“Um Putin mais fraco significa um Lukashenko mais fraco”

 

🇧🇾 BIELORRÚSSIA // 🇧🇾 OPOSIÇÃO // DITADURA

A líder da oposição tomou o lugar do marido no boletim de voto das presidenciais de 2020, depois de ele ser preso. Alexander Lukashenko foi declarado vencedor, mas a oposição denunciou fraude e Sviatlana Tsikhanouskaia acabou por ir para o exílio, de onde continua a luta contra o regime.

© Leonardo Negrão/Global Imagens

Sente que, devido à guerra entre Israel e o Hamas, o foco do mundo se afastou da Europa, da Ucrânia e ainda mais da Bielorrússia?
Desde 2020 que percebi que a capacidade de atenção é muito pequena. E, à medida que o tempo avança, temos que trabalhar mais e mais para atrair a atenção. Mas a mensagem que quero passar ao mundo é que todos estes conflitos são parte de um só puzzle. Vemos como os ditadores estão a criar alianças, estão a aprender uns com os outros como atingir de forma mais dolorosa os valores democráticos. Na nossa região, as ditaduras viram que não houve uma reacção forte e decisiva aos eventos na Bielorrússia. Por isso testaram a próxima linha vermelha, a Ucrânia. Os mísseis arruinaram as cidades, milhares de pessoas tiveram que fugir. Foi ainda mais cruel do que na Bielorrússia. E continuaram a matar pessoas. A questão é, qual é a próxima linha vermelha? Eles estão a testar, a testar, e claro que estão a testar também a reacção do mundo democrático, qual vai ser a nossa resposta. E se não houver determinação, eles percebem isso como fraqueza. E dizem: “OK, podemos ir ainda mais longe. Avançar um pouco mais para a próxima linha vermelha.” Mas, voltando à nossa luta, que já dura há anos, nós conseguimos encontrar muitos aliados no mundo democrático que realmente sentem a dor do povo bielorrusso e querem ajudar. Talvez não haja ferramentas suficientes ou talvez, por vezes, não haja vontade política, mas a Bielorrússia não desapareceu totalmente, só temos que trabalhar mais para mostrar que estamos aqui e para que não nos esqueçam.

O futuro da Bielorrússia está ligado à Ucrânia. Acha que é possível uma solução para a Bielorrússia antes do fim da guerra na Ucrânia?
Não tenho uma bola de cristal, mas temos que ser realistas e perceber que a guerra na Ucrânia poderá demorar muito, muito tempo. Sinto pena de dizer isto assim. Mas a Rússia tem recursos para manter este conflito congelado durante anos. Claro que para o povo da Bielorrússia a vitória da Ucrânia representará uma nova oportunidade para a nossa revolta, porque a vitória da Ucrânia significará um [Vladimir] Putin mais fraco e um Putin mais fraco significa um [Alexander] Lukashenko mais fraco. Mas isso não significa que tenhamos que ficar sentados à espera até os ucranianos vencerem. Pode levar meses, anos… E a nossa tarefa é manter o regime de Lukashenko exausto, manter o regime em stresse, manter as pessoas da Bielorrússia mobilizadas. E quem sabe o que poderá ser o gatilho. Por exemplo, quando houve a marcha do Prigozhin [líder do Grupo Wagner] sobre Moscovo, poderia ser esse o gatilho para o nosso povo, porque imediatamente recebi milhares de mensagens de dentro da Bielorrússia tais como “talvez seja agora, diz-nos o que temos que fazer”.

