379: Escariotes

 

🇵🇹 OPINIÃO 💰

Muitos dos que estudam a morte de Cristo esbarram em Judas: trai-O por 30 moedas ou voluntariou-se para o mais vil papel da história a fim de que a missão fosse cumprida?

A saída de António Costa obriga-nos a voltar ao princípio: à missão, ao sucesso, ao acidente político de 7 de Novembro. E ao gabinete de São Bento, onde foram encontrados 76 mil euros em notas escondidas nos armários do chefe de gabinete.

Traído… António Costa? Não lhe passava pela cabeça tal, claro. Mas o principal problema desta história não é a descoberta do dinheiro. Ou mesmo a falha na avaliação da personalidade de Vítor Escária.

É, pelo contrário, a razão para a sua escolha. Porque o talento essencial de Escária passaria por monitorizar e acelerar a máquina do investimento dos fundos europeus. Desbloquear problemas.

Essa passou a ser a principal motivação do chefe do Governo: executar o PRR que ajudou a criar em Bruxelas, como resposta à estagnação da pandemia. E António Costa sabia que teria de lutar contra a própria legislação que emperra o investimento e que ele não conseguiu mudar em oito anos.

Antes de Vítor Escária, António Costa tinha tido como chefe de gabinete a jurista Rute Faden (atual presidente do Conselho Executivo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento) e Francisco André, igualmente jurista com experiência em assuntos europeus e actual secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.

Perfis claramente diferentes de Escária, economista, que entra apenas em 2020 e representa um salto de conceito. Tão grande, aliás, que chega a ser perplexizante, visto hoje.

Contudo… um ex-assessor económico de Sócrates com dinheiro vivo proveniente de Angola (como afirmou o seu advogado), não é uma circunstância absurda atendendo ao que se passou naquele mundo opaco narrado pela Operação Marquês.

Escária esteve também, por razões que o próprio não esclareceu ao Expresso, em contacto com o mundo de Ricardo Salgado no estranho caso do banco líbio comprado em parte pelo GES, o Aman Bank.

Quando se contrata um motorista especializado em altas velocidades, há sempre o risco de despiste. António Costa é a Lady Di do banco de trás de um Mercedes na Ponte d”Alma.

O país mergulha assim numa tragédia política e económica. Costa tenta que a linha de alta velocidade não fique meio ano parada, que os fundos comunitários mais importantes mantenham o ritmo, que os investidores internacionais não se assustem e continuem cá. O diagnóstico é claro: não podemos viver sem capital estrangeiro.

O caso “Influencer” trouxe à superfície essa inevitabilidade dos próximos anos: a dupla Costa-Galamba estava tão empenhada na dinamização das máquinas de investimento das grandes corporações da energia quanto estará o PSD, ou Pedro Nuno Santos se chefiar o Governo.

Porque, como disse anteontem a secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura, na COP-28, no Dubai, “não teremos transição climática se não for geradora de emprego”. E todos sabemos que a anestesia para os crimes ambientais nunca foi outra senão a da criação dos postos de trabalho.

Costa enfrentou ainda outro paradoxo. A União Europeia instala princípios e legislações que travam esta espiral desenvolvimentista sem limite, mas também é a própria UE a querer resultados para além desses limites. A proposta do lítio é essa: Portugal, a mina africana da Europa. Há que salvar a

Volkswagen, a Renault e a Peugeot-Citroen a qualquer custo. E sem baterias de lítio não conseguem, pensam. Por isso mesmo, quatro dias depois de pedir a demissão, o primeiro-ministro faz uma conferência de imprensa em São Bento a defender os processos de investimento para que este progresso não pare.

Repetiu o mantra, aliás, na última terça-feira, quando foi inaugurar uns navios eléctricos à Margem esquerda do Tejo (“a certa”, disse), sublinhando então que o país tem energia solar, eólica e hídrica, e deve ter também o lítio – como se não tivesse compreendido que foi exactamente isto que criou condições para o acidente: levar ou limite a legislação que protege áreas naturais e pequenas comunidades.

Já para não falarmos que a margem “certa” de Costa, subliminar, é também a margem esquerda do aeroporto – Alcochete ou Montijo – sobre a qual a Comissão Técnica Independente se pronunciará esta semana e com quem Escária falava sistematicamente. Uma nova cidade aeroportuária do outro lado. O betão virtuoso.

