236: A data que divide esquerda e direita. O que aconteceu, afinal, no 25 de Novembro?

 

🇵🇹 PORTUGAL // 25 NOVEMBRO 75

A crise de 25 de Novembro de 1975 é um dos episódios mais controversos da história recente portuguesa. Esquerda e direita mantêm divergências quanto ao que aconteceu de facto nessa altura, e quanto à comemoração ou não da data.

Pedro Ribeiro Simões / Flickr
Vasco Lourenço, capitão de Abril

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) vai assinalar os 48 anos do 25 de Novembro de 1975 com várias iniciativas na cidade. Isto apesar de os partidos da oposição no município terem votado contra a ideia do presidente Carlos Moedas.

O autarca defende a celebração notando que o 25 de Abril de 1974 pôs fim à ditadura do Estado Novo, mas sublinha que “só em Novembro se cumpriu Abril”.

Moedas salienta ainda que “há datas que temos a obrigação ética e social de não esquecer”, “a bem da democracia e da liberdade”, e “a bem das novas gerações”.

A Iniciativa Liberal (IL) também vai assinalar a data durante a 6.ª edição da Festa da Liberdade, um jantar comício que decorre sábado, no Porto. O presidente do partido, Rui Rocha, assinala que a IL “é o único partido que celebra com igual entusiasmo o 25 de Novembro e o 25 de Abril”.

O também deputado da IL salienta que quer “dar um sinal de que Portugal não é sequestrável pelo radicalismo de esquerda“.

Partidos como o PS, que sempre tiveram esta data também como uma data fundadora da democracia, neste momento, estão envergonhados ou mesmo retirados da celebração do 25 de Novembro, quando isso é uma data fundamental na própria história do PS”, critica ainda Rui Rocha.

O presidente da IL também se atira aos “partidos radicais de esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda”, notando que “não reconhecem a importância do 25 de Novembro” e que “têm mesmo uma posição contrária aos valores” da data.

Sem Novembro nunca se teria cumprido Abril. O 25 de Abril derrubou uma ditadura, o 25 de Novembro impediu que fosse imposta outra ditadura aos portugueses”, aponta ainda a IL em comunicado.

O que aconteceu a 25 de Novembro de 1975

Este é um dos episódios mais controversos da história recente portuguesa. O país esteve “muito próximo da guerra civil”, como assegura, em declarações ao podcast do Expresso “A história repete-se”, o coronel Vasco Lourenço que viveu aqueles dias tensos marcados por um ambiente de alta tensão no seguimento da Revolução do 25 de Abril.

O então Presidente da República, General Francisco Costa Gomes, decretou o estado de sítio nesse 25 de Novembro fatídico de 1975.

Num clima de grande instabilidade governativa, “havia provocações permanentes” entre direita e esquerda, conta Vasco Lourenço, recordando que houve vários episódios tensos, nomeadamente com a “Assembleia Constituinte cercada” e a “greve do Governo” que suspendeu funções.

Em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso), os militares mantinham um grande peso no equilíbrio de poder num ambiente de radicalização e de crescentes divergências entre PCP e PS, com Mário Soares a acusar os comunistas de quererem “controlar o processo político”.

À direita, os partidos queriam proibir o PCP.

A nomeação de Vasco Lourenço, visto como um moderado, para o comando da Região Militar de Lisboa, em substituição de Otelo Saraiva de Carvalho, numa tentativa de controlar os militares desta região, terá sido a faísca que despoletou a revolta no seio das Forças Armadas, onde havia várias facções em divergência.

Vasco Lourenço identifica várias “tendências” dentro do MFA [Movimento das Forças Armadas] e nota que até o “Grupo dos Nove” de que fazia parte, e que foi essencial na crise do 25 de Novembro, se dividia em diferentes correntes.

Havia os que defendiam “a continuação do 25 de Abril e a aprovação da Constituição”, mas também os que queriam uma “democracia musculada que era o sector spínolista” e a extrema-direita, nota.

Assim, neste clima de divergências, na manhã de 25 de Novembro, para-quedistas com ligações à extrema-esquerda ocuparam quatro bases da Força Aérea e o Comando Operacional em Monsanto, o que despoletou movimentações militares e civis.

