as ambições de integração europeia da Moldávia, esta guerra na Ucrânia torna essas ambições mais possíveis de concretizar ou, de certo modo, torna-as mais difíceis? Como é que a guerra afeta as vossas perspectivas europeias?
É claro que a guerra é um acontecimento enormemente negativo, trágico e traumático para todo o continente, pois é a maior guerra desde a Segunda Guerra Mundial, com as maiores operações militares e com o maior número de vítimas em solo europeu desde 1945. É um acontecimento verdadeiramente dramático. Ao mesmo tempo, penso que se olharmos para a História da Europa e a sua integração vemos que a própria integração europeia apareceu como uma reacção contra a guerra, contra a animosidade franco-alemã e que foi criada como uma forma de ultrapassar os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Com os alargamentos subsequentes da União Europeia esta tornou-se uma ferramenta espantosa para consolidar países na modernização das suas democracias e penso que Portugal e Espanha são grandes exemplos disso. Portanto, até certo ponto, se olharmos para a História do continente europeu, a integração europeia veio como uma resposta à guerra e, consequentemente, ao autoritarismo e às ditaduras. Sabe melhor do que eu o que a União Europeia e a integração fez a Portugal e isso é uma inspiração para nós, na Moldávia, mas também sabemos que é um tempo diferente. Desde a Revolução dos Cravos, em 1974, até ao momento em que Portugal aderiu à UE só passaram 12 anos. Nós somos uma democracia desde 1991. Temos um registo sólido como país democrático, mas também queremos entrar na UE para consolidar a nossa democracia, tal como fizeram Portugal e Espanha.

A guerra nas vizinhanças dá-vos, de certa maneira, mais visibilidade entre os países europeus, deixa-vos mais próximos da desejada adesão?
A guerra obriga que toda a gente na Europa olhe para o alargamento de maneira diferente, não só para o que a Moldávia ou a Macedónia do Norte fazem em relação às pescas, às normas sobre os plásticos ou sobre os fertilizantes. A guerra obriga toda a gente, na Europa, a pensar como é que queremos que seja este continente, se queremos que seja pacífico. Se quisermos ajudar a consolidação democrática em países como a Moldávia, a Ucrânia, os Balcãs, então é preciso alargar a União Europeia. Neste sentido, não é que a guerra tenha tornado as coisas mais fáceis, pois a guerra complicou tudo, mas também obrigou toda a gente na Europa a um novo grau de responsabilidade na forma como se deve olhar para o alargamento. Esse alargamento deve ser sobre pescas, qualidade dos plásticos e qualidade do ar, mas é, em primeiro lugar, sobre democracia, sobre políticas, sobre segurança. Neste sentido sim, a guerra reformulou a discussão na Europa e, como parte dessa reformulação, nós tornámo-nos um país-candidato, que já era uma coisa que nós queríamos antes. Mas deixe-me dizer que, mesmo antes de a guerra começar, a Moldávia já merecia ser um país-candidato pelo que conseguiu fazer em 30 anos de democracia. É verdade que todos os ministros dos Negócios Estrangeiros elogiam os seus países, por isso vou dar alguns exemplos concretos e mostrar o que algumas respeitadas instituições internacionais dizem sobre o estado da democracia na Moldávia. Se virmos, no índice de democracia, somos o 56.º país do mundo no que respeita às normas democráticas; no índice de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras, estamos em 28.º lugar, saltámos mais de 60 posições nos últimos dois anos no capítulo da liberdade de imprensa; no índice da igualdade de género, somos 16.º país do mundo. Já fizemos muito na Moldávia para consolidar a democracia e ainda precisamos de fazer mais, mas merecemos ser um país-candidato, pois já provámos ao longo dos últimos 30 anos que somos um país da Europa Central que pode aderir à UE porque somos uma democracia. Claro que temos de a aperfeiçoar e termos normas melhores.

“Se virmos no índice de democracia somos o 56.º país do mundo no que respeita às normas democráticas; no índice de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras estamos em 28.º lugar; no índice da igualdade de género somos o 16.º país do mundo.”

