243: Zurrar e fazer de bobo nas televisões abre as portas do poder: o exemplo Milei 🐎

 

“… Voltando a Milei, ficou provado que zurrar é um trunfo político.

🐎 Zurrar! Palavra adequada ao blá, blá, blá dos políticos! E quanto mais zurram, mais alienados ficam os que os ouvem zurrar.

🇵🇹 OPINIÃO

A dias de somar mais um número à minha velhice, queria lembrar, como António Guterres o fez em relação ao Hamas, que o meu nascimento não aconteceu num vácuo. Aliás, tudo tem um contexto.

No meu caso, o presépio ocorreu numa casinha pobre, de uma rua modesta de Évora, na altura uma urbe parada dentro das suas muralhas e perdida nas quintas à volta, no meio de um Alentejo que se sustentava a pão com azeitonas e pouco mais.

A paisagem social de Évora era mais ou menos uma reprodução da que existia na região: composta por umas dúzias de famílias ricas, que viviam num arquipélago de ilhas abastadas e inacessíveis, rodeadas por um mar de gente que procurava sobreviver, muitas vezes com ajuda dos suplementos alimentares doados pelos EUA, e que eram controlados pelos padres de cada paróquia. Esta gente, em que a minha família alargada se inseria, olhava para a política como coisa de ricos e de doutores.

Ou de um ou outro excêntrico – as arcadas da cidade produziam um certo número de fulanos esdrúxulos, que passavam o dia num vaivém debaixo dos arcos, uns com manuscritos debaixo dos braços que, diziam-nos, se fossem publicados, lhes garantiriam um Nobel da literatura, outros, a murmurar umas coisas contra a ditadura que imperava na época.

Cresci e fiz-me adulto nesse ambiente de exclusão social.

Passadas mais de quatro décadas a andar pelo mundo, voltei ao país e noto que a minha análise da política actual coincide, em muitos pontos, com a que já então fazia naqueles dias. Tempos que deveriam pertencer a uma era longínqua, mas que continuam, afinal, bem presentes no nosso quotidiano.

O poder político ainda reside em ilhas alcantiladas, que exigem um livre-trânsito só acessível aos fiéis do chefe e na base das relações de casta, no nome de família, na subserviência ou ainda na devoção ideológica incondicional.

A política subsiste como uma actividade à parte, coisa de gente fina e, tantas vezes, incompetente e supremamente arrogante, mas com poder. Agora uma fotocópia a cores do passado a preto e branco.

As únicas dimensões que mudaram são facilmente identificáveis. Por exemplo, é de bom tom enveredar-se por um alinhamento partidário radical, quando se descende da burguesia urbana de raízes provinciais ou dos altos funcionários do antigamente.

Outro exemplo: outrora, tocava-se na política, com um entusiasmo moderado ou para não parecer mal, por se pertencer às classes sociais com posses; agora, envereda-se pela política para se obter posses e mais posses. E ainda um terceiro exemplo: hoje, a manipulação das opiniões é mais subtil, graças às televisões e às plataformas digitais.

Alimenta-se, assim, a ilusão de que há espaço para os diversos pontos de vista e que a democracia é coisa de todos, não apenas propriedade dos caciques dos partidos e dos afilhados das cadeias televisivas.

E o pão e as azeitonas foram substituídos pela comida de aviário.

Lembrei-me de tudo isto por 2024 ser um ano de eleições. E não apenas em Portugal, claro. Cerca de metade da população do universo será chamada às urnas no ano que vem. Muito do que aqui escrevo fará pensar no nosso caso. Mas não se trata de Portugal apenas.

Acontece na Holanda, com eleições esta semana e a ultra-direita a duplicar o seu peso, na Alemanha, Bélgica ou em França, e assim sucessivamente. Mas talvez ocorra de modo mais marcado em países com menos oportunidades económicas fora do sector público, como vemos cá por casa.

Os compadrios de outrora jogam-se hoje com outras tácticas e em diferentes tabuleiros, mas com os mesmos resultados. A renovação das elites políticas é uma ilusão que se vende nos ecrãs e nos comícios de parolos.

