Qualquer proposta de lei cai quando um Governo cai. Ou seja, vamos andar em duodécimos no início de 2024, em princípio.
Miguel A. Lopes / LUSA Deputados do Partido Socialista aplaudem de pé, durante o debate do OE 2024
O Governo vai cair. António Costa apresentou a sua demissão depois de saber que é alvo de um processo-crime.
Esta decisão surge numa altura em que se tem debatido – e muito – algumas medidas do Orçamento do Estado para 2024.
Há precisamente uma semana a proposta do Orçamento do Estado para 2024 foi aprovada, na generalidade.
Não houve surpresas: bastava a aprovação dos deputados do Partido Socialista (PS), que – ainda – estão em maioria absoluta na Assembleia da República.
A proposta iria baixar às comissões parlamentares para ser discutida na especialidade, com redacção final que estava marcada para 14 de Dezembro.
Muito foi falado sobre a previsão de impostos, sobretudo sobre a polémica subida do Imposto Único de Circulação.
Duodécimos
No entanto, tudo mudou nesta terça-feira.
O portal Notícias ao Minuto já recordou que a actual proposta vai desaparecer da agenda do Parlamento porque o Governo vai mudar.
Citando a Constituição da República Portuguesa: “As propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo”.
Ou seja, deveremos andar “a correr” no início de 2024 – ainda não se sabe o que vai decidir o presidente da República, sendo o mais provável a dissolução da Assembleia da República.
Assim, esperaremos por novas eleições e por novo Orçamento. Aliás, tal como aconteceu em 2022: o Orçamento do Estado para esse ano foi rejeitado, houve eleições antecipadas em Janeiro e o Orçamento só foi aprovado… no final de Maio.
Portugal deverá entrar em 2024 com um Orçamento do Estado em duodécimos: só se pode gastar 1/12 da despesa de 2023 em cada mês do próximo ano. Com algumas excepções, nos temas mais sensíveis.
Mas, repetimos, ainda se espera pela decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, que fala publicamente daqui a dois dias, na quinta-feira.
António Costa anunciou a sua demissão nesta terça-feira, depois das buscas realizadas ao longo da manhã.
O primeiro-ministro revelou que é alvo de um processo-crime: “A dignidade de funções não é compatível com suspeitas de integridade, de conduta e, sobretudo, de prática de qualquer acto criminal.
Por isso, nesta circunstância, obviamente apresentei a minha demissão ao presidente da República” – que aceitou o pedido.
Portugal sofreu uma das maiores quedas no índice de representação política, num relatório anual sobre o Estado Global das Democracias, divulgado na madrugada desta quinta-feira, que revelou também que os alicerces da democracia estão a enfraquecer em todo o mundo, por falta de controlo político e judicial.
Viana do Castelo, 15/08/2022 – União das Freguesias de Barroselas e Carvoeiro decide o seu futuro como União de Freguesias Barroselas – habitante de Barroselas insere o voto na urna. (Rui Manuel Fonseca/Global Imagens)
No que diz respeito à representação política — o índice que mede a forma como os cidadãos se sentem representados pelos eleitos — Portugal caiu da posição 9 para a posição 22, no último ano, depois de já ter estado no terceiro lugar, em 2017, do ‘ranking’ de 173 países, num estudo do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA), uma organização intergovernamental com sede em Estocolmo (Suécia).
O IDEA salienta o facto de Portugal pertencer a um alargado grupo de países que caiu substancialmente nesse índice ao longo dos últimos seis anos, apesar de se manter numa boa posição, mesmo relativamente a outros países europeus.
Num outro relevante índice (dos 17 analisados), sobre a participação cívica (a forma como as pessoas procuram interferir no processo democrático), Portugal subiu sete lugares (do 76.º para o 69.º), relativamente ao ano anterior, continuando na primeira metade do ‘ranking’.