Na discussão para a adesão de novos membros estão sempre presentes a qualidade da democracia, a luta contra a corrupção e a defesa do Estado de Direito. Há melhorias na Moldávia nestes capítulos?
Sim. Estamos a levar a cabo uma grande reforma da Justiça com as recomendações mais importantes da Comissão Europeia. Conseguimos alcançar grandes progressos no último ano e meio na luta anti-corrupção e fizemos muitas reformas, dezenas delas. Claro que há um grande caminho a percorrer, ainda temos muito trabalho a fazer para diminuir a corrupção. No índice internacional de transparência, a posição da Moldávia na percepção de corrupção no que toca a medidas anti-corrupção subiu 24 lugares. Como já disse, temos muito trabalho para fazer, mas já provámos que estamos a fazer progressos sérios e sistemáticos no sector da Justiça em relação à independência e anti-corrupção.

Como é o sentimento europeu na Moldávia em termos da opinião pública? A maioria dos partidos partilham essa ambição europeia?
Há uma maioria forte na opinião pública a favor da União Europeia e, mais importante, essa maioria existe há muito tempo. Quando as forças políticas tentam perder tempo em relação à integração europeia ou dizem que não querem a adesão, mas na verdade existe corrupção e roubo de dinheiro nos seus governos – e tivemos alguns desses na última década -, que querem aproximar o país da Rússia, os eleitores moldavos votam sempre a favor das forças europeias. Portanto, se falarmos de apoio à UE, é importante não olharmos apenas para o que está a acontecer hoje, mas percebermos que esta maioria tem estado presente há mais de 20 anos, com ligeiras variações e níveis de apoio. A sociedade moldava tem apoiado a democracia e a integração na União Europeia.

Como é que o separatismo da Transnístria tem afectado esta posição pró-europeia? Tem havido alguma espécie de diálogo?
Sim. Claro que termos esta região separatista no nosso país é um grande problema para nós. É um problema para a segurança da Moldávia, para a nossa economia e para a nossa tentativa de consolidação da estabilidade no nosso país e, particularmente, com a guerra na Ucrânia, claro. Ao mesmo tempo, nos últimos 30 anos, depois do acordo de 1992, a situação em redor da região da Transnístria tem estado estável em termos de segurança. Não temos tido tiroteios, não temos vítimas provocadas por tensões na segurança. Ambos os lados estão muito determinados em manter o diálogo aberto e a região pacífica e calma. Ambos os lados estão muito empenhados em negociar uma solução. Não foi fácil manter a estabilidade depois do brutal ataque da Rússia à Ucrânia que, claro, teve repercussões negativas na Transnístria, mas mantivemos o diálogo. Temos mandado ajuda para a região, vacinas quando estas foram necessárias devido à covid e temos tentado juntos manter a estabilidade e a calma. O nosso plano é aproveitarmos os anos que temos antes da adesão à UE para fazermos tudo o que for possível para integrarmos pacificamente o país com a região da Transnístria. Na verdade, este processo de integração já começou porque a Moldávia e a UE têm uma área alargada de comércio livre que está operacional desde 2014, há quase uma década portanto. Todas as empresas da Transnístria estão registadas como entidades legais moldavas e, assim, as exportações para o mercado europeu fazem com que a região da Transnístria esteja muito ligada à economia europeia através da Moldávia. Há vários exemplos sobre como os passos da Moldávia em direcção à UE também nos estão a ajudar a ligar a região da Transnístria e a Moldávia através da economia europeia.

“Há tropas russas na Transnístria, o que é um grande problema para nós, para a Ucrânia e para todos no continente europeu, mas estamos seriamente determinados a resolver o conflito na Transnístria e chegarmos a uma situação em que a Rússia retire as suas tropas ilegais da Moldávia de forma pacífica.”

