Paulo Raimundo: “Felizmente não haverá uma maioria absoluta” ☭

 

PCP // PAULO RAIMUNDO // ASTROLOGIA

Trabalhou como carpinteiro, padeiro, operário, animador cultural e desde 2004 é funcionário do PCP. Tem 47 anos e esta semana assinala um ano nas funções de secretário-geral do Partido Comunista Português.

– Um verdadeiro “artista” para mais tarde recordar…

Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Neste primeiro ano de secretário-geral, o que é que ainda não fez e gostaria de ter feito?
Sabe que a minha eleição para secretário-geral do PCP foi na sequência também da conferência nacional que realizámos em Novembro do ano passado e diria que há muita coisa por fazer daquilo que concluímos que era preciso fazer. Já fizemos muito, mas não estamos satisfeitos, é preciso fazer mais.

Gostaria, por exemplo, de crescer mais nas sondagens?
Não, sabe que essa é daquelas coisas que não me tiram o sono, sinceramente, por razões objectivas.

Não as leva a sério?
As sondagens não têm tido propriamente muito bons dias. Acho que as sondagens revelam uma questão mais complexa, que é que parece que vivemos em dois mundos: o mundo, permita-me chamar assim, da bolha mediática e depois a vida real das pessoas. E as sondagens chocam nisso também. Porque ainda agora tivemos uma operação de sondagens de grande dimensão na Madeira, o PCP ia desaparecer e foi tudo ao contrário daquilo que as sondagens diziam. Ou, se quisermos falar nas sondagens de forma mais consistente, temos de voltar há quase dois anos , quando as sondagens garantiam que se estava praticamente à beira da vitória do PSD, e depois o resultado final das eleições foi a maioria absoluta do PS. Portanto, as sondagens valem o que valem, não menosprezamos, mas são só um instrumento de trabalho e de referência.

Sem ser as sondagens alguma coisa que não tenha feito neste ano e que estava na sua meta alcançar?
A vantagem de termos um trabalho colectivo, independentemente da responsabilidade própria do secretário-geral, é que somos todos responsáveis pelo aquilo que é feito. Estou muito descansado com isso. Há uma coisa que posso dizer: é que procurei fazer tudo o que esteja ao meu alcance para ajudar o meu partido e por essa via ajudar o meu país, que é por isso que cá andamos. Terei feito tudo bem? Certamente que não, isso é garantido.

O país vai a votos no dia 10 de Março, o que é, para si, um bom resultado da CDU, ou um médio resultado da CDU, ou um mau resultado da CDU?
Acho que resultados médios não vai haver, ou há bons ou há maus e estou muito convencido que vamos ter um bom resultado. Estamos a crescer, isso nota-se, não se nota nas sondagens, mas nota-se no dia a dia, na vida. Um bom resultado da CDU significa uma satisfação para quem está neste projecto, acima de tudo é fundamental até para o país andar para a frente e para a vida das pessoas melhorar, que é essa a questão fundamental. Falamos em eleições e de crise política que está instalada, mas há uma crise profunda na vida das pessoas que dura há muitos meses. São os salários, pensões, o aumento do custo de vida, o drama da habitação, as questões do Serviço Nacional de Saúde.

Também não tem médico de família?
Também não tenho médico de família, mas antes fosse só eu. Há um milhão e seiscentas mil pessoas sem médico de família e isso é que é preciso resolver. Estou muito confiante que vamos crescer, porque estamos aí todos os dias no terreno, vamos crescer do ponto de vista eleitoral.

Aumentar a representação no Parlamento?
Vamos aumentar a representação no Parlamento, vamos aumentar o número de votos e o número de percentagem, não tenho nenhuma dúvida sobre isso, e iremos tão longe quanto aquilo que o povo nos quiser dar de votos, com a garantia de que serão os deputados do PCP e da CDU que farão a diferença. Foi assim no passado, é assim hoje e será assim amanhã.