O “Grupo dos Nove”, constituído por membros do Conselho da Revolução, designadamente Vasco Lourenço, Costa Neves e Melo Antunes, esteve na linha da frente da intervenção, contando com o apoio dos Comandos, e conseguiu conter as acções de revolta militar.

Os para-quedistas acabaram por “render-se” a 28 de Novembro de 1975.

Estes são, em termos genéricos, os factos. Mas a interpretação do que aconteceu, nomeadamente em termos de guerra de bastidores, diverge.

“Uma revolução pactuada entre PCP e MFA”

O historiador Fernando Rosas que esteve ligado ao PCP e ao Bloco de Esquerda considera que o 25 de Novembro foi “uma revolução pactuada sobretudo entre o PCP e o Grupo dos Nove, do MFA, ou seja, entre o Álvaro Cunhal e o Melo Antunes“, conforme sublinhava numa entrevista em maio deste ano ao podcast “Avenida da Liberdade” da Rádio Renascença.

“O país ficou virado de pernas para o ar”, mas não foi “bem uma contra-revolução”, analisava Rosas, salientando que “as conquistas revolucionárias fundamentais” foram “consagradas na Constituição de 1976”.

Houve “dois derrotados” no 25 de Novembro

Na análise de José Pacheco Pereira, também historiador, comentador político e ex-dirigente do PSD, houve “dois derrotados” no 25 de Novembro, “a extrema-esquerda militar” e os que queriam “proibir o PCP”.

“Em ambos os casos, quer uns quer outros, se ganhassem, podiam no limite abrir caminho para uma guerra civil, e a democracia ficaria em causa por muitos anos“, salienta Pacheco Pereira num artigo de opinião no Público.

“É a derrota das duas tentativas que torna o 25 de Novembro importante”, reforça, sublinhando que “apresentar o PCP como o “grande derrotado” do 25 de Novembro não tem qualquer fundamento”. “Ficou enfraquecido, mas ministros comunistas continuaram no Governo e algumas políticas de nacionalizações são posteriores ao 25 de Novembro”, realça.

Pacheco Pereira também fala dos riscos das comemorações do 25 de Novembro poderem ser usadas para “introduzir nos dias de hoje uma espécie de remake dos riscos de guerra civil do passado”.

E reforça que “os desejos de guerra civil em 1975 não vieram só de um lado, vieram dos dois, à direita e à esquerda”, e “ambos fizeram danos à democracia e ambos mataram”, conclui.

 Susana Valente, ZAP // Lusa
23 Novembro, 2023


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 6 dias ago

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12: Democracia portuguesa cai a pique em índice de avaliação dos cidadãos

 

🇵🇹 PORTUGAL // 🗳️ DEMOCRACIA // 🗣️ QUEDA

Portugal sofreu uma das maiores quedas no índice de representação política, num relatório anual sobre o Estado Global das Democracias, divulgado na madrugada desta quinta-feira, que revelou também que os alicerces da democracia estão a enfraquecer em todo o mundo, por falta de controlo político e judicial.

Viana do Castelo, 15/08/2022 – União das Freguesias de Barroselas e Carvoeiro decide o seu futuro como União de Freguesias
Barroselas – habitante de Barroselas insere o voto na urna.
(Rui Manuel Fonseca/Global Imagens)

No que diz respeito à representação política — o índice que mede a forma como os cidadãos se sentem representados pelos eleitos — Portugal caiu da posição 9 para a posição 22, no último ano, depois de já ter estado no terceiro lugar, em 2017, do ‘ranking’ de 173 países, num estudo do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA), uma organização intergovernamental com sede em Estocolmo (Suécia).

O IDEA salienta o facto de Portugal pertencer a um alargado grupo de países que caiu substancialmente nesse índice ao longo dos últimos seis anos, apesar de se manter numa boa posição, mesmo relativamente a outros países europeus.

Num outro relevante índice (dos 17 analisados), sobre a participação cívica (a forma como as pessoas procuram interferir no processo democrático), Portugal subiu sete lugares (do 76.º para o 69.º), relativamente ao ano anterior, continuando na primeira metade do ‘ranking’.