É possível manter esta ambição europeia e, ao mesmo tempo, manter boas relações com Moscovo?
Bom, tal como já disse, estamos a testemunhar a maior guerra em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Uma guerra iniciada pela Rússia, sem qualquer motivo, completamente ilegal, com total desrespeito pelo Direito Internacional, pelas promessas russas à Ucrânia de respeito pela integridade territorial ucraniana. À luz deste total desrespeito pelo Direito Internacional, à luz de uma agressão imensa contra a Ucrânia, mas também à luz da política hostil da Rússia em relação à Moldávia nos últimos 30 anos ao apoiar o separatismo, ao manter ilegalmente tropas russas no território, ao embargar produtos moldavos como o vinho, alimentos, vegetais, à luz das hostilidades diplomáticas e de muitas, muitas outras medidas instituídas por Moscovo, não podemos falar de boas relações com Moscovo. Além de que a Rússia foi o único grande país a invadir outro desde a Segunda Guerra. Também há tropas russas na Transnístria, o que é um grande problema para nós, para a Ucrânia e para todos no continente europeu, mas estamos seriamente determinados a resolver o conflito na Transnístria e chegarmos a uma situação em que a Rússia retire as suas tropas ilegais da Moldávia de forma pacífica, através da diplomacia, do diálogo, da negociação. É por isso que eu digo que as nossas relações com Moscovo não são boas, porque a Rússia tem desrespeitado a Moldávia desde há mais de 30 anos. Tem tentado desestabilizar o país, o que não conseguiu, mas olhando para o futuro queremos chegar à situação em que a Rússia retire da região da Transnístria através de negociações pacíficas.

A Moldávia partilha laços profundos com a Roménia em termos de língua, cultura e história. Vê o sucesso da Roménia na adesão à Europa como um exemplo para a Moldávia, é essa a percepção dos moldavos?
Sim, absolutamente. A língua da Moldávia é o romeno e isso significa muito para a nossa identidade e para a nossa cultura. Nós partilhamos História, cultura e língua com a Roménia, na verdade estamos na mesma plataforma cultural, mas isso deveria acontecer dentro da União Europeia. Nós somos o único país candidato que já tem toda a legislação comunitária na sua própria língua, sem necessidade de tradução.

Mas este sucesso da Roménia é importante também…
Claro. Tal como Portugal se transformou, também a Roménia se transformou. Para nós a Roménia é aquela âncora histórico-cultural, mas é também o sucesso visível de melhores normas democráticas, melhor Governo, melhores infra-estruturas, salários, melhor qualidade de vida, tudo. Portanto, nós que vivemos na Moldávia vimos a transformação da Roménia e como a Europa ajudou. Claro que é algo que nós queremos replicar no nosso país, e temo-lo feito.

O que pensa do apoio português à Moldávia neste processo europeu?
Nós temos uma relação política fantástica com Portugal. Temos uma diáspora moldava muito forte em Portugal, que está muito bem integrada, que é respeitada e bem-vista. Nós sentimos o apoio português às nossas aspirações europeias e sentimos também a simpatia e a compreensão em Portugal pelo que estamos a tentar fazer na Moldávia a nível da consolidação da democracia e da modernização, para podermos fazer parte da família europeia de nações. Uma das principais componentes da minha visita é também impulsionar e fortalecer os laços económicos. Temos alguns bons exemplos de interacção económica, mas precisamos de muitos mais, portanto, vamos tentar impulsionar os investimentos comerciais. Já falei com alguns empresários portugueses e vamos ter uma grande delegação que virá à cimeira digital. Nós não temos unicórnios, mas somos bastante fortes em IT e digitalização. Portanto, serão essas a áreas de crescimento da nossa relação. Este outono é um momento muito importante para nós e estamos a trabalhar na premissa de que a Moldávia vai começar o processo de adesão à UE. Em Outubro a Comissão irá publicar um relatório sobre se a Moldávia pode começar as negociações de adesão e aí todos os Estados-membros terão de apoiar o início das conversações para a integração. A nossa esperança e o meu objectivo para esta visita é também assegurar que temos o apoio português, não apenas nos objectivos gerais, mas também nos específicos que dizem respeito aos investimentos comerciais. Nós não queremos atalhos na adesão à União Europeia, queremos fazer reformas sistémicas profundas e fazê-las conjuntamente com os nossos parceiros europeus e é disso que temos tratado na nossa relação com Portugal.

