🇵🇹 OPINIÃO
Peço emprestado o título de Maria José Fernandes, em crónica no jornal Público, para que fique registada desde já a minha solidariedade com a procuradora-geral Adjunta.
As críticas que ela fez naquele texto são bem duras e dão que pensar, mas basta atender ao que sobre ela foi dito e escrito, por alguns dos jornalistas que alinham com alguns procuradores nos julgamentos em praça pública, para percebermos que ninguém está interessado em fazer autocrítica.
A principal reflexão da procuradora naquele texto prende-se com o respeito pela hierarquia do Ministério Público (MP) e a necessidade de o tornar efectivo, para evitar que as (más) decisões de alguns arrastem todo o MP.
Os problemas levantados por Maria José Fernandes fazem-nos recuar três anos, ao momento em que uma directiva da actual procuradora-geral da República determinou que a hierarquia pode intervir nos processos, “modificando ou revogando decisões anteriores”.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público decidiu impugnar a directiva que Lucília Gago queria “seguida e sustentada pelo MP” e, desde aí, que a Justiça está para decidir quem tem razão.
Na altura, o magistrado Rui Cardoso, ex-presidente do sindicato, considerou que se vivia “o dia mais negro da história democrática do Ministério Público português” que “morreu como magistratura”. Não caiu o Carmo e a Trindade.
Considerações assim tão definitivas, em defesa da corporação, têm sempre como pano de fundo a autonomia do MP, como se essa autonomia se aplicasse em exclusivo à base da pirâmide. A hierarquia teria de assumir toda a responsabilidade, sem poder intervir no processo, como se, afinal, não fosse importante a autonomia do MP, de todo o MP.
De igual maneira, quando Rui Rio propôs que no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) os magistrados do MP perdessem a maioria da sua composição também era a Democracia que estava a ser atacada, a autonomia a ser desfeita, os políticos a quererem controlar o MP.
O CSMP é “o órgão superior de gestão e disciplina por intermédio do qual se exerce a competência disciplinar e de gestão de quadros do Ministério Público”, mas poucos estranham que sejam os próprios a apreciar o mérito profissional dos magistrados. Depois desta “afronta”, aconteceram as buscas a casa de Rui Rio e à sede do PSD, por causa de uma prática comum a todos os partidos?
É só um exemplo da discricionariedade com que podem actuar alguns magistrados do MP. Tudo isto acontece com as televisões avisadas para poderem filmar. Como se isto não chegasse, leia-se o exemplo que trouxe Maria Lurdes Rodrigues.
A reitora do ISCTE dizia este fim de semana, na TSF, que “não é aceitável que a Justiça tenha 70% dos processos inconclusivos”. Alguém pode dizer o contrário? E o que é que acontece aos magistrados que, por incompetência ou outra coisa qualquer, conseguem falhar de forma tão persistente? Nada! Quando tudo acontece em nome da sacrossanta autonomia, tudo é tolerado.
Azar mesmo é querer pôr o dedo na ferida, separar o trigo do joio, criticar o caminho seguido por alguns magistrados, lembrando que outros fazem um trabalho altamente meritório. Para quem ousa revelar a sua independência, sem medo de assumir a responsabilidade pelo que diz, há um processo disciplinar que pode levar à sua demissão. Foi assim que chegámos aqui.
Não vem mal ao mundo que se avalie se Maria José Fernandes cometeu alguma infracção disciplinar, a mim parece-me apenas o exercício da liberdade de expressão. O que falta mesmo é que se avalie tudo o resto.
Jornalista
DN
Paulo Baldaia
27 Novembro 2023 — 07:00
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 3 dias ago