Uma questão que faz a diferença. Qual será a política de entendimentos do PCP com o PS após as próximas legislativas? Em 2015, aquela solução que saiu foi uma solução que surpreendeu muita gente. Que esclarecimentos é que o PCP tem a dar aos eleitores a propósito da política de alianças?
A solução de 2015 só podia ser uma surpresa, porque criou-se uma situação praticamente inédita no país, houve uma maioria que esteve disponível, não tanto para desenvolver um projecto político comum, porque isso nunca esteve presente, mas sim para travar o governo que estava lá anteriormente e que se preparava para continuar. Perante os resultados eleitorais, depois de quatro anos de um governo que, no nosso entender, estava a destruir a economia e a vida social do país, encontrou-se uma solução. Foi a solução de dizer: meus senhores, para travar este governo que aí está, só não são um governo se não se quiserem, foi o que dissemos ao Partido Socialista, sem nenhuma ilusão. Não tínhamos nenhuma ilusão sobre as opções de fundo do Partido Socialista. Aliás, sabíamos que era uma questão de tempo até o Partido Socialista encontrar as formas para se libertar desse constrangimento. Um constrangimento que não era apenas político, porque não foi apenas o arranjo político que se encontrou, foi também a pressão social que existia que obrigou o governo do Partido Socialista a fazer coisas que por sua vontade própria nunca faria. Na primeira oportunidade que tivesse ia libertar-se disso. E assim aconteceu.

E agora?
E agora temos um problema mais complexo, por uma razão simples: percebo que se queira apresentar a disputa que vamos ter do ponto de vista eleitoral e a batalha política num modelo tão simples que diga assim: há aqui um ajuntamento da esquerda e há um ajuntamento da direita. Ora, qual é o problema que não pode ser visto com essa simplicidade? O que vai estar em confronto não são esses dois eventuais ajuntamentos, o que vai estar em confronto são as opções políticas de fundo. É a opção, por exemplo, de criar as condições para que seja possível actualmente em Portugal os grupos económicos terem 25 milhões de euros de lucros por dia perante a vida que levam três milhões de trabalhadores que ganham até 1000 euros por mês. Sabemos que esta é a realidade que vai estar em confronto: são os 11 milhões de euros lucros por dia da banca e a vida desesperada de milhões de pessoas que fazem tudo e alguma coisa para aguentar a sua habitação. É o confronto entre a opção do Partido Socialista em pegar em oito mil milhões de euros do Orçamento do Estado do Serviço Nacional de Saúde e entregá-lo ao setor privado, porque é isto que o Partido Socialista propõe no Orçamento do Estado que está em vigor, enquanto um milhão e seiscentas mil pessoas estão sem médico de família.

Vamos então ser claros em relação aos nossos ouvintes que estão a acompanhar o seu raciocínio e perguntarão, tal como nós, se o PS formar um governo sem maioria, em que condições é que o PCP estará disposto a um acordo?
Vou tentar responder da forma mais clara para não fugir à clareza da questão que está colocada, mas acho que essa é a questão menor.

Dificilmente teremos novamente uma maioria absoluta.
Felizmente não haverá uma maioria absoluta.

Assim sendo, estará disponível o PCP para um acordo com o PS?
Vamos falar de conteúdos, vamos falar de políticas. Os senhores estão disponíveis para ser um acessório na política que o Partido Socialista está a desenvolver neste momento? Não. Estão disponíveis para manter este caminho de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde? Dizemos não. Estão disponíveis para amparar uma opção do Partido Socialista que não só não travou como alimentou as forças mais reaccionárias no país? Não, é uma evidência que não. A questão de fundo é a questão dos conteúdos, porque actualmente fala-se da necessidade dos salários, fala-se da necessidade da habitação, etc., mas quais foram as opções?

E se esses conteúdos mudarem com esses três tópicos que acabou de enunciar, poderá estar disponível para um acordo?
Ainda há pouco tempo houve uma afirmação semelhante sobre o Orçamento do Estado, que ainda está em discussão, perguntavam-me se o Partido Socialista mudasse, nomeadamente em relação ao aumento dos salários, ao Serviço Nacional de Saúde e à habitação, quais seriam as nossas opções? Se o Partido Socialista mudar de política, estaremos a favor.

E se não mudar está aqui a traçar uma linha vermelha, é isso?
Não há alternativa, é como lhe digo.

Portanto, não está disponível para uma geringonça?
É como lhe digo, temos de tratar dos conteúdos, a forma tem muito interesse, mas a forma é dispensável se os conteúdos não serviram. Porque, por exemplo, por opção do Partido Socialista – e não é do Partido Socialista da facção A ou da facção B, é do Partido Socialista – temos um Orçamento do Estado que é um instrumento político importante, que decidiu entregar 1600 milhões de euros em benefícios fiscais aos grupos económicos; um Orçamento do Estado que aumenta ainda mais as medidas de redução para o pagamento efectivo do IRC, mais 200 milhões em cima do valor que já havia para as parcerias públicas ou privadas ; ao mesmo tempo, é o mesmo Orçamento do Estado do Partido Socialista que se prepara para chumbar as nossas propostas, por exemplo, na redução significativa do IRS para quem trabalha e trabalhou-me a vida inteira; na redução do IVA para a electricidade; para as telecomunicações ou para o gás. Aqui é que se vêm as opções de fundo.