E a eleição do novo presidente da Argentina, Javier Milei, trouxe-me à memória as figurinhas insólitas que na minha juventude vagueavam pelos lugares públicos de Évora.

A única diferença é que naquele tempo as palhaçadas não iam muito além do centro da urbe, da Praça do Geraldo, enquanto agora as televisões apostam na amplificação das tontarias. Levaram Milei ao colo até à Casa Rosada.

E isso não pode deixar de nos preocupar. Como já nos havia preocupado no caso de Donald Trump – e a farsa deste néscio está de novo em marcha.

Voltando a Milei, ficou provado que zurrar é um trunfo político. Temos aí um triste exemplo do impacto nefasto que os maus editores-gerais das redes de televisão podem ter: levar um louco, um brutamontes ou um desmiolado à chefia de um país.

Hoje, aconteceu na Argentina, amanhã poderá ser nos EUA, ali ou acolá, ou em Portugal.

A rádio, uma novidade na altura, permitiu a chegada de Adolfo Hitler ao poder e a propagação das suas ideias criminosas. Agora, o digital, a inteligência artificial e a televisão abrem a via a uma outra geração de alienados igualmente perigosos. Vamos ficar tranquilos e deixar que isso aconteça?

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

DN
Victor Ângelo
24 Novembro 2023 — 00:26

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164: Não cabe à ONU colar os cacos nem administrar Gaza

 

“… O direito de veto é aliás a principal mancha no prestígio das Nações Unidas. ” “… É caso para perguntar quanto pesa a autoridade moral, perante a vontade de um país que pode exercer o veto sempre que lhe convenha?”

Simples! Dissolve-se a ONU (Organização das Nações Unidas) que de Unidas não têm nada e cria-se a OND (Organização das Nações Democráticas), onde não terão cabimento países com regimes terroristas, repressivos, ditatoriais, anti-democráticos!

🇵🇹 OPINIÃO

No início da semana, voltei à terra natal, a convite da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora. Pediram-me que abordasse o papel da ONU perante os desafios actuais da paz e do desenvolvimento sustentável, com base na experiência que acumulei ao longo de décadas. Um tema labiríntico, tendo presente o caos em que várias partes do mundo, incluindo a Europa, se encontram.

Mais ainda, porque o sistema multilateral tem enfrentado, desde o início do século, uma série de reveses que têm minado a credibilidade do pilar mais significativo da ONU: a defesa da paz e da segurança internacional.

Tudo começou em 2003, na cimeira dos Açores, em que Durão Barroso acolheu George Bush, Tony Blair e José Maria Aznar, e estes decidiram dar cobertura à invasão do Iraque, à revelia do Conselho de Segurança.

Depois, em 2011, Nicolas Sarkozy e David Cameron resolveram ignorar os limites aprovados no respeitante à crise na Líbia, e foram bem mais além, até conseguirem derrubar Muammar Gaddafi. Abriram, assim, as portas à enorme insegurança que existe presentemente no Sahel e às incontáveis desgraças no Mediterrâneo.

Na mesma altura, começou a guerra civil na Síria, que dura há 12 anos e que cada vez que o problema é trazido às Nações Unidas, é chumbado por Vladimir Putin, o aliado do criminoso Bashar Al-Assad. Até agora, a Rússia utilizou o seu direito de veto mais de uma dúzia de vezes, em defesa do ditador sírio.

O direito de veto é aliás a principal mancha no prestígio das Nações Unidas. No caso do conflito israelo-palestiniano e da situação no Médio Oriente, os EUA puxaram pela arma do veto dezenas de vezes, para bloquear decisões que Israel considerava contrárias aos seus interesses.

A Rússia tem igualmente usado e abusado desse direito, desde a invasão da Crimeia e do Donbass em 2014, e da nova agressão contra a Ucrânia, que recomeçou em 2022.

A 2 de Novembro, a Assembleia Geral votou uma nova resolução sobre o embargo norte-americano contra Cuba: a Resolução A/78/L.5. No total, 187 países votaram a favor do fim do embargo.

