🇲🇩 MOLDÁVIA // 🇪🇺 UNIÃO EUROPEIA
Vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros e da Integração Europeia moldavo esteve em Lisboa para pedir a Portugal apoio no processo de adesão à UE. Nicu Popescu conversou com o DN sobre a evolução do país e o impacto da guerra na vizinha Ucrânia.

© Leonardo Negrão / Global Imagens
Tendo em vista as ambições de integração europeia da Moldávia, esta guerra na Ucrânia torna essas ambições mais possíveis de concretizar ou, de certo modo, torna-as mais difíceis? Como é que a guerra afeta as vossas perspectivas europeias?
É claro que a guerra é um acontecimento enormemente negativo, trágico e traumático para todo o continente, pois é a maior guerra desde a Segunda Guerra Mundial, com as maiores operações militares e com o maior número de vítimas em solo europeu desde 1945. É um acontecimento verdadeiramente dramático. Ao mesmo tempo, penso que se olharmos para a História da Europa e a sua integração vemos que a própria integração europeia apareceu como uma reacção contra a guerra, contra a animosidade franco-alemã e que foi criada como uma forma de ultrapassar os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Com os alargamentos subsequentes da União Europeia esta tornou-se uma ferramenta espantosa para consolidar países na modernização das suas democracias e penso que Portugal e Espanha são grandes exemplos disso. Portanto, até certo ponto, se olharmos para a História do continente europeu, a integração europeia veio como uma resposta à guerra e, consequentemente, ao autoritarismo e às ditaduras. Sabe melhor do que eu o que a União Europeia e a integração fez a Portugal e isso é uma inspiração para nós, na Moldávia, mas também sabemos que é um tempo diferente. Desde a Revolução dos Cravos, em 1974, até ao momento em que Portugal aderiu à UE só passaram 12 anos. Nós somos uma democracia desde 1991. Temos um registo sólido como país democrático, mas também queremos entrar na UE para consolidar a nossa democracia, tal como fizeram Portugal e Espanha.
A guerra nas vizinhanças dá-vos, de certa maneira, mais visibilidade entre os países europeus, deixa-vos mais próximos da desejada adesão?
A guerra obriga que toda a gente na Europa olhe para o alargamento de maneira diferente, não só para o que a Moldávia ou a Macedónia do Norte fazem em relação às pescas, às normas sobre os plásticos ou sobre os fertilizantes. A guerra obriga toda a gente, na Europa, a pensar como é que queremos que seja este continente, se queremos que seja pacífico. Se quisermos ajudar a consolidação democrática em países como a Moldávia, a Ucrânia, os Balcãs, então é preciso alargar a União Europeia. Neste sentido, não é que a guerra tenha tornado as coisas mais fáceis, pois a guerra complicou tudo, mas também obrigou toda a gente na Europa a um novo grau de responsabilidade na forma como se deve olhar para o alargamento. Esse alargamento deve ser sobre pescas, qualidade dos plásticos e qualidade do ar, mas é, em primeiro lugar, sobre democracia, sobre políticas, sobre segurança. Neste sentido sim, a guerra reformulou a discussão na Europa e, como parte dessa reformulação, nós tornámo-nos um país-candidato, que já era uma coisa que nós queríamos antes. Mas deixe-me dizer que, mesmo antes de a guerra começar, a Moldávia já merecia ser um país-candidato pelo que conseguiu fazer em 30 anos de democracia. É verdade que todos os ministros dos Negócios Estrangeiros elogiam os seus países, por isso vou dar alguns exemplos concretos e mostrar o que algumas respeitadas instituições internacionais dizem sobre o estado da democracia na Moldávia. Se virmos, no índice de democracia, somos o 56.º país do mundo no que respeita às normas democráticas; no índice de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras, estamos em 28.º lugar, saltámos mais de 60 posições nos últimos dois anos no capítulo da liberdade de imprensa; no índice da igualdade de género, somos 16.º país do mundo. Já fizemos muito na Moldávia para consolidar a democracia e ainda precisamos de fazer mais, mas merecemos ser um país-candidato, pois já provámos ao longo dos últimos 30 anos que somos um país da Europa Central que pode aderir à UE porque somos uma democracia. Claro que temos de a aperfeiçoar e termos normas melhores.
“Se virmos no índice de democracia somos o 56.º país do mundo no que respeita às normas democráticas; no índice de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras estamos em 28.º lugar; no índice da igualdade de género somos o 16.º país do mundo.”
Na discussão para a adesão de novos membros estão sempre presentes a qualidade da democracia, a luta contra a corrupção e a defesa do Estado de Direito. Há melhorias na Moldávia nestes capítulos?