Nesta espécie de linha vermelha que acabou de passar aos microfones da TSF e do Diário Notícias, tem mais esperança de que essa linha vermelha fique esbatida com José Luís Carneiro ou com Pedro Nuno Santos?
Compreenderá que não farei nenhum comentário sobre as disputas internas do Partido Socialista, porque são daquelas coisas que também não gostamos que se metam na nossa casa. Ainda que, se me permite, estamos a falar de pessoas em concreto que tiveram responsabilidades no Governo, um deles ainda tem. Participaram na grande operação de chantagem e pressão que levou, como sabemos, a uma não aprovação do Orçamento e a uma maioria absoluta. Essas duas individualidades fizeram parte desse processo. Isto tem significado porque vai ao encontro daquilo de que estávamos a falar há pouco: o Orçamento do Estado, há um ano e meio, foi chumbado. O Partido Socialista fez pressão, fez chantagem, o Presidente da República ajudou e fomos para eleições antecipadas. Fomos para eleições antecipadas porque o Partido Socialista decidiu não ter em conta propostas que fizemos, em particular as que dizem respeito ao Serviço Nacional de Saúde. O Partido Socialista chumbou, não aceitou que se criassem condições financeiras para se fixar mais médicos e mais enfermeiros, para que se valorizassem as carreiras, para que se criassem condições de reforço do Serviço Nacional de Saúde. Essa é uma das razões fundamentais, entre outras, para que o orçamento fosse chumbado. Veio a vitimização, as eleições antecipadas, a maioria absoluta e hoje temos um enorme problema no Serviço Nacional de Saúde. Não posso afirmar que estaria completamente resolvido se tivessem sido aprovadas as nossas propostas, mas tenho a certeza que não chegaria ao caos em que estamos.

Por exemplo, é imprescindível, do seu ponto de vista e para eventuais conversas futuras, que se suspenda já a privatização da TAP?
Isso é um instrumento.

É um instrumento, ou seja, é imprescindível que se suspenda?
Claro, mas não é só a TAP. É a TAP e a EFACEC. Então, temos uma empresa onde o Governo, o Estado, meteu milhões e milhões de euros, limpou a empresa, capitalizou-a, garantiu que ela tinha condições para até recuperar encomendas, além de ser uma das mais importantes empresas no seu sector a nível mundial e depois de tudo limpinho, o Governo pega nela e dá ao investidor alemão?

De 2014 a 2019 vigorou aquela solução que depois ficou chamada de geringonça, sei que o PCP não é grande adepto do nome, mas enfim, é o que temos. Que aspectos positivos dessa solução é que podem ser retomados, mas também que aspectos negativos não podem ser repetidos?
Primeiro aspecto positivo, e esta talvez seja a questão fundamental que permitiu essa solução, foi o objectivo comum de tirar do poder o governo do PSD e do CDS, um governo que estava a destruir o país do ponto de vista económico e social. Segunda questão, foi procurar um caminho que recuperasse todos os direitos que tinham sido roubados durante aqueles quatro anos trágicos para a nossa sociedade. Foi um caminho difícil, porque podemos dizer que do ponto de partida estávamos todos em de acordo com essa ideia, mas do ponto de chegada nem sempre foi assim. Terceira questão ou terceira possibilidade, é ir mais longe do que a recuperação. Vou dar três exemplos concretos: gratuitidade dos manuais escolares, proposta por nós, o PS recusou, insistimos, e naquele quadro foi possível avançar. A questão do passe [social único], da redução, que é uma medida estruturante importantíssima, ficou aquém ainda daquilo que era necessário, mas importantíssima, foi a mesma coisa: o PS não quis, forçámos e lá foi possível concretizar. Até coisas mais miudinhas, mas com importância como, por exemplo, a recuperação dos feriados que tinham sido retirados. São aspectos positivos que marcam a correlação de forças que existia. Quanto a aspectos negativos, o Partido Socialista teve sempre um pé dentro e um pé fora desse caminho. E na primeira oportunidade, e certamente nenhum de nós se esquece da expressão, que até ali não era muito badalada, que são as cativações, mas na primeira oportunidade que teve para se ver livre desse constrangimento, viu-se livre. No fundo, o aspecto mais negativo é que na primeira oportunidade que o Partido Socialista tivesse, já sabíamos que eles iam procurar sair desse caminho. E assim foi.