Essa revolta foi travada e o que aconteceu foi que a Rússia mudou as armas nucleares tácticas para a Bielorrússia, pondo-as “nas mãos de um ditador”, como disse na altura. Sente que os bielorrussos podem acabar por ser arrastados para a guerra na Ucrânia?
Antes de mais, não temos a certeza se há armas nucleares na Bielorrússia. Eles disseram que há, talvez haja sinais de que estão a levar algo para a Bielorrússia… Mas porque é que há tanta conversa sobre as armas nucleares? Esta incerteza – estão as armas lá, vão usá-las ou não – cria um stresse adicional ao povo bielorrusso e aos nossos vizinhos. Outra ameaça que vejo com o destacamento de armas nucleares é que com esse destacamento a Rússia quer ancorar a sua presença durante anos na Bielorrússia. É como cães a marcar o território. Este é o meu território, a minha arma nuclear está ali. Mas, na realidade, vejo que o mundo não fala muito das armas nucleares, que são uma enorme ameaça ao nosso país, em primeiro lugar, mas também aos nossos vizinhos. É a tarefa dos ditadores manter a democracia, o mundo democrático em stresse, dispersar as opiniões e capacidades. Porque agora Israel precisa também de ajuda militar e o mundo correu a ajudar Israel com enormes quantidades de dinheiro em assistência, e imediatamente os que estão na Ucrânia pensam que, ao longo de quase dois anos de guerra, receberam menos apoio do que havia ou vão receber agora menos. Eles querem criar este confronto, estas crises. É a táctica dos ditadores e penso que a melhor arma do mundo democrático é a união e a consistência.

Há sempre rumores sobre o estado de saúde de Lukashenko. O que acontece se ele morrer? O regime está totalmente dependente dele ou pode sobreviver?
Normalmente, uma ditadura está concentrada em torno de uma só pessoa, da imagem de uma só pessoa. O culto da personalidade. E tenho a certeza de que o regime de Lukashenko é muito frágil e pode dividir-se a qualquer momento. Entre os que estão à volta dele há muitos que são devotos dele, criminosos como ele, cometeram muitos crimes. Mas a maioria deles só está à sua volta por medo. E o seu desaparecimento levaria ao desmoronar do regime rapidamente.

Além das armas nucleares, há mais passos a serem dados na direcção de uma união com a Rússia. Como se sente com esse cenário?
Com uma dor enorme, porque vemos como Lukashenko está preparado para vender o nosso país, sacrificar a nossa soberania, para ficar no poder. Vemos como assina acordos com a Rússia, já estão nos nossos media, na nossa economia, na nossa esfera militar. Há um processo de russificação. É como uma guerra silenciosa. Há uma ocupação silenciosa do nosso país. E é por isso que é tão importante ter uma posição da parte dos países democráticos de que todos os acordos, após as eleições fraudulentas, nunca sejam reconhecidos como legítimos. Se não reconhecem Lukashenko como legítimo, ele não tem o direito de assinar nada em nome do povo bielorrusso. Declarem-no agora. Porque ele pode, na realidade, já ter vendido o nosso país e nós não sabemos. É doloroso. Mas penso que Lukashenko pode vender tudo aos russos mas não pode vender a nossa dignidade nacional. É impossível subjugar uma nação que não quer ser subjugada. É o mesmo com a Ucrânia, tenho a certeza de que se lembram que os russos pensavam que os ucranianos os iriam receber de braços abertos. É igual na Bielorrússia. É por isso que querem destruir tudo o que seja bielorrusso.

Tem uma fotografia do seu marido , o activista Siarhei Tsikhanouski, na sua pasta. Posso perguntar se mantém o contacto com ele na prisão?
Há três anos que ele está na prisão. Mas no último ano o regime começou uma nova táctica para com os presos bielorrussos. Muitos deles são mantidos em modo incomunicável. Antes, um advogado podia visitar o meu marido. Os meus filhos podiam enviar-lhe cartas. Mas há oito meses que não sei nada dele. Os advogados não são permitidos, os meus filhos não recebem cartas. Eles continuam a escrever, mas não recebem nada em troca. É mais uma vez uma questão de incerteza. Não saber o que está a acontecer. Se ele está vivo. Claro que é um stresse para os familiares. Mas penso que esta táctica é dirigida, antes de mais, àqueles que estão presos. Querem quebrá-los. Querem persuadi-los de que o seu sacrifício foi em vão, que as pessoas se esqueceram deles. Que ninguém lhes liga, que ninguém os vai visitar. Mas espero que as pessoas que estão na prisão saibam que isso não é verdade, que é algo que está a ser feito de propósito. É fácil acreditar, quando estás sob constante humilhação física e moral. Mas acredito na força interna deles. Que eles acreditam em nós. Que eles sabem que estamos a fazer isto por eles.