António Costa continuaria a alienar as jóias em nome do PIB. Há também que acelerar a exploração dos metais raros marinhos, porque os temos., etc…

Talvez não tenha ouvido a chefe do Governo da Islândia, que falou na COP-28, poucos minutos depois dele: “Temos também de fazer menos. Os sistemas económicos concentram-se em maximizar a produção e o consumo, em vez da sustentabilidade e do bem-estar”.

Simon Sebag Montefiore diz no livro O mundo – uma história da humanidade que “nenhuma época se apercebe da sua sorte até ter passado”. Se as novas gerações não votarem nem estimularem a consciência dos mais velhos, será exactamente assim.

Entretanto, sem notar, envolvido na bolha do poder, Costa, o político do Nissan eléctrico, equilibrado e por vezes vanguardista, envelheceu.

Jornalista

DN
Daniel Deusdado
03 Dezembro 2023 — 07:05


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer, Investigator, Astronomer and Digital Content Creator, desinfluenciador


published in: 3 dias ago

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270: Diferenças entre Sines e Montalegre F.C.

 

🇵🇹 OPINIÃO

Quem viu o patrocinador das camisolas do Montalegre F.C., no estádio do Dragão na sexta-feira passada percebe como o marketing compra as influências locais para anestesiar projectos verdadeiramente predadores.

O futebol é sempre a maneira mais fácil de calar os machos-alfa das comunidades e, portanto, cá está o adoçar das resistências de uma terra que, surpreendentemente, não se tem querido dobrar ao imperativo do interesse nacional/imperativo europeu do lítio. Porque, qual é o preço a pagar por estes bónus?

A destruição de uma paisagem candidata a Património Agrícola Mundial, além do consumo da reserva de água do Gerês (e Trás-os-Montes no caso de Boticas) impossível de quantificar em valor, num mundo a caminhar para a seca. Não há subida de divisão que se compare.

O data center de Sines tem problemas, mas não se aproxima do devorar da paisagem de Montalegre e Boticas para extrair lítio – e aproveitar apenas 10% de cada montanha de pedra extraída. Em Sines, está em causa cumprir a legislação numa zona profundamente delapidada, onde se constrói um barracão.

No lítio, o problema é mais profundo, ou seja, mais um caso-tipo de concessão de zonas com minérios em áreas protegidas ou nas imediações, numa febre desenvolvimentista que só vê o curto prazo.

Bastaria olhar-se para o desastre absoluto da herança salazarista na Serra da Arrábida para se compreender o que é destruir ecossistemas e paisagem, com prejuízos económicos no usufruto e no turismo, por séculos.

É, por isso, demasiado básico – confrangedor até – ver as aldeias e pequenas localidades serem seduzidas por brindes e rebuçados quando as consequências ficam para sempre. Foi exactamente assim na Barragem do Sabor, em 2008 – quando se arrasou um vale natural inestimável, mas igualmente turístico.

A EDP ofereceu carrinhas para as paróquias e pagou a actuação do coro da terra na Casa da Música. Houve sempre dinheiro a rodos (tostões) para pequeninas coisas na região e autarcas galvanizados com o progresso.

O desenvolvimento chegou depois com centenas de trabalhadores que ocuparam pensões e restaurantes na construção. Mas ,depois, a obra acabou e ficou aquilo. A natureza morta. Um rio que anda para trás e para a frente. Quantos rios há em Portugal sem uma grande barragem?

Desenvolvimento nacional? As seis barragens do Douro (Sabor, Tua e as já antes construídas no século passado) foram vendidas pela maioritariamente chinesa EDP por 2,2 mil milhões aos franceses da Engie, e o negócio conseguiu evitar um IMI substancial: 115 milhões para as autarquias de uma das zonas mais pobres do país.

Neste caso, a EDP, como já era dinheiro a sério, não partilhou a receita, nem o Ministério das Finanças foi capaz de definir até hoje se o imposto era devido ou não – está a ver os prazos prescreverem sem decidir…

Construir barragens, no século XXI, depois de tudo o que sabemos sobre a capacidade da energia solar e eólica, é um crime pesado.

E sim, a eólica também muda a paisagem, é um problema para as aves, mas passível de ir sendo mitigado à medida que a tecnologia vai reduzindo os impactos. O mesmo em relação à solar: é verdade que estamos a estender tapetes fotovoltaicos na paisagem.