Para terminar, e voltando ao tema da guerra na vossa vizinha Ucrânia, qual tem sido o impacto no dia à dia dos moldavos?
Nós somos um pequeno país próximo da maior guerra em solo europeu e temos sido gravemente afectados. Tem havido disrupção económica, a situação de segurança deteriorou-se e tivemos uma enorme vaga de refugiados para um país com menos de três milhões de pessoas. No ano passado, quase um milhão de cidadãos e refugiados ucranianos passaram pela Moldávia. Neste momento, cerca de 3% da nossa população são refugiados vindos da Ucrânia. Tivemos também um impacto económico dramático com a guerra, o nosso PIB baixou 6% no ano passado e sofremos uma inflação de 32%. Devido ao bombardeamento russo das infra-estruturas de energia na Ucrânia, o nosso fornecimento de energia foi afectado e tivemos apagões. Os russos também reduziram drasticamente os fornecimentos de gás no ano passado. Portanto, a Moldávia foi gravemente atingida pela agressão russa à Ucrânia, mas ao mesmo tempo provámos que conseguimos encontrar soluções para estes problemas. Por exemplo, há um ano 100% do gás consumido na Moldávia vinha da Rússia, mas em Dezembro chegámos a uma situação em que todo o gás usado para aquecimento no país veio de outras fontes, usámos algum gás russo apenas para gerar electricidade. Assim, provámos também que apesar das ameaças, apesar do impacto sofrido, conseguimos manter o dinamismo das reformas e o processo de adesão à União Europeia tal como antes. Conseguimos construir a resiliência energética, através das ligações eléctricas à Roménia, descobrir fontes alternativas para o gás, etc. No que toca aos efeitos da guerra é esta a situação e sabemos que neste momento perigoso e trágico na História da Europa não estamos sós. Tivemos o apoio forte da UE e de todos os Estados-membros, dos Estados Unidos, do Japão, do Canadá e de muitos outros países que se mobilizaram para ajudar a Moldávia a enfrentar estes choques, e temo-lo feito com sucesso. Portanto, estamos optimistas em relação à capacidade da Moldávia para concretizar aqueles que definimos como sendo os nosso objectivos e aderir à União Europeia num futuro previsível.

leonidio.ferreira@dn.pt

DN
Leonídio Paulo Ferreira
18 Setembro 2023 — 00:10


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 4 dias ago

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“Quanto mais firmes caminhamos na via europeia mais Moscovo fica agressivo”

 

🇲🇩 MOLDÁVIA // 🇪🇺 EUROPA

A ministra do Interior da Moldávia, país situado entre a Roménia e a Ucrânia, diz que os moldavos estão conscientes de que cabe aos próprios fazerem reformas profundas para se aproximarem da União Europeia. Enquanto isso têm de enfrentar as ameaças híbridas da Rússia.

Em Lisboa, Ana Revenco encontrou-se com membros do governo e com deputados para falar de “desafios e prioridades comuns”.
© PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS

No final de Maio, a presidente Maia Sandu recebeu os chefes de estado e de governo da Europa alargada na segunda cimeira da comunidade política europeia. O que é que o seu país pode esperar de facto deste novo espaço comum?
O facto de líderes democráticos e do mundo livre terem decidido fazer este encontro junto à fronteira da Ucrânia, que ainda está sob agressão russa, é um sinal de que a Moldávia já é vista como um aliado de segurança, como um parceiro de confiança, e que a via europeia escolhida pelo país é reconhecida. É uma forte demonstração de que a Moldávia não está sozinha na sua luta pela democracia, pela independência e por um futuro próspero. Que a Moldávia tem uma família, e isso é apreciado pelos moldavos e pelo seu governo. De momento, a Moldávia está a beneficiar de um apoio alargado da UE e dos estados-membros em vários sectores. A expectativa é que a Moldávia seja vista mais ainda como um parceiro de confiança e como um futuro membro da UE e está a trabalhar com afinco em todas as condicionantes [de acesso].

