308: Uma visão radicalmente nova das galáxias anãs que rodeiam a Via Láctea

 

CIÊNCIA // ASTRONOMIA // UNIVERSO // VIA LÁCTEA

Embora se pense que são, há muito tempo, satélites da nossa Galáxia, um novo estudo revela agora indícios de que a maioria dessas galáxias anãs pode, de facto, ser destruída pouco depois da sua entrada no halo Galáctico. Graças ao mais recente catálogo do satélite Gaia da ESA, uma equipa internacional demonstrou agora que as galáxias anãs podem estar fora de equilíbrio.

O estudo levanta questões importantes sobre o modelo cosmológico padrão, nomeadamente sobre a prevalência da matéria escura no nosso ambiente mais próximo. Há muito que se supõe que as galáxias anãs em torno da Via Láctea são satélites antigos que orbitam a nossa Galáxia há cerca de 10 mil milhões de anos.

Isto obriga-as a conter enormes quantidades de matéria escura para as proteger dos enormes efeitos de maré da atracção gravitacional da nossa Galáxia.

Partiu-se do princípio que a matéria escura causava as grandes diferenças observadas nas velocidades das estrelas dentro destas galáxias anãs.

As galáxias anãs em torno da Via Láctea.
Crédito: ESA/Gaia/DPAC

Os últimos dados Gaia revelaram agora uma visão completamente diferente das propriedades das galáxias anãs. Astrónomos do Observatório de Paris, do CNRS (Centre national de la recherche scientifique) e do Instituto Leibniz de Astrofísica de Potsdam conseguiram datar a história da Via Láctea, graças à relação que liga a energia orbital de um objecto à sua época de entrada no halo, o momento em que foram capturados pela primeira vez pelo campo gravitacional da Via Láctea: os objectos que chegaram mais cedo, quando a Via Láctea era menos massiva, têm energias orbitais mais baixas do que os que chegaram mais recentemente.

As energias orbitais da maioria das galáxias anãs são, surpreendentemente, substancialmente maiores do que a da galáxia anã Sagitário que entrou no halo há 5 a 6 mil milhões de anos. Isto implica que a maioria das galáxias anãs chegou muito mais recentemente, há menos de três mil milhões de anos.

Uma chegada tão recente implica que as anãs próximas vêm de fora do halo, onde se observa que quase todas as galáxias anãs contêm enormes reservatórios de gás neutro.

As galáxias ricas em gás perderam o seu gás quando colidiram com o gás quente do halo Galáctico. A violência dos choques e da turbulência neste processo alterou completamente as galáxias anãs.

Enquanto as galáxias anãs anteriormente ricas em gás eram dominadas pela rotação do gás e das estrelas, quando se transformam em sistemas sem gás a sua gravidade passa a ser equilibrada pelos movimentos aleatórios das estrelas que restam.

As galáxias anãs perdem o seu gás num processo tão violento que as coloca fora de equilíbrio, o que significa que a velocidade a que as suas estrelas se movem já não está em equilíbrio com a sua aceleração gravitacional.

Os efeitos combinados da perda de gás e dos choques gravitacionais devido ao mergulho na Galáxia explicam bem a grande dispersão de velocidades das estrelas no interior da galáxia anã remanescente.

Uma das curiosidades deste estudo é o papel da matéria escura. Em primeiro lugar, a ausência de um equilíbrio impede qualquer estimativa da massa dinâmica das galáxias anãs da Via Láctea e do seu conteúdo de matéria escura.

Em segundo lugar, enquanto no cenário anterior a matéria escura protegia a suposta estabilidade das galáxias anãs, o invocar da matéria escura torna-se bastante estranho para objectos fora de equilíbrio.

De facto, se a anã já contivesse muita matéria escura, esta teria estabilizado o seu disco inicial de estrelas em rotação, impedindo a transformação da anã numa galáxia com movimentos estelares aleatórios, como observado.

A descrição da recente chegada de galáxias anãs e das suas transformações no halo explica bem muitas das propriedades observadas destes objectos, em particular a razão pela qual têm estrelas a grandes distâncias do seu centro.