Sente que quando fala com os militantes do PCP, com os seus camaradas, a resistência a entendimentos com o PS aumentou muito depois da crise que levou às últimas eleições legislativas?
Não. Acho que esse ambiente e esse clima não existe e não se coloca por uma razão simples, é porque aquilo que vai determinar o que vai acontecer depois do dia 10 de Março é a força que o PCP e a CDU tiverem. É nisso que os meus camaradas e amigos estão concentrados, é em fazer crescer o PCP e a CDU, porque isso é a garantia de podermos abrir um caminho de mais salários e mais pensões. É isso que abre o caminho para responder aos problemas prementes das questões da habitação que estão aí. É isso que abre o caminho para garantir as condições para que o Serviço Nacional de Saúde responda aos problemas que é preciso responder. Até diria mais, se me permite, diria que até é do interesse dos democratas, dos patriotas e até de socialistas, que o PCP e a CDU reforcem a sua votação. Disso não tenho dúvida nenhuma. E porquê? Porque isso é a única garantia que têm de que a sua vida também pode melhorar. Podemos dizer assim uma frase feita, mas que tem muito conteúdo, porque quando o PCP e a CDU crescem, a vida das pessoas melhora, o país avança e isso é experiência provada.

Além do PCP, vamos também falar do Bloco. Muitas vezes não percebemos as diferenças substantivas entre os dois partidos, as posições dos dois partidos. Sente que um dia poderá chegar um tempo em que os dois partidos criam uma espécie de frente eleitoral comum? Isso poderá vir a ser possível ou descarta em absoluto essa hipótese?
Não podemos dizer nunca, mas acho que isso não se coloca, acho que nem se coloca agora, nem se coloca no futuro próximo. Até porque, lá está, cada um tem a sua história, a sua tradição, as suas opções e as suas opiniões sobre as diferentes matérias e os diferentes caminhos a seguir. Agora, há uma coisa que é evidente, que é que talvez na grande maioria das questões em concreto estamos de acordo.

Se estão de acordo, porque é que não juntam?
Porque também temos questões em que estamos em desacordo.

Qual será a principal?
Acho que isso prende-se no concreto, nas questões concretas, nas opções concretas, nem queria, nem me parecia que fosse adequado estar a aproveitar este espaço para abrir essa frente. Acho que não interessa, acho que o Bloco tem o seu caminho próprio, tem as suas opções, as suas propostas, as suas ideias e, portanto, deve caminhar sobre elas, nós temos o nosso caminho próprio e estamos muito confiantes de que vamos caminhar sobre elas.

Voltando ao PS. Cavou-se um fosso muito grande, recentemente, entre o PS e o PCP, até por causa das posições de uns e de outros relativas à guerra na Ucrânia, relativas agora à guerra do Israel com o Hamas. Pode haver um entendimento entre os dois partidos em que essa questão seja posta entre parênteses, digamos, não seja valorizada, ou esse problema é um obstáculo poderosíssimo a que se entendam?
Percebo a pergunta e percebo o interesse, até no quadro em que estamos, mas acho que essa é a questão menor. Talvez esteja a ser um bocadinho presunçoso, peço desculpa, mas acho que é daquelas coisas que não interessa muito às pessoas, porque as pessoas confrontam-se com problemas muito graves. Como dizia há pouco, e volto a repetir, estamos de facto numa crise política há uma semana, mas a vida das pessoas está em crise há muitos meses e as pessoas precisam de resposta aos seus problemas hoje. E é a isso que é preciso responder. Ainda ontem estive no piquete, na concentração dos médicos ali em Santa Maria, e a evidência é essa. O ministro da Saúde decidiu unilateralmente acabar com as negociações, alegou instabilidade, mas é uma falácia porque o Governo está em funções e é preciso responder aos problemas dos médicos, respeitá-los, aumentar-lhes os salários e, consequentemente, valorizar e responder aos utentes, que é a questão fundamental. É isso que é preciso resolver. Diferenças entre o PCP e o Partido Socialista há desde que existe o Partido Socialista e não há nenhuma dúvida de que continuarão a existir. Dificilmente deixarão de existir.

