🇵🇹 OPINIÃO
Um dos maiores flagelos actuais da sociedade portuguesa é a pobreza em que se encontra uma parte da população.
A Pordata, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulgou recentemente um retrato da pobreza em Portugal, segundo o qual 1,7 milhões de pessoas encontram-se em risco de pobreza, o que significa que dispõem de menos de 551 euros por mês para fazer face às suas despesas.
Este número não surpreende quem tem acompanhado a trajectória da pobreza em Portugal nos últimos anos, embora seja especialmente preocupante tendo em conta o contexto em que surge.
Por um lado, no contexto de inflação muito acentuada, a mais elevada dos últimos 30 anos. Com efeito, é preciso recuar 30 anos para encontrar uma taxa de inflação superior à de 2022 (7,8% vs. 9,6% em 1992).
Desde que há registo, o pico da inflação ocorreu em 1984 (28,5%) e, desde meados de 1995, a inflação foi sempre inferior a 4,5%. Nos anos mais recentes, temos de recuar a 2017 para encontrarmos uma subida nos preços superior a 1,3%.
Por outro lado, no quadro de um aumento significativo do preço da habitação. Em 2022, Portugal viu aumentar o preço de compra das casas, comparativamente a 2015, em 90%, valor acima do registado a nível da União Europeia, de 48%.
Desde 2019 que Portugal está entre os quatro países da UE com maior aumento dos preços das casas, acompanhado pela Hungria, Chéquia, Lituânia e Luxemburgo.
Confrontando o aumento das casas com a variação dos salários médios, verificamos que, face a 2015, os salários em Portugal aumentaram 20%, muito aquém do aumento de 90% das casas.
Isto significa que, a menos que estes factores se alterem de forma significativa nos próximos meses, há um risco real de a situação se agravar.
As medidas de aumento de salários, ou mesmo do salário mínimo, acabam por ser anuladas pelo efeito inflacionista. Como mostra este retrato, em Setembro de 2023, os produtos do cabaz de compra representativos das despesas das famílias, estiveram, em média, 12,2% mais caros do que no início de 2022.
Actualmente, com um salário de 1000€, conseguimos comprar apenas as mesmas coisas que, no início de 2022, comprávamos com 892€, havendo, assim, uma perda de poder de compra de 108€. O salário mínimo, fixado em 760€, vê reduzir o seu poder de compra para 678€ e as pensões mínimas para 260€.
Os dados também mostram que a maioria das despesas dos portugueses é em bens essenciais tais como alimentação e habitação, deixando pouco disponível para outras despesas ou mesmo para a poupança.
Mais uma vez, a habitação tem aqui um peso relevante. O preço das rendas registou um aumento face a 2015 de 15,8%, quando na UE27 esse valor se fixou nos 10%. Portugal foi o 12 país a registar maior subida.
Em 2022, quase um terço dos inquilinos (29,4%) estava em situação de sobrecarga financeira com as despesas com a habitação, ou seja, pelo menos 40% do seu rendimento destinava-se a suportar os custos da renda da casa.
Só entre 2012 e 2016 é que a sobrecarga afectou mais de 30% do total de inquilinos, chegando mesmo aos 36% em 2012. Na UE27, a sobrecarga financeira com a habitação atinge um quinto dos inquilinos (21%) e, desde que há registos, nunca ultrapassou os 27,1%.
Estes dados revelam um quadro preocupante. Não apenas pelos valores absolutos de pobreza mas, sobretudo, pela enorme vulnerabilidade que revelam de uma parte da população a variações da conjuntura económica, em momentos de grande incerteza e de conflitos globais.
Tudo isto aponta para a necessidade de olhar com atenção para o problema e de concretizar as reformas necessárias para o mitigar.
Presidente do conselho de administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos
DN
Gonçalo Matias
02 Novembro 2023 — 00:36
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 1 mês ago