Mas daqui a umas décadas, eles saem facilmente dali, porque já haverá outras opções mais eficientes, e as terras recuperam, porque não foram devoradas, como na mineração.

Portugal tem Sol, tem vento, tem energia hídrica, não precisa também de ser arrasado pelo lítio. Já bastam os eucaliptos.

Jornalista

DN
Daniel Deusdado
26 Novembro 2023 — 07:00


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 1 semana ago

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42: Alcochete não pode ser o nosso novo BES

 

🇵🇹 OPINIÃO

A notícia da TVI pôs números na realidade: construir Alcochete significa eliminar 250 mil sobreiros – além de impactar directamente no maior lençol freático da Península Ibérica e no que ambas as coisas significam de mudança no ecossistema da capital.

A notícia é muito útil porque permite medir até que ponto a nossa indiferença vai esmagar o ténue equilíbrio ecológico que protege a capital.

Mesmo tendo em conta que poderíamos também proteger a cortiça – de que somos líderes mundiais -, é, no entanto, a banca, a Vinci (concessionária em monopólio das pontes sobre o Tejo e dos aeroportos nacionais), as empresas de construção e o lóbi dos engenheiros, quem sairá a ganhar na mais impactante decisão nacional do século XXI depois da bancarrota de Sócrates.

Há que recordar como isto começou: o ex-ministro Pedro Nuno Santos surpreendeu o país ao anunciar não um, mas dois aeroportos: Montijo e Alcochete.

Depois foi preciso encontrar uma saída para se evitar esse desvario. Daí ter-se recorrido a uma comissão técnica independente onde a mais alta sabedoria da academia portuguesa nos daria as melhores opções.

A dita comissão é, afinal, liderada pelo grupo “Sócrates-Alcochete” de 2007. Entretanto, parte dos dois milhões para estudos técnicos por ajuste directo encaminharam-se para gabinetes com conflitos de interesse desnecessários: um para uma empresa onde pontificou uma das vogais, outros dois entregues às universidades a que pertencem ou pertenceram os respectivos académicos que fazem parte dos especialistas contratados.

Junta-se a esta deriva, a inconsistência das associações ambientalistas. Primeiro, começaram por exigir o fim da Portela, sem indicarem qualquer alternativa.

Esta semana, e após a escandalosa ameaça ao ecossistema de Alcochete, optaram por trazer a público a questão do ruído em Lisboa. Um tema importante, mas mitigável a prazo – algo que não sucederá com a destruição do ecossistema da Margem Sul.

Quatro associações ecologistas avançaram, entretanto, com a opção Vendas Novas, o que sem dúvida seria um mal menor face a Alcochete. Só que entre Vendas Novas e Santarém, a diferença está na proximidade de três milhões de pessoas na opção a norte, mais Fátima com os seus 1,5 milhões de turistas.

Aliás, numa semana em que ficamos a saber que as taxas aeroportuárias vão crescer 14%, Santarém dar-nos-ia um aeroporto fora do monopólio da Vinci sem que os lisboetas fossem prejudicados (ou a TAP), porque o “hub” da Portela manter-se-ia. E não adianta medir a distância de tudo face ao Terreiro do Paço – há mais país.

Nos últimos anos li muitos livros e documentos sobre a tragédia do BES e de como Ricardo Salgado conseguiu o ilusionismo de nos fazer sempre olhar para o “interesse nacional”, quando o seu interesse era o de sacar dinheiro por todas as vias possíveis. E, em segredo, debaixo dos seus pés jazia um buraco de mais de 10 mil milhões de euros, irrecuperáveis.

Alcochete, e acessos rodo-ferroviários dedicados, vão acabar por custar um BES, ou mais, a um país exangue pelo serviço da dívida. A queda abrupta do PIB no último trimestre já mostra o quanto sofremos pelo excesso de dívida, pública e privada.

Se queremos um novo aeroporto, então que seja feito sem dinheiro público nem uma megalomania que hipoteque por décadas as taxas aeroportuárias a aumentos como estes, os 14% de 2024, em concessões eternas. É uma péssima decisão financeira e ambientalmente arrasadora. Difícil ser pior. Mas António Costa pode optar pelo ilusionismo de Salgado e cá estaremos para pagar a conta.

Jornalista

DN
Daniel Deusdado
05 Novembro 2023 — 01:11


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 4 semanas ago

 

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