Apesar dos portugueses estarem preocupados com os salários, como diz e não só, obviamente a guerra no Médio Oriente entra pelos olhos adentro, pelas televisões, pelas rádios, tudo isso, e faz parte do nosso dia a dia, e no primeiro comunicado do PCP sobre o 7 de Outubro em Israel, a palavra Hamas nem sequer é mencionada. Não se lia uma palavra que fosse de condenação àquela organização, independentemente do contexto ou não, a verdade é que estamos perante um horror. Porque é que se repetiu a cena da primeira reacção, não condenar, e depois o secretário-geral do PCP vir esclarecer e dizer, como disse, que afinal condena? Há tensões que permanecem dentro do PCP relativamente a estas questões?
Não.

Porque é que não foi claro logo?
Não podemos tirar o contexto do conflito, porque quando tiramos o contexto do conflito, estamos, na nossa opinião, a olhar de forma muito parcial para as questões. E diria que quem insistiu na ideia, na minha opinião errada, de que este conflito começou no dia 7 de Outubro não está a ser honesto. E essa foi a grande preocupação, ou seja, dizer que aquilo que aconteceu não devia ter acontecido, mas aquilo não aconteceu de forma isolada. Até conheço uma pessoa que foi fortemente criticada por ter dito exactamente, nos mesmos termos, aquilo que temos dito.

Mas se a primeira reacção não condena e depois o secretário-geral vem condenar, parece um pouco dar o dito por não dito. Qual é a divergência que há dentro do PCP que justifica essa posição?
Até acrescentei na declaração que fiz que não só condenávamos aqueles atentados terroristas, não só condenei isso, como até acrescentei a ideia que é que aquilo não ajuda a causa do povo palestiniano. Agora, isso não justifica o que está a acontecer na Palestina. E se me permitem, percebo porque é que se apresenta sucessivamente o conflito entre Israel e o Hamas, porque isso permite justificar duas coisas: primeiro, permite justificar o massacre que está em curso contra o povo palestiniano. Não há nenhuma dúvida sobre isso, penso que isso é uma evidência. E, portanto, todo o massacre que se faz, todo o bombardeamento dos hospitais, ambulâncias, a morte das crianças, a morte de civis, os milhares de mortos civis, que não sabemos quantos são já, mas são sempre justificados porque há um combate contra o Hamas. E permite que outros durmam de forma hipócrita e cínica, descansados, porque como se está a combater o Hamas, tudo serve de justificação. Ora, isso não é assim.

Mas não está a dizer que não há terrorismo naquela situação?
Não. E até digo mais: não só houve actos terroristas por parte do Hamas, como estamos perante uma política de terrorismo de Estado de Israel face ao povo palestiniano. Sabe que nós levámos muita porrada, falámos nisto há seis meses, pelas nossas posições sobre a guerra na Ucrânia, mas o que é engraçado ver é como é que os critérios mudam de um dia para o outro. Como é que os critérios daqueles que defendem armas para a Ucrânia, mais guerra na Ucrânia, mais na defesa do território, no exprimir da ideia da invasão, mas agora parece que os critérios mudaram completamente relativamente às questões da Palestina. Não acompanho a ideia de que estamos perante um conflito entre Israel e o Hamas, acho que isso serve para justificar o massacre que está em curso.

Vamos voltar à realidade nacional. Compreende que o primeiro-ministro se tenha demitido? Faria o mesmo?
Faria o mesmo, claro.

Mas acumulam-se sinais de que esta operação Influencer é fraca nos indícios, não é? E isso viu-se factualmente, não é um comentador a dizer isto, mas na forma como o juiz de instrução quase que não ligou às medidas de coação fortíssimas que o Ministério Público pedia. E o primeiro-ministro demitiu-se. Agora, vistas as coisas, precipitou-se ou não? E acha que a senhora procuradora-geral deve dar esclarecimentos?
Como disse, se estivesse nos sapatos do primeiro-ministro, certamente teria feito o mesmo. Porque acho que só não sente quem não é filho de boa gente e, portanto, nem me consigo imaginar numa situação daquelas. De repente, ver o meu nome envolvido num processo com aquela dimensão, fosse lá qual fosse. Acho que é normal, acho que foi uma atitude digna. A opinião que temos é que o que levou a essa sua decisão desse elemento central, fundamental, foi também um certo desgaste que o governo estava a sofrer, isso não há dúvida, até pela questão de não responder aos problemas que as pessoas vivem e a contestação estava a aumentar.

