– Em tempo de greves na saúde, paralisações sucessivas, dissoluções políticas sem nexo, penso que o melhor seria os médicos não ficarem aderentes ao juramento de Hipócrates dado que este é desvirtuado na sua essência pelas condutas dos profissionais (médicos) de saúde. Uma verdadeira Hipocrisia! O mesmo se aplica aos enfermeiros. Quando as ideologias político-partidárias se sobrepõem ao dever de exercer a profissão em prol dos cuidados a prestar aos seres humanos, não existe qualquer tipo de dignidade no exercício da profissão.
🇵🇹 OPINIÃO
O meu pai era médico. E era um clínico geral fantástico, com uma especialização em tuberculose. Exerceu a sua actividade como clínico geral, depois de regressar de Goa, na Índia, após a invasão, primeiro num consultório na Praça da Figueira, que foi um desastre, e depois na Rua Luís de Camões na zona de Alcântara, que foi um sucesso.
Mas também fazia consultas aos doentes tuberculosos, no Dispensário da Ajuda, no chamado IANT, e umas Urgências Internas nocturnas no Hospital Pulido Valente, quando lá havia internados este tipo de doentes. Mas sempre me disse com imenso orgulho, apesar de na actividade anti-tuberculosa ser pago pelo Estado: “Eduardo, um médico nunca é um funcionário público.”
Com isto, não queria ofender aqueles que o são, queria apenas dizer que a nossa profissão não se balizava pelo cumprimento de horários rígidos, exigia disponibilidade permanente, compaixão e empatia quanto baste, e um enorme conhecimento e respeito pela natureza humana.
É verdadeiramente impressionante as vezes que me repetiu a frase: “Nós, os médicos, não somos funcionários públicos, mesmo quando é o Estado que nos paga em parte ou no total os nossos salários.”
Percebi desde muito cedo o que me queria transmitir, e nunca me considerei, na minha actividade no SNS, um funcionário público. Nunca pertenci a nenhum sindicato, nunca aderi a uma greve do funcionalismo público, tal como nunca fiz greve apenas por reivindicações salariais.
Embora reconheça que a Ordem dos Médicos não tem funções sindicais, a única vez que aderi a uma greve, foi quando os médicos foram acusados de ser adversários dos doentes e isso feriu de morte a nossa dignidade profissional. E, quando a fiz, fi-lo também na minha actividade privada, mantendo, no entanto, os atendimentos urgentes.
Senhor Bastonário, a Ordem dos Médicos tem de actuar. Não seja refém de um radicalismo sindical que, esse sim, pode destruir o SNS.
Respeito o direito à greve, tal como respeito a minoria dos meus colegas que são sindicalizados. Não tenho dúvidas de que os médicos são, desde sempre, muito mal pagos no SNS e que devem lutar por melhores salários, mas sempre achei que, mesmo sem funções sindicais, devia caber à Ordem dos Médicos a liderança de formas reivindicativas junto das tutelas governamentais que garantissem as melhores condições técnicas e deontológicas para o exercício da nossa profissão.
A Ordem dos Médicos não pode convocar greves, mas pode ser um interlocutor eficaz junto das tutelas, conseguindo fazer-se ouvir e respeitar, defendendo a classe médica, obrigando-as (as tutelas) a ter de dar condições para que possamos oferecer aos nossos doentes os melhores tratamentos.
Custa-me aceitar que os sindicatos médicos, tenham banalizado as greves como forma de luta para defender aumentos salariais. Tal como esta repentina escusa às horas extraordinárias me parece uma falta de respeito enorme pelos doentes. E custa-me ver os argumentos dos sindicatos, de que quer as greves, quer esta recusa às horas extraordinárias, são para defesa do nosso SNS.
É, quanto a mim, uma enorme hipocrisia. Estas radicais formas de luta, que prejudicam os doentes, são para defender interesses legítimos dos médicos, mas totalmente desproporcionais. Descredibilizam o SNS, prejudicam populações indefesas – a manterem-se, trarão, a curto prazo, incompreensões insanáveis.
Os médicos têm de defender os seus interesses, que neste momento passam por negociar melhores salários e arranjar um limite justo para o trabalho extraordinário, que nunca pode ser de apenas 150 horas anuais.
Somos poucos, e temos a nossa quota parte de culpa de ser-mos poucos. Os sindicatos parecem mais preocupados em competir entre si, do que tentar contribuir para uma solução.
Mas, por favor, parem com o demagógico argumento de que estão a defender o SNS. Não estão! Estão a aterrorizar grandes sectores populacionais, e não serve o argumento de que, a acontecerem tragédias, a culpa é apenas do Governo.
Recordemos o que dizia o meu querido Pai: mesmo pagos pelo Estado, os médicos não são funcionários públicos como os outros, mas devem ter direito a salários e regimes de trabalho dignos.
Agora, defender que 35 horas semanais e 12 horas de Urgência é, no momento actual, uma revindicação sensata é um absurdo total. Com esse regime de trabalho não servimos com competência quem precisa de nós, nem os mais velhos podem ajudar a formar, na maioria das especialidades, jovens médicos competentes.
A situação actual é insustentável e, independentemente das responsabilidades do Governo, o prestígio da classe médica está em risco. Senhor Bastonário, a Ordem dos Médicos tem de actuar.
Não seja refém de um radicalismo sindical que, esse sim, pode destruir o SNS. E os portugueses não nos perdoarão. Escrevi com o coração ao pé da mão – sou assim, não há volta a dar!
Cirurgião.
Escreve com a antiga ortografia
DN
Eduardo Barroso
11 Novembro 2023 — 00:35
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 4 semanas ago