410: E agora, Marcelo?

 

– Marcelo? Sempre igual a ele mesmo. Tira umas selfies, distribui uns abraços e beijinhos, faz mais umas viagens pelo Mundo antes de aposentar-se da PR… E ver o seu PPD ser governo, a sua maior ambição! Querem melhor?

🇵🇹 OPINIÃO

A direita agita-se com a possibilidade de voltar à governação, depois da crise aberta pela demissão de António Costa. Apesar de PSD e CDS terem ganhado as eleições pós troika, a geringonça tomou conta do hemiciclo e Costa governou oito anos.

Sai pelo seu pé e a queda não foi por causa da oposição, nem do eleitorado, mas à custa de um processo judicial, dos vários buracos que foram aparecendo no Governo de maioria absoluta e das más escolhas do primeiro-ministro.

Marcelo, que por força da maioria absoluta tinha perdido protagonismo e centralidade na vida política, voltou a ser o centro das atenções. Os olhos estão voltados para Belém e para tudo o que o Presidente possa dizer ou fazer.

O próprio, impôs a si mesmo um silêncio, alegando que este é o tempo dos partidos, depois virá o tempo dos eleitores e, só depois, o tempo do Presidente.

O mesmo Presidente que alertava, há meses, para a possibilidade de mini-ciclos eleitorais e de alguma instabilidade política. Mais cedo falara e, pela segunda vez em oito anos, Marcelo foi chamado a intervir e decidiu dissolver o Parlamento.

O que se segue está em aberto. Será no tempo dos eleitores, a 10 de Março, como tem de ser, que a democracia vai dar a resposta à crise política. Os votos daqueles que se derem ao trabalho de ir votar decidirão a composição do próximo Parlamento.

Por todas as razões, vale a pena lembrar que estamos a eleger deputados cuja maioria, então sim, dará origem a um novo Governo.

Quando chegar, outra vez, o tempo do Presidente, Marcelo terá o papel principal, respaldado no facto de ser eleito de forma directa, universal e nominal. A julgar pelas sondagens e estudos de opinião, é bem provável que o PS seja o partido mais votado, e que a direita tenha um maior número de deputados.

Nesta quadratura do círculo, com as variáveis que já conhecemos em cima da mesa, e as que hão de juntar-se depois de contados os votos, o aviso, em tempo, dos mini-ciclos governativos não era manifestamente exagerado.

Montenegro diz que não governa com o apoio do Chega e que não governa se não ganhar eleições. O PS (de Pedro Nuno) está disposto a reatar a geringonça para poder governar.

O PS (de José Luís Carneiro) diz que o Chega nunca chegará ao Governo se isso depender dos socialistas. O Chega, que continua a subir nas intenções de voto, não admite viabilizar um Governo à direita sem participar nele.

Mas ninguém o quer como parceiro. O PCP e o Bloco esperam para perceber com que força eleitoral vão sair das urnas. Só depois disso podem ter margem para influenciar um acordo com o PS.

Ora, diante de todas estas variáveis, é bem provável que não cheguemos a lado algum. Sendo impossível fechar a circulatura do quadrado, entramos em terrenos do princípio de incerteza.

É aqui que entra Marcelo e a sua capacidade política. De leitura dos resultados, de análise da situação e de intuição. O que pode fazer o Presidente para, diante do cenário que parece ser o mais provável – PS a ganhar as eleições, direita com mais deputados, mas sem conseguir entender-se?

Marcelo está, também ele, com a cabeça a prémio.

Quando Sampaio dissolveu Santana, o povo deu-lhe razão com uma maioria absoluta ao PS; quando Marcelo dissolveu Costa, da primeira vez, o povo deu-lhe razão e respondeu com outra maioria absoluta ao PS. Desta vez, o povo não parece tão certo.

E Marcelo pode chegar à conclusão de que não deveria ter dissolvido, antes aceitar a sugestão de Costa e do PS para a nomeação de outro primeiro-ministro. Um impasse no resultado ou uma incapacidade de formação de um Governo estável rebentará nas mãos do Presidente.

E agora, Marcelo?

Jornalista

DN
Pedro Cruz
05 Dezembro 2023 — 00:17



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published in: 19 horas ago

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Chega p’ra lá

 

🇵🇹 OPINIÃO

Primeiro era apenas o projecto de um homem só, a quem ninguém deu importância até ele ser eleito. Um dissidente do PSD que, tal como outros dissidentes de partidos de direita e esquerda, não ia a lado nenhum. Depois de eleito, também não incomodava ninguém, era o tal homem só, e, como ele, havia outros deputados únicos no Parlamento.

Ainda lhe quiseram fazer um cordão sanitário de acesso ao hemiciclo, porque nem se queriam cruzar com ele no corredor. Tratava-se de um grilo falante que ninguém quer escutar, mesmo quando a consciência do grilo está, por vezes, certa.

Depois veio a maioria absoluta e o homem já não estava sozinho, era líder do terceiro partido com mais votos no país. E, finalmente, começaram a levá-lo a sério. Tarde demais.

As sondagens, a que todos dão demasiada importância – apesar de dizerem que não têm importância nenhuma – foram avisando consistentemente para a subida do partido de um homem só.

Agora que se tornou impossível ignorar o elefante dentro do Parlamento, a narrativa é contra o programa e a ideologia do partido, mas sempre em defesa dos eleitores dele.

Sim, porque neste sistema democrático, que é o pior sistema à excepção de todos os outros, os eleitores zangados, desiludidos, cansados, ignorados e esquecidos, estes eleitores andam há 50 anos à espera de amanhãs que cantam e esses dias nunca mais chegam.

Chega, terão pensado eleitores de todos os partidos que confluíram com votos para o pastor evangélico, para o messias que diz ter a resposta para todos os problemas.