E a procuradora-geral tem de dar esclarecimentos?
Há uma questão, e vou responder à sua pergunta, mas permita-me que passe a esta introdução. Há uma questão que referimos logo no dia 7 de Novembro e que tivemos oportunidade de transmitir ao Sr. Presidente da República, que é, a bem da justiça, a bem da sociedade e a bem da democracia, é preciso que este caso vá até ao fim o mais depressa possível, dentro dos limites dos prazos da justiça, que às vezes são um bocadinho mais longos do que aquilo que gostaríamos. Mas que vá até ao fim no seu esclarecimento total e que se tirem todas as conclusões e responsabilidades que aí decorrem para todos os que estão envolvidos.

Ou seja, para ministros que estejam envolvidos ou venham a estar, para os políticos e também para os próprios intervenientes judiciais.
Não há casos de justiça mais importantes que outros, ou melhor, não deveria haver casos de justiça mais importantes que outros, nem uns que exigissem mais rapidez que outros, mas isto não é um caso qualquer. Estamos a falar de acusações de grande dimensão e precisam de ser clarificadas.

Mas a procuradora-geral deve retirar consequências das conclusões deste processo, é isso que quer dizer?
Acho que a senhora Procuradora-Geral da República deve empenhar-se dentro dos poderes que tem, não mais do que aqueles que tem, para contribuir para que o mais depressa possível este processo vá todo até ao fim, seja todo esclarecido, e que daí retirem todas as conclusões que daí decorram.

Sente que estamos a chegar àquele ponto em que os decisores políticos já não são escolhidos pelos eleitores, mas passaram a ser, de certa forma, escolhidos pelos procuradores?
Não, não pode ser.

Há quem fale de um golpe de Estado constitucional.
Sim, mas não só não acompanho essa afirmação como estou certo de que não estamos nessa situação. Mal de nós se estivéssemos nessa situação.

Vamos falar também de Mário Centeno, um nome que foi apontado para primeiro-ministro. O Governador do Banco de Portugal tem condições, na sua opinião, para continuar no cargo que desempenha hoje?
Acho que tem por duas razões, uma formal e outra informal, diria assim: a formal é porque terá havido uma reunião do Conselho de Ética do Banco de Portugal, que analisou todo esse processo e que, pelos vistos, considerou que não havia nenhum problema ou que não havia nenhum problema de gravidade tal, que levasse a que tivesse de se demitir. Essa é uma questão. A segunda, ainda do ponto de vista formal, é que todos conhecemos o Dr. Mário Centeno, as suas afinidades políticas, e, portanto, uma coisa é a pessoa em concreto e as opções políticas que tem e outra coisa é a instituição. O facto de eu ser comunista não faz com que se eu estivesse à frente do Banco de Portugal, o Banco de Portugal tivesse em causa a sua independência. Portanto, não é o caso do Dr. Mário Centeno. E talvez a questão mais simples, é que esse problema não é um problema, porque esse problema nunca chegou a existir a partir do momento em que o Sr. Presidente, na quinta-feira passada, decidiu aquilo que decidiu. Quando o Sr. Presidente decidiu anunciar ao país que ia convocar eleições, ou seja, garantir que o orçamento era aprovado, dissolver o Governo e convocar eleições, esse assunto passou a ser um não assunto.

E o Presidente fez bem nessa decisão que tomou?
O Presidente, com os dados que tinha, penso que aquilo que foi ouvindo, acho que fez bem.

Senti que houve um ziguezague na posição do PCP, porque o PCP na véspera disse que queria soluções e não eleições. E no dia seguinte disse que queria eleições e já, sem sequer ter de se aprovar o Orçamento.
Não, não houve. Houve foi falta de jeito da minha parte e explico já porquê: houve uma declaração, em que apontámos qual era a situação e que perante essa situação era preciso uma clarificação. Uma das saídas para essa clarificação, seriam as eleições. Foi isto que afirmámos. Depois, a uma pergunta de um colega vosso, que questionava se o país na situação em que estava precisava de eleições, respondi que não, que o que o país precisava não era de eleições, precisava era de soluções para os salários e para as pensões. Foi nesse seguimento. Tirou-se uma parangona dessa minha afirmação, que foi o que disse, não houve uma extrapolação em relação aquilo que disse.