Durante a cimeira, a presidente da Comissão Ursula von der Leyen elogiou o progresso das reformas no seu país para chegar às metas exigidas pela UE para iniciar as negociações de adesão. O que espera o governo da avaliação da Comissão em Outubro? Será possível iniciar as negociações ainda este ano, a par da Ucrânia?
Vamos ver. Primeiro é importante trabalharmos de forma árdua e consequente na aplicação de cada uma das recomendações estabelecidas pela Comissão Europeia, mas também nos 33 capítulos do acervo comunitário. Foram criados 35 grupos de trabalho em cada um dos ministérios e também ao nível governamental. Temos planificações em execução e as avaliações intermédias prestadas pela UE mostram claramente um progresso constante. Portanto, para nós o importante é manter o ritmo na aplicação das recomendações e em Outubro o relatório demonstrar que a Moldávia está a fazer esforços suficientemente fortes e coerentes para as negociações serem abertas. Já vimos no relatório intermédio que três das nove recomendações foram cumpridas. Noutros 30% foram feitos progressos robustos e nos outros está a trabalhar-se de forma contínua. A Moldávia recebeu também uma lista de recomendações extra, a chamada lista delta, centrada nas reformas da justiça e de uma agenda anti-corrupção. Estamos em constante contacto com os nossos parceiros europeus, dos quais recebemos apoio especializado em várias missões, da transferência do acervo comunitário à transmissão das melhores práticas e normas para o nosso quadro regulamentar. Voltando atrás, de facto é muito importante para a Moldávia apresentar em Outubro progressos suficientes para as negociações serem abertas, mas ao mesmo tempo nós sabemos de forma clara que é uma tarefa, um esforço e um trabalho nossos, o qual deve ser partilhado por todos os ministérios e agências e é nesse objectivo que o governo moldavo está focado.

Impulsionada pelo francês Emmanuel Macron, a comunidade política europeia reuniu-se há pouco mais de um mês na Moldávia. Mas o objectivo de Maia Sandu e de Volodymyr Zelensky é de levarem os seus países para a UE.
© LUDOVIC MARIN/AFP

Qual é o maior desafio nas reformas? A justiça?
Porque a Moldávia esteve capturada pelos oligarcas apoiados pela Rússia durante décadas, o grande combate é pôr o sistema judicial no caminho certo, a dar seguimento às investigações aos oligarcas e a levá-los à justiça, o que inclui a construção de um sistema robusto e resiliente para fazer face às vulnerabilidades da ameaça da corrupção. Estamos a reformar o Supremo Tribunal, a alinhar a lei sobre os procuradores de acordo com as recomendações da Comissão de Veneza [órgão do Conselho da Europa], enfim, uma lista de acções que estamos a aplicar gradualmente. A corrupção sistémica é outra grande questão para a qual o governo está focado, ao trabalhar em estreita colaboração com a Comissão de Veneza mas também com o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Lisboa, 29/06/2023 – Ana Revenco, ministra do Interior da Mold‡via. .(PAULO SPRANGER/ Global Imagens )
© PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS

A Moldávia sente nas capitais europeias apoio igual ou há países menos interessados no ingresso do seu país?
Compreendemos que somos nós, povo e autoridades, quem tem de construir a confiança ao trabalhar de forma árdua e ao provar que os valores democráticos que estão na base do desenvolvimento e bem-estar da UE são a mesma base para o nosso desenvolvimento. Não era propriamente o objectivo do anterior governo construir uma sociedade verdadeiramente democrática que valorizasse a justiça e os direitos humanos, mas antes com o apoio dos russos e de oligarcas roubaram milhares de milhões à população. A Moldávia não era vista como um parceiro de confiança e temos de mudar esta imagem. A integração europeia é a prioridade do país e não só do governo. As sondagens mostram que 60% dos moldavos são pró-europeus determinados. Estou confiante que iremos restabelecer a confiança, mas mais importante é que estas acções vão ajudar a tornar a Moldávia num país verdadeiramente europeu e a criar condições de vida melhores para a população.