No índice de direitos cívicos, Portugal manteve o 31.º lugar que já tinha tido em 2021 e em 2017, contudo, no índice de Estado de Direito (um dos que revelou maior erosão a nível global), Portugal caiu apenas um lugar do 33.º para o 34.º, desde 2021, mas a queda desde 2017 foi de 12 lugares.

No seu relatório anual, intitulado “O Estado Global da Democracia 2023”, o IDEA sublinha que na Europa muitas democracias com fortes tradições registaram um declínio no seu desempenho democrático, incluindo a Áustria, os Países Baixos, Portugal e o Reino Unido, na categoria Estado de Direito.

Ainda assim, o continente europeu continua a ser uma das regiões com melhor desempenho em todo o planeta, havendo mesmo sinais encorajadores, sobretudo na Europa Central, de progressos significativos no desempenho democrático.

Democracias a tremer nas bases

Os dados recolhidos pelo IDEA também permitem perceber que os alicerces da democracia estão a enfraquecer em todo o mundo, com metade dos países a sofrer declínio por falta de controlo político e judicial.

O enfraquecimento das democracias está a ser amplificado pela erosão dos sistemas de controlo tradicionais — eleições livres, parlamentos e tribunais — que revelam progressiva dificuldade em garantir a eficácia das instituições, de acordo com o mais recente relatório do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA), uma organização intergovernamental com sede em Estocolmo (Suécia).

De acordo com o relatório, quase metade (85) dos 173 países inquiridos sofreu um declínio em pelo menos um indicador-chave do desempenho democrático nos últimos cinco anos, com base em 17 parâmetros que vão desde as liberdades civis à independência judicial.

Um dos factores mais sensíveis, a representação política, deteriorou-se mesmo em democracias que até agora tinham registado bom desempenho na avaliação do IDEA, como é o caso de Portugal.

O factor relacionado com o Estado de Direito — ilustrado pela independência judicial e pelo grau de ausência de violência política — enfraqueceu também a nível mundial, incluindo em países como a Áustria, a Hungria e o Peru.

Dois dos poucos sinais positivos deste relatório são o aumento da taxa de participação política e a diminuição dos índices de corrupção, especialmente em África, o que o IDEA atribui parcialmente à eficácia de agências de controlo político e instituições de defesa dos direitos humanos.

Assim, 2022 foi o sexto ano consecutivo em que os países com declínios líquidos ultrapassaram os países com avanços líquidos, o que representa a queda consecutiva mais longa desde o aparecimento de registos do IDEA, em 1975.

Estes declínios abrangem praticamente todos os continentes, em países que vão da Coreia do Sul ao Benim e ao Brasil, do Canadá a El Salvador e à Hungria.

“Actualmente, muitos países debatem-se até com aspectos básicos da democracia”, explicou o secretário-geral do IDEA, Kevin Casas-Zamora, lembrando que “muitas das nossas instituições formais, como os parlamentos, estão a enfraquecer”.

Ainda assim, Casas-Zamora admite que “há esperança de que os controlos e equilíbrios mais informais – desde os jornalistas aos organizadores de eleições e aos comissários responsáveis pela luta contra a corrupção – possam combater com êxito as tendências autoritárias e populistas.”

A participação política — uma medida do grau de envolvimento dos cidadãos na expressão democrática durante e entre as eleições — conheceu um reforço em muitos países, incluindo a Etiópia, a Zâmbia e as Fiji.

Ao mesmo tempo, muitas democracias estabelecidas têm vindo a sofrer retrocessos nestas principais categorias nos últimos cinco anos, desde declínios na igualdade dos grupos sociais nos Estados Unidos, na liberdade de imprensa na Áustria e no acesso à justiça no Reino Unido.

No relatório recomendam-se acções políticas para impulsionar a renovação democrática global, incluindo o apoio a tribunais independentes ou a protecção jurídica de instituições que monitorizam a transparência eleitoral e de organismos que investigam a corrupção

DN/Lusa
02 Novembro 2023 — 01:41


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 4 semanas ago

 

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