As suas propriedades parecem compatíveis com a ausência de matéria escura, contrariamente à ideia anterior de que as galáxias anãs são os objectos mais dominados pela matéria escura.

Surgem agora muitas questões, tais como: onde estão as muitas galáxias anãs dominadas por matéria escura que o modo cosmológico padrão espera em torno da Via Láctea?

Como podemos inferir o conteúdo de matéria escura de uma galáxia anã se não se pode assumir o equilíbrio? Que outras observações poderiam distinguir entre as galáxias anãs fora de equilíbrio propostas e o quadro clássico com anãs dominadas por matéria escura?

// Instituto Leibniz de Astrofísica de Potsdam (comunicado de imprensa)
// Observatório de Paris (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society)
// Artigo científico (arXiv.org)

CCVALG
28 de Novembro de 2023


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published in: 2 dias ago

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188: O coração da nossa galáxia bate misteriosamente

 

CIÊNCIA // VIA LÁCTEA // UNIVERSO

Os astrónomos descobriram que o coração da Via Láctea bate misteriosamente e desencadearam uma investigação para perceberem porquê.

Judy Schmidt / ESA / Hubble & NASA

Comparativamente a algumas galáxias, o buraco negro super-massivo no centro da Via Láctea não é particularmente activo. Não está a consumir grandes quantidades de material, nem está a disparar jactos gigantes de plasma para o espaço.

Segundo o Science Alert, mesmo um buraco negro super-massivo, relativamente pacífico, pode ser “selvagem” e “feroz”.

O nosso — chamado Sagitário A* — tem sido registado a fazer coisas bastante estranhas e, mais do que isso… os astrofísicos Gustavo Magallanes-Guijón e Sergio Mendoza, da Universidade Nacional Autónoma do México, registaram algo como: pulsos.

A cada 76 minutos, como um relógio, o fluxo de raios gama do Sagitário A* flutua. Segundo os investigadores, isto é semelhante, em periodicidade, às mudanças na emissão de rádio e raios X do buraco negro também.

Ora, isto sugere um movimento orbital de algo a girar descontroladamente à volta do buraco negro.

Os buracos negros em si não emitem radiação que possa ser detectada. São sombras mais escuras que o escuro, invisíveis aos telescópios com os quais se vê a luz que percorre o Universo.

Mas, o espaço à volta deles é uma questão diferente. No regime gravitacional extremo, fora do horizonte de eventos de um buraco negro, muita coisa pode acontecer.

Da região do Sagitário A*, a luz é emitida numa multiplicidade de comprimentos de onda e a intensidade dessa luz varia significativamente ao longo do tempo. E, em pelo menos alguns comprimentos de onda, os astrónomos observaram um padrão.

Segundo um artigo publicado em 2022, as ondas rádio flutuam numa escala de tempo de cerca de 70 minutos.

Por sua vez, um artigo publicado em 2017 mostrou a periodicidade de 149 minutos subjacente às explosões de raios X do buraco negro. Isto é cerca do dobro da periodicidade do rádio e, agora, das flutuações de raios gama.

Foi apenas em 2021 que a radiação gama foi vinculada ao Sagitário A* com alguma confiança.

Magallanes-Guijón e Mendoza pensaram que poderia haver alguns segredos escondidos nos dados de raios gama, então começaram a analisá-los.

Os astrónomos usaram dados publicamente disponíveis, registados pelo Fermi Gamma-ray Space Telescope, entre Junho e Dezembro de 2022. Processaram-nos e efectuaram uma pesquisa por padrões periódicos.

Encontraram um padrão. Segundo os seus resultados, a cada 76,32 minutos, o Sagitário A* emite um clarão de radiação gama, ou seja, a faixa de comprimento de onda mais energética da luz no Universo.

A semelhança com a periodicidade das explosões de rádio e raios X sugere uma causa comum subjacente. A explosão de rádio, segundo o investigadores, tem uma periodicidade idêntica da explosão dos raios gama.