Quantos presos políticos há actualmente?
Falando honestamente, é muito difícil saber, porque há cerca de 15 a 20 detenções todos os dias na Bielorrússia. Só em Outubro, cerca de 500 processos criminais foram abertos com acusações politicamente motivadas. Mas muitos familiares não querem que os prisioneiros sejam reconhecidos como presos políticos, porque a atitude em relação a eles é muito pior. E as pessoas têm medo de se candidatar aos centros de defesa dos direitos humanos. Isto porque a pressão começa nas famílias dos prisioneiros. É todo um sistema de ameaças. Nós temos de certeza, segundo os centros de defesa dos direitos humanos, cerca de 1700 prisioneiros políticos. São aqueles que são reconhecidos e que as famílias aceitam que sejam reconhecidos como tal. Mas o número real pode ir até cinco mil pessoas. É muito.

Em Fevereiro haverá eleições locais e parlamentares. A oposição está a boicotar essas eleições?
Ainda estamos a discutir com as forças democráticas o que devemos fazer durante este período. Antes de mais, não reconhecemos quaisquer eleições. Não há espaço político para a realização de eleições. Claro que o regime de Lukashenko pode realizar este procedimento, ou ritual, ou o que queira chamar, mas as pessoas sabem que é tudo falso e não queremos participar nisso. Mas estamos a construir as instituições democráticas no exílio neste momento. Por isso talvez usemos esta farsa na Bielorrússia para envolver as pessoas em procedimentos democráticos. E é claro que a mesma questão se coloca em relação a 2025, às alegadas eleições presidenciais. Pedimos à OSCE para que, se possível, envie uma missão preliminar para a Bielorrússia para que diga, de forma firme, que não há espaço democrático, que existe um deserto político na Bielorrússia. E há também alguns peritos que dizem que Lukashenko tem medo do povo bielorrusso, de qualquer manifestação, que tem medo de provocar a nova onda de revolta. E que talvez não vá realizar qualquer eleição, mesmo falsa. Mas quanto aos nossos aliados internacionais espero que vejam o verdadeiro rosto da ditadura e que parem estas tentativas de reeducar, de apaziguar.

O que é que Portugal e a União Europeia podem fazer para ajudar?
Quando deputados, políticos, diplomatas me perguntam o que mais podem fazer para ajudar, respondo sempre: fazer correctamente aquilo que já começaram a fazer. Porque vi que muitas iniciativas começaram mas desapareceram pelo caminho. Uma coisa simples: as sanções. Vocês impuseram sanções contra o regime, mas deixaram tantas brechas que elas podem ser facilmente contornadas. E o nível das trocas comerciais aumentou desde a imposição de sanções. Então fechem essas brechas, encontrem mecanismos para garantir a aplicação das sanções. Acabem o que começaram. Ou, por exemplo, privem o regime de espaço político na arena internacional. Não reconhecem Lukashenko como legítimo mas não o privam do seu espaço político. Nunca convidem as suas delegações para qualquer evento, porque estas pessoas espalham mentiras. E, se não os convidam, convidem o outro lado, as forças democráticas bielorrussas, dêem voz às pessoas. O que acontece é que às vezes as delegações pró-regime não são convidadas, mas por causa das restrições não nos podem convidar também. Dizem-nos: “Vejam, deixámos uma cadeira vazia. Significa que não reconhecemos o regime de Lukashenko.” Mas a cadeira vazia é zero de voz. E a nossa voz não será ouvida nesta reunião. Façam isto. É uma questão de consistência. E providenciem assistência às pessoas para continuarem a lutar. É tão difícil lutar quando estamos sozinhos! Precisamos de fortalecer a sociedade civil, fortalecer os nossos media para contrariar a propaganda. A Rússia põe milhões e milhões de euros na propaganda bielorrussa, e nós, com a nossa capacidade reduzida, temos que lhe fazer frente. Temos que encorajar de alguma forma as pessoas para que mantenham o seu espírito vivo. E quando as pessoas sentem que foram abandonadas é muito difícil.

Também quer que Lukashenko seja acusado…
Claro, também estamos à procura de responsabilização para o regime de Lukashenko. Abram as portas das vossas instituições que têm um mandato para levar os ditadores à justiça. Nós, como pessoas responsáveis, reunimos dossiês e dossiês de provas dos crimes. É vossa obrigação abrir uma investigação. Porque é que não o fazem? Já passaram três anos. Há um desastre humano no nosso país e as pessoas estão a morrer nas prisões.