“A neutralidade para nós significa defender a democracia e os valores democráticos, ao não permitir os grupos russos desestabilizarem o país.”

A Moldávia foi o país que recebeu mais refugiados ucranianos per capita. Como é que o país está a gerir esse fluxo de pessoas?
Foi de facto um desafio. Chegámos a ter de criar condições de vida decentes para mais de 120 mil refugiados, o que equivaleu a um aumento da população em quatro pontos percentuais. Imagine que em questão de semanas Portugal tinha uma nova cidade. Significa mais segurança, comida, saúde, educação, alojamento, assistência social, transporte… É um enorme desafio, para o qual activámos planos de contingência. Mas não estávamos sozinhos, trabalhámos com muitas organizações internacionais e com vários estados-membros. Conseguimos negociar de forma rápida um acordo com a Frontex [agência europeia de fronteiras] e os seus peritos foram para as nossas fronteiras partilhar o esforço de facilitar a entrada dos refugiados e de manter os padrões de segurança. Neste momento continuamos com dezenas de milhares de refugiados. Fazem parte das nossas comunidades, das nossas casas. A população desempenhou um papel muito importante ao responder à crise dos refugiados. Tivemos à volta de 20% da população a participar de forma voluntária, ao alojar pessoas, a oferecer transportes, serviços e por aí fora. Temos planos de resposta partilhados com agências da ONU, mas o mais importante é o apoio concedido pelos países da UE através de uma plataforma solidária criada para este fim.

Kaja Kallas, a primeira-ministra da Estónia, disse há dias que todas as zonas cinzentas na Europa são uma fonte de conflito e de guerra e que a única garantia de segurança é a NATO. A Moldávia é um país neutral. Até quando, na sua opinião?
A neutralidade está prescrita na nossa Constituição, mas ao mesmo tempo entendemos que a neutralidade não exclui a capacidade de nos defendermos. Temos prestado e vamos continuar a prestar ajuda humanitária aos ucranianos porque ao defender o seu país da agressão russa, a Ucrânia está a defender a Europa no seu conjunto. A neutralidade para nós significa proteger a democracia e os valores democráticos, ao não permitir os grupos russos desestabilizarem o país. Vamos manter este caminho enquanto os moldavos comungarem esta noção. Caso contrário, a mudança de estatuto terá de nascer de uma escolha verdadeira do povo.

Ou seja, através de um referendo?
Exacto.

É um assunto que está na ordem do dia?
Agora estamos concentrados na via europeia e na protecção da democracia, o que contribui para a segurança da região. Estamos cientes por que motivos a Rússia quer restaurar a sua influência na Moldávia: devido à localização geopolítica. A influência russa em Chisinau e a partir de Chisinau tem vindo a ser cultivada desde a independência [1991]. Significa que iria ganhar vantagens militares adicionais; teria acesso ao Mar Negro através do Danúbio, no porto de Giurgiulesti; continuaria a chantagear a Ucrânia e a UE, com as suas tropas na Transnístria, alimentaria e difundiria mais propaganda para aumentar a radicalização de vários grupos na Moldávia, traria a guerra híbrida e não convencional para a fronteira da UE e da NATO. Mas também o risco de abrir uma terceira frente de guerra na Ucrânia, na parte ocidental. Contas feitas, a Rússia iria ganhar uma crucial ponta-de-lança para fazer pressão na Ucrânia e na UE. Compreendemos perfeitamente por que a Rússia é tão agressiva na guerra híbrida. Ao mesmo tempo abrimos discussões sobre uma nova estratégia de segurança nacional. Tem de ser dito que ao longo de 30 anos Moscovo tem criado desinformação sobre o que é a NATO, assustando as pessoas. Ao mesmo tempo, a NATO tem componentes civis muito fortes e a Moldávia tem beneficiado deles há anos.