Há uma segunda parangona, que é o secretário-geral do PCP a admitir que fez asneira.
Mas isso não tem problema nenhum.

Mas as eleições deveriam ser mais cedo?
As eleições deviam ser mais cedo, até porque há um ano e meio atrás tivemos um paralelismo muito grande com este calendário. Tivemos um orçamento que não foi aprovado no final de Novembro, uma Assembleia da República que foi dissolvida no seguimento disso e tínhamos o PSD nessa altura em processo de eleições internas e de arrumação da casa. O paralelismo é muito grande.

A quem é que serve este adiamento até Março?
Sinceramente, não vejo particulares beneficiários desse adiamento. Para já, há dois que não são beneficiários, que é a clareza e a rapidez da resposta aos problemas das pessoas. Esses são certamente os não beneficiários.

O aumento do IUC vai cair. Isso pode levar o PCP a mudar o sentido do voto ou não?
Vou ser claro: no dia 28 de Outubro, tivemos um encontro nacional do PCP sobre as questões da protecção civil. Há várias coisas com que nos preocupamos, com os bombeiros, com a protecção civil, e na intervenção final que fiz nesse encontro, houve uma coisa que afirmei e isso pode ser comprovado: o IUC vai cair, o governo vai deixar cair esta medida, disse eu. É injusta e o governo vai deixar cair. Foi uma lebre. Enquanto andámos aqui a discutir um mês o IUC e a injustiça do IUC, os 1600 milhões de benefícios fiscais para grupos económicos ninguém falou sobre isso, os mais 200 milhões de euros para as PPP ninguém falou sobre isso e, portanto, o IUC foi uma lebre. Já sabíamos, estava na cara que ia cair. Caiu pela injustiça, caiu pelo protesto, já sabíamos que era uma lebre de corrida. E o Governo pensava, porque agora o IUC caía e o orçamento passava a ser o mais à esquerda de sempre. Devia ser isso que o Governo pensava, mas engana-se.

Vamos falar também de europeias para terminarmos esta entrevista. Quando é que vamos saber quem é o cabeça de lista do PCP?
A situação de há uma semana baralhou esse esquema todo.

Atrasou a definição?
Não, não. É claro que estamos a pensar nisso, estamos a trabalhar nesse caminho e há calendários que se sobrepuseram e, portanto, é essa a grande alteração.

Mas há um papel em branco agora ou continuam lá dois ou três nomes e um deles está na sua cabeça?
Não, pelo menos têm de estar 25, porque a lista tem 25.

Vai ser o João Ferreira outra vez?
Já dei aqui um furo hoje, admitindo um tiro ao lado que dei, portanto, não me exijam mais um furo desse ponto de vista. Há uma coisa que posso garantir: da mesma forma que estamos muito confiantes e determinados para as legislativas que vão ser antecipadas, a própria campanha, a própria expressão e a composição da lista do Parlamento Europeu é no sentido de confiança e dinâmica.

Não nos dizendo quem é o cabeça de lista, pergunto-lhe sobre a abstenção, uma vez que vamos ter eleições em Março e depois em Junho. Teme que as europeias tenham realmente o pior resultado de sempre em abstenção?
Temos tido o ato eleitoral para o Parlamento Europeu sempre marcado por um grande nível de abstenção. Está ligado também de um certo afastamento das pessoas. Se cada uma das forças políticas em presença contribuir para a mobilização, para o voto, para a participação e para o esclarecimento, certamente que estaremos melhores.

Passou um ano como secretário-geral do Partido Comunista Português. Uma meta para o próximo ano, para o seu segundo ano de actividade?
Do ponto de vista eleitoral, para o ano é um ano desafiante, não estávamos a contar, mas vamos ter legislativas em Março, Parlamento Europeu em Junho e durante o próximo ano, ainda sem data naturalmente, as eleições nos Açores. E, portanto, além de querermos crescer para a Assembleia da República, além de querermos crescer para o Parlamento Europeu, queremos votar à Assembleia Regional dos Açores. Lá está, de forma muito genuína digo-lhes: para nós tem muita importância voltar, do ponto de vista político, etc., mas acima de tudo tinha uma importância estratégica para o povo açoriano, que bem merecia que a CDU voltasse ao Parlamento Regional.

DN
João Pedro Henriques (DN) e Rosália Amorim (TSF)
17 Novembro 2023 — 07:00


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 3 semanas ago

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