Quem é pior, Lukashenko ou Putin?
É impossível responder, teria que comparar todos os ditadores. Mas o que acontece é que os ditadores estão a aprender uns com os outros. Pode ser que esteja errada, mas parece que Putin usou a Bielorrússia como local de teste, para testar a crueldade.

E Lukashenko é da mesma aliança de ditadores. E agora estão a testar as linhas vermelhas. Eles são o mesmo, têm o mesmo objectivo final.

susana.f.salvador@dn.pt

DN
Susana Salvador
19 Novembro 2023 — 00:18


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 2 semanas ago

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60: Marcelo avisou que saída de Costa levaria a dissolução da Assembleia da República

 

🇵🇹👎🗣️🗳️ ELEIÇÕES ANTECIPADAS

Em 30 de Março de 2022, na cerimónia de tomada de posse do actual Governo, o Presidente da República deixou um aviso público ao primeiro-ministro de que não seria “politicamente fácil” a sua substituição a meio da legislatura.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, avisou que nesta legislatura, com maioria absoluta do PS, a eventual saída de António Costa do cargo de primeiro-ministro, que agora se verifica, levaria à dissolução do parlamento.

Em 30 de Março de 2022, no discurso que fez na cerimónia de posse ao XXIII Governo Constitucional, o terceiro chefiado por António Costa, o chefe de Estado deixou um aviso público ao primeiro-ministro de que não seria “politicamente fácil” a sua substituição a meio da legislatura.

“Deram a maioria absoluta a um partido, mas também a um homem, vossa excelência, senhor primeiro-ministro, um homem que, aliás, fez questão de personalizar o voto, ao falar de duas pessoas para a chefia do Governo”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

“Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que vossa excelência sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho”, acrescentou, dando a entender que nesse caso convocaria legislativas antecipadas.

Em 24 de Janeiro deste ano, quando passaram sete anos desde a sua eleição como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa reiterou esse aviso, em termos ainda mais definitivos: “Se mudar o primeiro-ministro, há dissolução do parlamento”.

O chefe de Estado referia-se à “hipótese teórica de aparecer um outro primeiro-ministro da área do PS” a meio da legislatura, que excluiu.

“Porque esta maioria formou-se com um primeiro-ministro que concorreu não só como líder do partido, mas a líder do Governo. Foi muito importante, eu disse isso no discurso de posse e, portanto, estava fora de causa, quer dizer, com outro primeiro-ministro haveria dissolução do parlamento”, argumentou na altura.

Ao longo destes dois anos e meio, especulou-se sobre a possibilidade de António Costa querer sair a meio da legislatura para ocupar um cargo europeu, cenário que o próprio afastou.

Hoje, o primeiro-ministro apresentou a demissão ao Presidente da República, que a aceitou, depois de o Ministério Público ter anunciado que é alvo de inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça sobre projectos de lítio e hidrogénio.

De manhã, foram realizadas buscas em gabinetes do Governo, incluindo na residência oficial de São Bento, visando o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, que foi detido para interrogatório.

Marcelo Rebelo de Sousa convocou os partidos com assento parlamentar para quarta-feira e o Conselho de Estado para quinta-feira, “ao abrigo do artigo 145º, alínea a) e da alínea e), segunda parte” da Constituição.

Estas duas alíneas são sobre competências do Conselho de Estado e estabelecem que compete a este órgão de consulta “pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia da República”, mas também, “em geral, aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções”.

O Presidente da República irá falar ao país imediatamente a seguir à reunião do Conselho de Estado, marcada para quinta-feira às 15:00 no Palácio de Belém.

Na comunicação que fez hoje ao país, o primeiro-ministro declarou-se de “cabeça erguida” e “consciência tranquila” e justificou a sua demissão defendendo que “a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e, menos ainda, com a suspeita da prática de qualquer ato criminal”.

António Costa apresentou a demissão ao fim de quase oito anos em funções como primeiro-ministro, cargo para o qual foi empossado em 26 de Novembro de 2015 pelo então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

O actual Governo resultou de uma dissolução do parlamento e de eleições legislativas antecipadas, realizadas em 30 de Janeiro de 2022, na sequência do chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022 na generalidade, no início do segundo mandato presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa.

DN/Lusa
07 Novembro 2023 — 16:14


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 3 semanas ago

 

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