Como é ser ministra do Interior de um país que tem uma região separatista pró-russa (Transnístria) e de uma região autónoma com grande influência russa (Gaugázia)?
Cada país tem os seus desafios e a sua agenda é construída à sua volta. A Moldávia tem estas particularidades, mas o mais importante é a estabilidade, segurança e confiança da população nas autoridades e é nisso que estamos concentrados. A estratégia de desenvolvimento da Administração Interna funda-se em serviços acessíveis e melhores para a população e é a primeira vez que o Ministério tem tal estratégia. Em especial desde o início da guerra da Rússia na Ucrânia, o Ministério do Interior teve de cumprir vários objectivos: segurança na fronteira, segurança nas comunidades, apoio aos refugiados, e enfrentar os elementos de uma guerra híbrida, entre os quais alertas de bomba falsos, ciber-ataques, protestos pagos com o objectivo de tornar a capital refém, etc. e, claro, prosseguir o objectivo da integração europeia, o que significa modernizar e integrar o sistema nas bases de dados europeias. Isso já o fizemos, criámos um pólo de segurança europeia em Chisinau. E espero que este ano possa assinar o acordo da integração no Mecanismo de Protecção Civil da UE. Tudo isto aumenta a nossa resiliência face à guerra híbrida que a Rússia continua a impor-nos de forma bastante agressiva. Quanto mais firmes caminhamos na via europeia mais Moscovo fica agressivo.

Em Fevereiro, a presidente denunciou um plano russo de golpe de Estado. Dias depois a primeira-ministra Natalia Gavrilita demitiu-se. Houve alguma ligação entre estes eventos no sentido de evitar protestos?
São eventos separados. Com a invasão à Ucrânia, a guerra híbrida explodiu. Não começou aí, existe desde a nossa independência. A Rússia tem continuamente abusado do país e do povo. De cada vez que a Moldávia tenta afirmar-se e escolher o seu caminho, a Rússia tenta impedir-nos. Em 2006 embargou os nossos vinhos e em 2014 fez um embargo aos alimentos. Foi aí que a Moldávia assinou com a UE o acordo de associação. Quando o governo actual começou a trabalhar para combater a corrupção e com o objectivo da integração europeia, a reacção russa começou com a chantagem energética no outono de 2021, com o objectivo de gelar as pessoas no inverno, e depois com a invasão criou-nos desafios adicionais. A expectativa russa, no contexto da chantagem energética e de uma campanha de desinformação e de propaganda entre a população, era o caos de modo a que o país não conseguisse receber o fluxo de refugiados. Mas estivemos muito bem e em resposta a maquinaria de guerra híbrida passou a usar ferramentas mais agressivas. Tem havido crises múltiplas sobrepostas que fizeram pressão extra ao povo, às autoridades e ao sistema. Esgotou o orçamento, criou muita ansiedade entre a população e impediu as autoridades de se centrarem nos programas de desenvolvimento.

Oligarca desestabilizador

Condenado à revelia a 15 anos de prisão, em Abril, por fraude e lavagem de dinheiro no caso do desaparecimento de mil milhões de dólares de três bancos, em 2014, o oligarca Ilan Shor anunciou há dias a criação de um partido depois daquele que liderava, o pró-russo SOR, ter sido banido. Shor fugiu para Israel, país onde nasceu.

Questionada sobre se esta plataforma pode representar um perigo para a segurança do país, a ministra Ana Revenco reconhece que o principal risco é o da desestabilização por via da guerra híbrida. Em termos genéricos disse que as autoridades estão a “supervisionar muito de perto as acções de vários actores internos e externos” e que o país tem “consolidado as capacidades analíticas e de previsão estratégica”.

cesar.avo@dn.pt

D.N.
César Avó
03 Julho 2023 — 00:16



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published in: 3 meses ago