Sim. Estamos a levar a cabo uma grande reforma da Justiça com as recomendações mais importantes da Comissão Europeia. Conseguimos alcançar grandes progressos no último ano e meio na luta anti-corrupção e fizemos muitas reformas, dezenas delas. Claro que há um grande caminho a percorrer, ainda temos muito trabalho a fazer para diminuir a corrupção. No índice internacional de transparência, a posição da Moldávia na percepção de corrupção no que toca a medidas anti-corrupção subiu 24 lugares. Como já disse, temos muito trabalho para fazer, mas já provámos que estamos a fazer progressos sérios e sistemáticos no sector da Justiça em relação à independência e anti-corrupção.
Como é o sentimento europeu na Moldávia em termos da opinião pública? A maioria dos partidos partilham essa ambição europeia?
Há uma maioria forte na opinião pública a favor da União Europeia e, mais importante, essa maioria existe há muito tempo. Quando as forças políticas tentam perder tempo em relação à integração europeia ou dizem que não querem a adesão, mas na verdade existe corrupção e roubo de dinheiro nos seus governos – e tivemos alguns desses na última década -, que querem aproximar o país da Rússia, os eleitores moldavos votam sempre a favor das forças europeias. Portanto, se falarmos de apoio à UE, é importante não olharmos apenas para o que está a acontecer hoje, mas percebermos que esta maioria tem estado presente há mais de 20 anos, com ligeiras variações e níveis de apoio. A sociedade moldava tem apoiado a democracia e a integração na União Europeia.
Como é que o separatismo da Transnístria tem afectado esta posição pró-europeia? Tem havido alguma espécie de diálogo?
Sim. Claro que termos esta região separatista no nosso país é um grande problema para nós. É um problema para a segurança da Moldávia, para a nossa economia e para a nossa tentativa de consolidação da estabilidade no nosso país e, particularmente, com a guerra na Ucrânia, claro. Ao mesmo tempo, nos últimos 30 anos, depois do acordo de 1992, a situação em redor da região da Transnístria tem estado estável em termos de segurança. Não temos tido tiroteios, não temos vítimas provocadas por tensões na segurança. Ambos os lados estão muito determinados em manter o diálogo aberto e a região pacífica e calma. Ambos os lados estão muito empenhados em negociar uma solução. Não foi fácil manter a estabilidade depois do brutal ataque da Rússia à Ucrânia que, claro, teve repercussões negativas na Transnístria, mas mantivemos o diálogo. Temos mandado ajuda para a região, vacinas quando estas foram necessárias devido à covid e temos tentado juntos manter a estabilidade e a calma. O nosso plano é aproveitarmos os anos que temos antes da adesão à UE para fazermos tudo o que for possível para integrarmos pacificamente o país com a região da Transnístria. Na verdade, este processo de integração já começou porque a Moldávia e a UE têm uma área alargada de comércio livre que está operacional desde 2014, há quase uma década portanto. Todas as empresas da Transnístria estão registadas como entidades legais moldavas e, assim, as exportações para o mercado europeu fazem com que a região da Transnístria esteja muito ligada à economia europeia através da Moldávia. Há vários exemplos sobre como os passos da Moldávia em direcção à UE também nos estão a ajudar a ligar a região da Transnístria e a Moldávia através da economia europeia.
“Há tropas russas na Transnístria, o que é um grande problema para nós, para a Ucrânia e para todos no continente europeu, mas estamos seriamente determinados a resolver o conflito na Transnístria e chegarmos a uma situação em que a Rússia retire as suas tropas ilegais da Moldávia de forma pacífica.”
É possível manter esta ambição europeia e, ao mesmo tempo, manter boas relações com Moscovo?
Bom, tal como já disse, estamos a testemunhar a maior guerra em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Uma guerra iniciada pela Rússia, sem qualquer motivo, completamente ilegal, com total desrespeito pelo Direito Internacional, pelas promessas russas à Ucrânia de respeito pela integridade territorial ucraniana. À luz deste total desrespeito pelo Direito Internacional, à luz de uma agressão imensa contra a Ucrânia, mas também à luz da política hostil da Rússia em relação à Moldávia nos últimos 30 anos ao apoiar o separatismo, ao manter ilegalmente tropas russas no território, ao embargar produtos moldavos como o vinho, alimentos, vegetais, à luz das hostilidades diplomáticas e de muitas, muitas outras medidas instituídas por Moscovo, não podemos falar de boas relações com Moscovo. Além de que a Rússia foi o único grande país a invadir outro desde a Segunda Guerra. Também há tropas russas na Transnístria, o que é um grande problema para nós, para a Ucrânia e para todos no continente europeu, mas estamos seriamente determinados a resolver o conflito na Transnístria e chegarmos a uma situação em que a Rússia retire as suas tropas ilegais da Moldávia de forma pacífica, através da diplomacia, do diálogo, da negociação. É por isso que eu digo que as nossas relações com Moscovo não são boas, porque a Rússia tem desrespeitado a Moldávia desde há mais de 30 anos. Tem tentado desestabilizar o país, o que não conseguiu, mas olhando para o futuro queremos chegar à situação em que a Rússia retire da região da Transnístria através de negociações pacíficas.