No índice de direitos cívicos, Portugal manteve o 31.º lugar que já tinha tido em 2021 e em 2017, contudo, no índice de Estado de Direito (um dos que revelou maior erosão a nível global), Portugal caiu apenas um lugar do 33.º para o 34.º, desde 2021, mas a queda desde 2017 foi de 12 lugares.
No seu relatório anual, intitulado “O Estado Global da Democracia 2023”, o IDEA sublinha que na Europa muitas democracias com fortes tradições registaram um declínio no seu desempenho democrático, incluindo a Áustria, os Países Baixos, Portugal e o Reino Unido, na categoria Estado de Direito.
Ainda assim, o continente europeu continua a ser uma das regiões com melhor desempenho em todo o planeta, havendo mesmo sinais encorajadores, sobretudo na Europa Central, de progressos significativos no desempenho democrático.
Democracias a tremer nas bases
Os dados recolhidos pelo IDEA também permitem perceber que os alicerces da democracia estão a enfraquecer em todo o mundo, com metade dos países a sofrer declínio por falta de controlo político e judicial.
O enfraquecimento das democracias está a ser amplificado pela erosão dos sistemas de controlo tradicionais — eleições livres, parlamentos e tribunais — que revelam progressiva dificuldade em garantir a eficácia das instituições, de acordo com o mais recente relatório do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA), uma organização intergovernamental com sede em Estocolmo (Suécia).
De acordo com o relatório, quase metade (85) dos 173 países inquiridos sofreu um declínio em pelo menos um indicador-chave do desempenho democrático nos últimos cinco anos, com base em 17 parâmetros que vão desde as liberdades civis à independência judicial.
Um dos factores mais sensíveis, a representação política, deteriorou-se mesmo em democracias que até agora tinham registado bom desempenho na avaliação do IDEA, como é o caso de Portugal.
O factor relacionado com o Estado de Direito — ilustrado pela independência judicial e pelo grau de ausência de violência política — enfraqueceu também a nível mundial, incluindo em países como a Áustria, a Hungria e o Peru.
Dois dos poucos sinais positivos deste relatório são o aumento da taxa de participação política e a diminuição dos índices de corrupção, especialmente em África, o que o IDEA atribui parcialmente à eficácia de agências de controlo político e instituições de defesa dos direitos humanos.
Assim, 2022 foi o sexto ano consecutivo em que os países com declínios líquidos ultrapassaram os países com avanços líquidos, o que representa a queda consecutiva mais longa desde o aparecimento de registos do IDEA, em 1975.
Estes declínios abrangem praticamente todos os continentes, em países que vão da Coreia do Sul ao Benim e ao Brasil, do Canadá a El Salvador e à Hungria.
“Actualmente, muitos países debatem-se até com aspectos básicos da democracia”, explicou o secretário-geral do IDEA, Kevin Casas-Zamora, lembrando que “muitas das nossas instituições formais, como os parlamentos, estão a enfraquecer”.
Ainda assim, Casas-Zamora admite que “há esperança de que os controlos e equilíbrios mais informais – desde os jornalistas aos organizadores de eleições e aos comissários responsáveis pela luta contra a corrupção – possam combater com êxito as tendências autoritárias e populistas.”
A participação política — uma medida do grau de envolvimento dos cidadãos na expressão democrática durante e entre as eleições — conheceu um reforço em muitos países, incluindo a Etiópia, a Zâmbia e as Fiji.
Ao mesmo tempo, muitas democracias estabelecidas têm vindo a sofrer retrocessos nestas principais categorias nos últimos cinco anos, desde declínios na igualdade dos grupos sociais nos Estados Unidos, na liberdade de imprensa na Áustria e no acesso à justiça no Reino Unido.
No relatório recomendam-se acções políticas para impulsionar a renovação democrática global, incluindo o apoio a tribunais independentes ou a protecção jurídica de instituições que monitorizam a transparência eleitoral e de organismos que investigam a corrupção