Apenas os EUA e Israel se manifestaram contra. Apesar desta expressão inequívoca da comunidade internacional, o bloqueio continua e as Nações Unidas saíram uma vez mais pela porta baixa.

É caso para perguntar quanto pesa a autoridade moral, perante a vontade de um país que pode exercer o veto sempre que lhe convenha? A minha resposta é mais positiva que aquilo que se possa pensar.

É verdade que não é suficiente para resolver os problemas, mas com o tempo a condenação moral enfraquece e isola quem usa e abusa de uma regra que clama por uma revisão profunda da sua prática. É isso que é preciso dizer repetidamente.

Como também é necessário reiterar que a composição do Conselho de Segurança tem de ser alterada, de modo a reflectir as relações geopolíticas de hoje. Ao mesmo tempo, deve haver coragem para dizer que as missões de paz das Nações Unidas precisam de um mandato mais robusto e de um apoio mais firme do Conselho de Segurança.

O que está a acontecer no Mali, com os golpistas militares a expulsar a missão da ONU – cerca de 15 mil elementos -, para mais num período inaceitavelmente curto de seis meses, ou a maneira como são tratadas as missões no Congo-Kinshasa ou no Sudão, tudo isso prejudica gravemente a imagem da ONU.

É um erro ficar calado perante decisões aberrantes de Estados que não querem aceitar os princípios fundamentais das missões de paz. O silêncio não significa diplomacia, revela timidez e oportunismo barato.

Durante o debate em Évora não houve oportunidade para discutir que papel político poderão desempenhar as Nações Unidas na Faixa de Gaza, uma vez terminada a controversa operação israelita.

António Guterres, numa entrevista há dias à CNN Internacional, foi pouco claro, quando questionado sobre o assunto. Mas o problema está em cima da mesa. Tenho participado em vários debates internacionais sobre quem deveria administrar Gaza, quando e se se retirarem os militares israelitas.

Esta é uma preocupação que faz parte das reflexões em várias capitais. A minha posição tem sido transparente: a responsabilidade política da administração transitória de Gaza não deve ser atribuída à ONU. Neste momento, a ONU não tem força suficiente para uma tarefa desse tipo.

Se tal acontecesse, a ONU ficaria subordinada aos interesses de Washington e Tel Aviv, que consideram Gaza como um território que precisa de ser mantido sob controlo, debaixo da bota militar israelita. E isso seria mais um golpe profundo no prestígio das Nações Unidas.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

DN
Victor Ângelo
17 Novembro 2023 — 00:28


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 2 semanas ago

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87: A legítima defesa tem regras, não vale tudo!

 

– “… Infelizmente, o agressor é um membro permanente do Conselho e, nessa qualidade, tem utilizado repetidamente o seu direito de veto“.

E do que estão à espera para expulsarem esse Estado terrorista da ONU e do Conselho de Segurança? Falta de 🍅🍅?

🇵🇹 OPINIÃO

A Ucrânia tem estado, desde 24 de Fevereiro de 2022, a exercer o direito inalienável à sua legítima defesa, no quadro do Artigo 51 da Carta das Nações Unidas.

E cumpriu, desde o início, a obrigação estipulada pelo mesmo artigo, ao comunicar ao Conselho de Segurança a agressão de que estava a ser vítima e ao solicitar uma decisão do Conselho que restabelecesse a paz.

Infelizmente, o agressor é um membro permanente do Conselho e, nessa qualidade, tem utilizado repetidamente o seu direito de veto. E a guerra continua, com um lado a violar a lei internacional e o outro a defender-se com toda a legitimidade, política e militar.

O exercício do veto é o maior obstáculo ao bom funcionamento da ONU no campo da paz e da segurança internacional. Impede a resolução de conflitos que ponham em causa os interesses domésticos ou geopolíticos de qualquer um dos cinco membros permanentes. Reduz de modo quase absoluto a eficácia da intervenção do Secretário-Geral.

E tem um impacto profundamente negativo sobre a imagem política da organização, sobretudo nas mentes dos que não conhecem as múltiplas actividades da ONU, para além do trabalho nas áreas da paz e da segurança.