A Moldávia partilha laços profundos com a Roménia em termos de língua, cultura e história. Vê o sucesso da Roménia na adesão à Europa como um exemplo para a Moldávia, é essa a percepção dos moldavos?
Sim, absolutamente. A língua da Moldávia é o romeno e isso significa muito para a nossa identidade e para a nossa cultura. Nós partilhamos História, cultura e língua com a Roménia, na verdade estamos na mesma plataforma cultural, mas isso deveria acontecer dentro da União Europeia. Nós somos o único país candidato que já tem toda a legislação comunitária na sua própria língua, sem necessidade de tradução.
Mas este sucesso da Roménia é importante também…
Claro. Tal como Portugal se transformou, também a Roménia se transformou. Para nós a Roménia é aquela âncora histórico-cultural, mas é também o sucesso visível de melhores normas democráticas, melhor Governo, melhores infra-estruturas, salários, melhor qualidade de vida, tudo. Portanto, nós que vivemos na Moldávia vimos a transformação da Roménia e como a Europa ajudou. Claro que é algo que nós queremos replicar no nosso país, e temo-lo feito.
O que pensa do apoio português à Moldávia neste processo europeu?
Nós temos uma relação política fantástica com Portugal. Temos uma diáspora moldava muito forte em Portugal, que está muito bem integrada, que é respeitada e bem-vista. Nós sentimos o apoio português às nossas aspirações europeias e sentimos também a simpatia e a compreensão em Portugal pelo que estamos a tentar fazer na Moldávia a nível da consolidação da democracia e da modernização, para podermos fazer parte da família europeia de nações. Uma das principais componentes da minha visita é também impulsionar e fortalecer os laços económicos. Temos alguns bons exemplos de interacção económica, mas precisamos de muitos mais, portanto, vamos tentar impulsionar os investimentos comerciais. Já falei com alguns empresários portugueses e vamos ter uma grande delegação que virá à cimeira digital. Nós não temos unicórnios, mas somos bastante fortes em IT e digitalização. Portanto, serão essas a áreas de crescimento da nossa relação. Este outono é um momento muito importante para nós e estamos a trabalhar na premissa de que a Moldávia vai começar o processo de adesão à UE. Em Outubro a Comissão irá publicar um relatório sobre se a Moldávia pode começar as negociações de adesão e aí todos os Estados-membros terão de apoiar o início das conversações para a integração. A nossa esperança e o meu objectivo para esta visita é também assegurar que temos o apoio português, não apenas nos objectivos gerais, mas também nos específicos que dizem respeito aos investimentos comerciais. Nós não queremos atalhos na adesão à União Europeia, queremos fazer reformas sistémicas profundas e fazê-las conjuntamente com os nossos parceiros europeus e é disso que temos tratado na nossa relação com Portugal.
Para terminar, e voltando ao tema da guerra na vossa vizinha Ucrânia, qual tem sido o impacto no dia à dia dos moldavos?
Nós somos um pequeno país próximo da maior guerra em solo europeu e temos sido gravemente afectados. Tem havido disrupção económica, a situação de segurança deteriorou-se e tivemos uma enorme vaga de refugiados para um país com menos de três milhões de pessoas. No ano passado, quase um milhão de cidadãos e refugiados ucranianos passaram pela Moldávia. Neste momento, cerca de 3% da nossa população são refugiados vindos da Ucrânia. Tivemos também um impacto económico dramático com a guerra, o nosso PIB baixou 6% no ano passado e sofremos uma inflação de 32%. Devido ao bombardeamento russo das infra-estruturas de energia na Ucrânia, o nosso fornecimento de energia foi afectado e tivemos apagões. Os russos também reduziram drasticamente os fornecimentos de gás no ano passado. Portanto, a Moldávia foi gravemente atingida pela agressão russa à Ucrânia, mas ao mesmo tempo provámos que conseguimos encontrar soluções para estes problemas. Por exemplo, há um ano 100% do gás consumido na Moldávia vinha da Rússia, mas em Dezembro chegámos a uma situação em que todo o gás usado para aquecimento no país veio de outras fontes, usámos algum gás russo apenas para gerar electricidade. Assim, provámos também que apesar das ameaças, apesar do impacto sofrido, conseguimos manter o dinamismo das reformas e o processo de adesão à União Europeia tal como antes. Conseguimos construir a resiliência energética, através das ligações eléctricas à Roménia, descobrir fontes alternativas para o gás, etc. No que toca aos efeitos da guerra é esta a situação e sabemos que neste momento perigoso e trágico na História da Europa não estamos sós. Tivemos o apoio forte da UE e de todos os Estados-membros, dos Estados Unidos, do Japão, do Canadá e de muitos outros países que se mobilizaram para ajudar a Moldávia a enfrentar estes choques, e temo-lo feito com sucesso. Portanto, estamos optimistas em relação à capacidade da Moldávia para concretizar aqueles que definimos como sendo os nosso objectivos e aderir à União Europeia num futuro previsível.
DN
Leonídio Paulo Ferreira
18 Setembro 2023 — 00:10
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 1 semana ago