Cada voto no Chega é o reconhecimento do falhanço dos outros partidos todos. Os que são democráticos de verdade e os que se dizem democráticos mas, por serem de esquerda, são revolucionários.

Quase quase nos 50 anos de democracia, há muitos, muitos milhares, senão mais, que ficaram para trás. São sempre os mesmos, os que vão às quatro da manhã para a fila do centro de saúde, os que são pobres mesmo trabalhando, os que acabam a pedir comida nas instituições públicas e, sobretudo, nas privadas e voluntárias. Os que ficam fora do discurso político, porque nem sequer entendem “o que eles dizem”.

É a estes eleitores, e a muitos que tinham desistido de votar, que já não chegam apenas palavras de circunstância e uma caneta na campanha eleitoral. O país mudou, tornou-se mais reivindicativo e mais informado, mais exigente e menos tolerante.

Nas próximas eleições, todos os partidos vão à procura destes eleitores. Talvez cheguem tarde. Talvez alguém tenha Chega(do) primeiro e os tenha conquistado.

Cada voto no Chega é o reconhecimento do falhanço dos outros partidos todos. Os que são democráticos de verdade e os que se dizem democráticos mas, por serem de esquerda, são revolucionários.

Revolução só há uma e foi há 50 anos. Pode ser que, desta vez, os partidos tenham percebido que chegou a hora das pessoas. E que isso não seja apenas um slogan para os cartazes, mas um compromisso de mudança, de futuro e de progresso. Março está a caminho.

Jornalista

DN
Pedro Cruz
21 Novembro 2023 — 00:30


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54: Onde acaba Marcelo e começa o Presidente

 

🇵🇹 OPINIÃO

Há sempre uma linha que separa, nas pessoas que ocupam cargos públicos, o cidadão do político. Há uma dimensão pessoal e outra institucional, uma persona pública e outra privada.

Marcelo Rebelo de Sousa, o professor universitário, antigo governante, comentador de política e assuntos vários, ex-jornalista e director de jornal, e Marcelo Rebelo de Sousa eleito e reeleito, por sufrágio directo, Presidente da República.

Marcelo Presidente quis e conseguiu dessacralizar a presidência. Mandou arejar o palácio, dizem que literalmente, levou para Belém exactamente a mesma pessoa que era antes de ter sido eleito.

Quis ser popular, afectuoso, estar próximo, dizer presente em todas as situações. Foi o primeiro a chegar a catástrofes e acidentes, esteve no posto de comando quando os incêndios ainda lavraram, é o primeiro a comentar o resultado da selecção nacional, ainda antes do seleccionador.

Dá entrevistas em tronco nu, mantêm o mais possível as rotinas que tinha antes, vai mergulhar pela manhã na praia de sempre, em Cascais.

Marcelo quis que se fundissem as duas personas . Ele é ele em qualquer circunstância, é o que está na sua natureza.

Apesar do país político e dos comentadores acharem que o presidente “fala demais”, Marcelo parece não se importar com isso, a menos que, por razões tácticas, lhe dê jeito ficar em silêncio. É raro, mas acontece.

Ora, ao dessacralizar a presidência, Marcelo, que queria ser visto como um homem comum, um de nós, mostrou ao país que se pode ser presidente de uma outra forma. E foi ele, com esta decisão, que abriu a porta a que os cidadãos o tratem assim, como se ele fosse um de nós, ou mais um apenas.

Acontece que não é. Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente da República.

As imagens deste domingo, diante do Palácio de Belém, onde decorria uma manifestação pró Palestina e contra as declarações de Marcelo no bazar diplomático, dois dias antes, mostram que há portugueses que aprenderam bem a lição do professor e se acham iguais a ele.

Um dos manifestantes, de dedo em riste, a falar a centímetros da cara d o Presidente, em tom exaltado e insultuoso, sem deixar que o interlocutor, sequer, pudesse expressar-se, é a prova de que se esbateu de tal forma a linha que separa o homem do presidente e, portanto, quase tudo é permitido.

Ainda não estou certo se a ida de Marcelo à manifestação, que também era contra ele é coragem ou loucura. Ou as duas coisas. Nos últimos meses, vezes demais, Marcelo tem sido obrigado a vir esclarecer, explicar, justificar declarações que faz em público.

Seja por causa do decote de uma luso-descendente, seja por causa do número de casos de pedofilia na Igreja Católica, seja pela conversa que teve no tal bazar diplomático, com um representante da autoridade palestiniana.

Levada ao extremo, a dessacralização do exercício da presidência da república leva a que muitos portugueses tenham perdido o devido respeito ao Presidente. Não se trata do “respeitinho é muito lindo”, trata-se apenas do respeito devido à função e, por arrasto, ao seu titular

Num tempo de extremismos exacerbados, onde se confunde a razão com gritaria, direito à opinião com insulto, discordância com animosidade, convém não esquecer que o Presidente da República é o eleito mais representativo dos portugueses, precisamente porque a sua eleição é uninominal. E. mesmo quem discorda das palavras e actos do presidente, deve ter presente que sim, por mais que custe, é ele que nos representa.

Não acredito que a dois anos e pouco do fim do segundo mandato, Marcelo altere a sua postura. E, mesmo que o fizesse, se isso teria qualquer efeito prático. Tendo a considerar que Marcelo ter enfrentado os que se opunham é mais coragem do que loucura.

Outros presidentes em situação semelhante teriam ficado isolados no palácio, sem agenda pública durante vários dias, até que a poeira assentasse. Marcelo embateu de frente contra os críticos, procurando explicar-se. E, quanto mais não fosse por isso, a atitude merece respeito.

Jornalista

DN
Pedro Cruz
07 Novembro 2023 — 00:40


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published in: 4 semanas ago

 

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