No caso de Israel e da Palestina, a complexidade é bastante mais séria. Esse conflito tem ramificações bem mais vastas que o ucraniano, embora a evolução da situação na Ucrânia seja especialmente importante para nós, os europeus. As dimensões raciais, civilizacionais e religiosas tornam a disputa israelo-palestiniana mais universal.

Na protecção dos interesses israelitas, os EUA exercem sistematicamente o seu direito de veto. O Kremlin bloqueia a legitimidade ucraniana e os americanos fazem parecido, no que respeita aos direitos dos palestinianos. Se a Rússia e os EUA cooperassem objectivamente ao nível do Conselho de Segurança teríamos hoje um mundo mais tranquilo e a previsão de um futuro mais estável. Infelizmente, vivemos uma realidade oposta.

Tomemos como exemplo a referência à criação de dois Estados vizinhos, viáveis e pacíficos, uma hipótese que voltou à tona da conversa política em Washington. Os líderes americanos sabem que Benjamin Netanyahu e os seus aliados políticos não aceitam de modo algum essa solução.

Por isso, quando agora falam dessa via, que é aliás a única maneira de chegar à paz, Joe Biden e os seus, bem como muitos outros, democratas ou republicanos, fazem-no sem convicção. Caso contrário, levariam o assunto ao Conselho de Segurança, para decisão.

Em ambos os casos — Ucrânia e Médio Oriente — a comunidade internacional, ou seja, a maioria dos países, não têm voto decisivo na matéria. O mesmo acontece com a estrutura da ONU. Todavia, isso não deve impedir o Secretário-Geral e os responsáveis pelas agências especializadas de partilhar com todo o mundo as suas preocupações.

Em matéria política, quando não se pode exercer um outro poder, resta a autoridade moral, a voz clara que defende os princípios e reafirma a dignidade de cada pessoa.

A questão da legítima defesa de cada Estado é um dos princípios que está no centro do debate actual. Todavia, é fundamental que o uso da força se destine a rechaçar um ataque armado ilegal, actual, injustificado e causador de vítimas ou para evitar uma ameaça iminente contra a vida dos cidadãos, ou as suas forças armadas e de polícia, ou ainda dirigida contra uma dimensão da soberania nacional. Mas, a resposta tem a obrigação de ser proporcional e um ato de defesa, nunca extravasando para a vingança ou a punição colectiva.

Quando se entra em acções de represálias, na destruição sistemática de infraestruturas necessárias à preservação do essencial da vida humana e nos mais diversos ataques e violências às cegas contra as populações civis, sai-se da legítima defesa e ultrapassa-se uma linha vermelha que nenhum Estado democrático deve ignorar. Por outro lado, o uso da força armada para efeitos de legítima defesa preventiva é discutível.

Existe o conceito de prevenção em matéria de defesa, que se constrói à volta da diplomacia, da dissuasão militar, da identificação dos riscos e vulnerabilidades, do bom funcionamento dos sistemas de recolha e análise de informações, da protecção extra das vulnerabilidades e da cooperação entre os diferentes serviços de segurança interna e externa.

No entanto, a prevenção não permite que se mate o inimigo por este ser um risco potencial, alguém que poderá, ou não, atentar contra a nossa sobrevivência ou tranquilidade. Caso contrário, estar-se-á a caminhar em terreno minado.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

DN
Victor Ângelo
10 Novembro 2023 — 00:48


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 3 semanas ago

 

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26: A União Europeia anda com o compasso geopolítico desnorteado

 

🇵🇹 OPINIÃO

A União Europeia apanha com alguns estilhaços do confronto israelo-palestiniano. A sua política externa comum deixou, nesta crise, de ser comum. Desintegrou-se em três fracções, como se viu na recente votação na Assembleia Geral da ONU.

Mais marcante ainda, a presidente da Comissão Europeia e alguns líderes nacionais decidiram alinhar-se sem reservas com a política do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Vão mesmo mais longe que Joe Biden que, embora sustenha a liderança israelita, não se priva de recomendar, repetidamente, prudência e proporcionalidade na resposta aos actos terroristas de 7 de Outubro.