A explosão de raios X, com 149 minutos, tem o dobro da periodicidade. Os cientistas acreditam que provavelmente isto não é uma coincidência.

O mecanismo físico é, provavelmente, algo que orbita o buraco negro.

Assim, o artigo publicado em 2022, concluiu que esse “algo” provavelmente é um aglomerado de gás quente, mantido unido por um campo magnético poderoso que sujeita partículas à aceleração de síncrotron, emitindo radiação no processo.

Este aglomerado tem uma distância orbital do Sagitário A* semelhante à de Mercúrio ao redor do Sol, mas com um período orbital de 70 a 80 minutos, viajando a cerca de 30% da velocidade da luz.

Magallanes-Guijón e Mendoza dizem que os seus resultados são consistentes com essa interpretação dos dados de rádio, sugerindo que o aglomerado de gás está a emitir em vários comprimentos de onda.

À medida que orbita, a teoria sugere que o aglomerado emite explosões energéticas. Conforme esfria, brilha mais intensamente na luz de rádio. A descoberta de explosões de raios gama apoia este modelo.

Ainda há alguns detalhes a serem esclarecidos. Os buracos negros são notoriamente difíceis de estudar e o Sagitário A* não é excepção.

Observações adicionais, em vários comprimentos de onda, poderiam ajudar a descobrir mais sobre o coração escuro e misterioso da Via Láctea.

 Teresa Oliveira Campos, ZAP //
19 Novembro, 2023


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102: Descobertas dezenas de estrelas gigantes a fugir da Via Láctea

 

CIÊNCIA // UNIVERSO // VIA LÁCTEA

A Via Láctea não consegue reter todas as suas estrelas. Algumas são ejectadas para o espaço intergaláctico, embarcando numa jornada incerta.

NASA / JPL / Spitzer
Zeta Ophiuchi

Uma equipa de astrónomos analisou mais de perto as estrelas fugitivas mais massivas para compreender como são ejectadas.

Quando observam um campo de estrelas na Via Láctea, os astrónomos medem a distribuição da velocidade. A distribuição global da velocidade da população estelar reflecte a rotação da galáxia. Uma estrela que não está em harmonia com a rotação da galáxia chama a atenção dos astrónomos.

Uma equipa, a trabalhar com dois catálogos de estrelas massivas, descobriu um grupo de estrelas a mover-se de forma diferente da galáxia. São estrelas fugitivas a caminho de sair da galáxia.

Os novos achados estão num artigo intitulado “Galactic runaway O and Be stars found using Gaia DR3”, que será publicado na revista Astronomy and Astrophysics.

A autora principal é Mar Carretero Castrillo, investigadora pós-graduada no Departamento de Física Quântica e Astrofísica, Instituto de Ciências do Cosmos, Universidade de Barcelona.

Castrillo e os seus colegas basearam o seu trabalho em dois catálogos estelares: o Galactic O-Star Catalog (GOSC) e o Be Star Spectra (BeSS), que são catálogos de diferentes tipos de estrelas massivas: estrelas tipo O e tipo Be, e os seus subtipos.

Os investigadores também utilizaram dados da Gaia, a poderosa nave de medição estelar da ESA. A Gaia emprega astrometria para medir posições, distâncias e movimentos de mil milhões de estrelas, revolucionando a astronomia com dados precisos e robustos.

Não se sabe quantas estrelas fugitivas estão a deixar a nossa galáxia, mas os astrónomos continuam a encontrar mais. Algumas estimativas apontam para 10 milhões de estrelas fugitivas da Via Láctea, mas pode depender do mecanismo que as impulsiona, algo ainda não totalmente compreendido pelos astrofísicos.

Este estudo visa esclarecer o fenómeno das estrelas fugitivas, focando nas estrelas massivas.

“Uma fracção relevante de estrelas massivas são estrelas fugitivas. Estas estrelas movem-se com uma velocidade peculiar significativa em relação ao seu ambiente”, explicam os autores, que procuraram descobrir e caracterizar as estrelas massivas e de tipo inicial fugitivas nos catálogos, examinando os dados da Gaia.

