172: O mito de Evita está vivo, mas valerá ainda votos?

 

🇵🇹 OPINIÃO

Dar um passeio por Boca para ver as fachadas coloridas do bairro onde Maradona fez a ascensão para o estrelato futebolístico e onde não faltava numa varanda um boneco do Papa Francisco. Tirar uma selfie com Mafalda, a miúda idealista e mordaz saída da imaginação de Quino e imortalizada de vestido verde num banco de rua.

Ou fazer uma outra fotografia com a estátua de Maradona no jardim frente ao Cemitério da Recoleta, com os turistas, na época, a preferirem El Pibe ao Messi a seu lado, então ainda sem um Mundial no currículo para atrair os fãs. São muitos os encantos de Buenos Aires que o turista europeu não pode deixar de visitar.

Mas naquele verão de 2014 – inverno por aquelas bandas do hemisfério sul – houve mais duas atracções inevitáveis naquelas férias em família: as casas-museu de Carlos Gardel e de Evita Perón.

Gardel e Evita, dois mitos trágicos desta Argentina agora nas notícias por ir escolher novo presidente este domingo. Ele é a grande voz do tango, fruto do cosmopolitismo desta “Paris da América do Sul”, que o mistério acompanhou desde o nascimento – reza a história que terá sido em França, mas o Uruguai não desiste de o reclamar como seu, mesmo se foi na Argentina que cresceu e se tornou famoso – até à morte, aos 44 anos, na queda da avioneta que o levava a um concerto na Colômbia.

Ela, a menina pobre nascida Eva Duarte, a actriz que casou com Juan Perón, o general que foi o político mais poderoso da Argentina no século XX, e se tornou heroína dos descamisados.

Ora se Gardel ainda pode ser disputado por outros, Evita é a Argentina 100%. Na sua casa-museu no Bairro de Palermo, onde viveu com a família, ficamos mergulhamos na sua vida através de objectos pessoais, lembranças familiares, vídeos, como o do seu impressionante funeral, e, claro, os vestidos.

Dona de um carisma em tudo contrário à sua diminuta estatura, Evita teve ainda tempo, antes de morrer, aos 33 anos, de garantir o direito de voto às mulheres e de encantar líderes estrangeiros, mesmo um cinzentão Salazar que a recebeu ao lado do Presidente Óscar Carmona para um banquete no Palácio de Belém, como mostram as fotografias no arquivo do DN.

Mas é a sua luta em defesa dos mais pobres a herança que o peronismo reivindica até hoje. Fenómeno muito argentino, dificilmente definível como de esquerda ou de direita, ainda hoje a força dos seguidores de Perón é tal que conseguiu que Sergio Massa passasse à segunda volta destas presidenciais, apesar de ser o ministro da Economia de um Governo incapaz de controlar a inflação. Pela frente tem Javier Milei, um populista cuja ideologia se poderia definir como anti-peronista e ainda mais além.

Um homem que apesar das patilhas à Carlos Menem é tudo menos nacionalista – basta pensar que a sua heroína política é Margaret Thatcher, a primeira-ministra britânica que derrotou a Argentina na Guerra das Falkland/Malvinas. “Trump diz: “Make America great again“. Bolsonaro diz “Brasil por cima de todos”. Milei diz: “Viva a liberdade, carajo“. Não diz Argentina. Não é um nacionalista”, explicava há dias em entrevista ao DN o académico argentino Andrés Malamud.

No domingo cabe aos argentinos decidir se preferem o conforto do velho peronismo, mesmo com todos os seus vícios, ou a incerteza de um país entregue às mãos de Milei.

E Evita? O mito continua bem vivo – afinal ainda há dias, no concerto que deu em Lisboa, ouvi Madonna presentear a audiência com uma interpretação de Don”t Cry for Me Argentina, voltando por momentos a vestir a pele da heroína que interpretou no musical de 1996. Mas valerá em Buenos Aires, Rosário ou Córdoba os votos que Massa tanto precisa?

Editora executiva do Diário de Notícias

DN

18 Novembro 2023 — 00:02


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 2 semanas ago

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