Ursula von der Leyen e os que seguiram as suas pisadas, como o chanceler alemão, a primeira-ministra italiana ou a presidente do Parlamento Europeu, ao abraçar Netanyahu devem ter-se esquecido de dois factos, pelo menos.

Primeiro, que existem na Europa importantes segmentos populacionais que se consideram próximos da causa palestiniana. Nomeadamente, mas não só, por partilharem uma visão metafísica comum e por se sentirem relativamente discriminados nas sociedades em que vivem.

A segregação e o rancor identitário constituem duas ameaças muito sérias à estabilidade social em países como a Alemanha, a Bélgica, a Dinamarca, a França, a Itália, os Países Baixos ou a Suécia, para mencionar apenas os exemplos mais evidentes.

Segundo, que uma Europa geopolítica, a ambição expressa por von der Leyen desde o início do seu mandato, exige que se projecte uma imagem de equilíbrio e ponderação. Sobretudo quando está em causa uma problemática bastante complexa.

O apoio incondicional a uma das partes exclui a Europa de qualquer futuro processo de mediação. Mais, abre espaço político para que a Rússia e a China ganhem influência nos Estados árabes, no mundo islâmico e no Sul Global.

Nesta mesma ordem de ideias, a sugestão feita por Emmanuel Macron de juntar forças europeias a uma coligação de combate aos terroristas em Gaza e arredores é um erro político ou apenas conversa fiada.

A única opção inteligente é clara: a política externa da UE no Médio Oriente deve promover a paz, os direitos humanos, a redução do sofrimento humano e fazer campanha contra os grupos extremistas e as associações terroristas. Se assim procedermos, estaremos a agir com coerência, dentro do nosso quadro de valores.

E seremos realistas, tendo em conta os limites das nossas capacidades de intervenção. Não cabe à Europa intrometer-se militarmente na região ou tomar partido para além da defesa dos princípios universais, a começar pelo valor da vida.

Nesse sentido, a grande questão que os líderes europeus devem considerar é como contribuir para que haja paz entre Israel e um Estado que seja a pátria dos palestinianos. Actuar assim seria a melhor prova de estarmos na verdade a construir uma Europa geopolítica.

É vital não esquecermos que a prioridade mais imediata e com maior impacto sobre o nosso futuro, enquanto europeus, se encontra na Ucrânia. Não podemos deixar a Ucrânia ficar diminuída e esfrangalhada às mãos da agressão russa.

Uma vitória do inimigo, por muito limitada que fosse, seria sempre uma derrota também para a Europa e uma ameaça a prazo para a segurança e a preservação da UE.

Assim, é fundamental trazer a questão ucraniana de volta para o centro das nossas preocupações estratégicas. E deixar de acreditar ingenuamente que, se estivermos em perigo, os EUA virão no segundo imediato juntar-se a nós, para nos libertar das garras do urso mau.

Os EUA têm muitos fogos a que acorrer, para além de estarem em risco de uma enorme crise política interna, agravada, nomeadamente, por uma pressão migratória sem precedentes vinda da América Central e de outras paragens.

Na frente externa, se os EUA tiverem de escolher entre Israel e a Europa, a preferência é evidente. Sobretudo, se a isso se juntar um embate violento com o Irão.

Se se tratar de uma confrontação que envolva a China, a opção americana é igualmente clara. E se se adicionar a isso alguma acção mais tresloucada de Kim Jong Un, a Europa sairá do radar de Washington.

Não propugno uma visão pessimista ou derrotista da segurança europeia. Nem este texto constitui um apanhado completo, pois não toco, para já, nem na situação nos Balcãs nem nas repercussões potencialmente negativas das migrações em massa sobre a política e as sociedades europeias.

O que aqui escrevo, neste momento de grandes tensões e de infindáveis conflitos armados, destina-se apenas a lembrar que os europeus têm os seus próprios desafios.

As nossas energias devem centrar-se na prevenção e nas respostas a esses desafios. E não entrar nas guerras dos outros fora da Europa, a não ser que seja para construir a paz ou fornecer ajuda humanitária.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

DN
Victor Ângelo
03 Novembro 2023 — 00:31


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 4 semanas ago

 

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