“As estrelas OB de tipo inicial massivo são as mais luminosas da Via Láctea”, explicam. Estas estrelas não são apenas massivas e jovens, mas também extremamente quentes, formando-se em grupos organizados de forma frouxa chamados associações OB.

Devido à sua juventude e calor, não duram muito. São importantes na astronomia por serem massivas, energéticas e muitas explodem como super-novas.

A equipa cruzou os dados da Gaia com os catálogos GOSC e BeSS, encontrando 417 estrelas tipo O e 1335 estrelas tipo Be presentes tanto na Gaia quanto nos catálogos. Entre estas, descobriram 106 estrelas tipo O fugitivas, o que representa 25,4% das estrelas no catálogo GOSC. 42 são recém-identificadas.

Encontraram 69 estrelas tipo Be fugitivas, representando 5,2% das estrelas no catálogo de estrelas tipo Be. 47 destas são recém-identificadas. No geral, as estrelas tipo O movem-se mais rápido do que as estrelas tipo Be.

Por que as estrelas massivas compõem uma proporção tão alta de estrelas fugitivas? Há duas teorias concorrentes que tentam explicar as estrelas fugitivas, ambas envolvendo estrelas massivas. Uma é o cenário de ejecção dinâmica (DES) e a outra é o cenário de super-nova binária (BSS).

As estrelas OB muitas vezes formam pares binários. No BSS, uma estrela explode como super-nova e a explosão impulsiona a outra estrela. Se a situação for adequada, a estrela sobrevivente recebe energia suficiente na direcção certa para escapar da sua ligação com o parceiro, agora uma estrela de neutrões ou um buraco negro, e também da gravidade da Via Láctea. Se isso acontecer, inicia a sua longa jornada pelo espaço intergaláctico.

No DES, não há explosão dramática de super-nova. Em vez disso, uma estrela numa região densamente povoada sofre interacções gravitacionais com outras estrelas. Encontros entre estrelas binárias e simples podem produzir fugitivas, assim como encontros entre dois pares binários.

As associações OB, onde as estrelas tipo O e B tendem a formar-se, são ambientes densos que podem desencadear estrelas fugitivas. Como a maioria destas estrelas é massiva, a maioria das estrelas fugitivas também o é.

Os cientistas têm debatido sobre os dois cenários há décadas. Ambos podem produzir estrelas com velocidade suficiente para escapar da galáxia. Ao estudar a sua amostra de 175 estrelas fugitivas, os investigadores descobriram que os seus dados favorecem uma explicação em detrimento da outra.

“Os percentuais mais altos e as velocidades mais elevadas encontradas para as estrelas tipo O em comparação com as estrelas tipo Be sublinham que o cenário de ejecção dinâmica é mais provável do que o cenário de super-nova binária”, escrevem.

As percentagens de tipos espectrais representados em estrelas fugitivas ajudam a explicar esta conclusão. 25% das estrelas tipo O na amostra são fugitivas versus 5% das estrelas tipo Be.

Outros estudos apresentaram números diferentes, mas, como os autores apontam, “há concordância no sentido de que a percentagem de estrelas tipo O fugitivas é significativamente maior do que para estrelas B ou Be”.

Pesquisas anteriores mostram que as estrelas tipo O fugitivas têm velocidades mais altas do que as estrelas B e Be. Pesquisas anteriores também mostram que a ejecção dinâmica muitas vezes resulta em fugitivas mais rápidas e massivas do que o cenário de super-nova binária.

“As estrelas GOSC-Gaia DR3 têm velocidades mais elevadas em geral do que aquelas em BeSS-Gaia DR3”, explicam os autores, o que está alinhado com pesquisas anteriores.

“Isto reforça a dominância do cenário DES em detrimento do BSS”, concluem.

ZAP // Universe Today
12 Novembro, 2023


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published in: 3 semanas ago

 

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