326: O que seria a medicina sem o design?

 

🇵🇹 OPINIÃO

Fiz uma prótese na anca!

Sim, a idade idosa atacou-me forte e feio 20 anos antes do normal. Mas o que me fascina neste tipo de intervenções, nem é tão pouco o trabalho de precisão do cirurgião, que era, de facto, muito bom com a serra e com o martelo, mas sim este objecto intrusivo que entra no nosso corpo e passa a fazer parte dele.

O que verdadeiramente me fascina são as possibilidades e os contextos de criação que me permitem, num dia, criar um espaço efémero, noutro, desenhar uma cadeira icónica, mas pelo meio destes dias, ajudar uma série de doentes.

Isto é um resumo muito, muito abreviado da história de Charles e Ray Eames, os designers da icónica Lounge Chair (1956) feita em contraplacado moldado, nascida no período do pós-guerra, que é hoje um dos objectos mais cobiçados e que todos queremos ter nas nossas salas.

Repletos de brilhantismo, o casal Eames tinha a convicção de dar uma forma moderna a um futuro que, fruto da guerra, já tinha chegado, e acabou por afirmar que o design é a melhor ferramenta para melhorar as vidas, e que não serve apenas como um pretexto decorativo para a nossa presença terrena.

© Carlos Rosa

O que mais me apaixona na obra deste casal é o caminho que fizeram até que a sua icónica espreguiçadeira chegasse às casas de todo o mundo e se transformasse num objecto icónico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Eames criaram uma tala de perna leve, que garantiu baixo custo de produção, possibilidade de produção em massa e facilidade de transporte. E assim em 1942 este casal de designers oferece à Marinha Americana um objecto biomórfico que cumpria todos os objectivos definidos, que se podia facilmente aplicar nos doentes, mas, acima de tudo, garantir uma posição perfeita das pernas magoadas, garantindo uma recuperação mais rápida e mais eficaz.

São de facto as cadeiras dos Eames que queremos ter em casa, mas o trabalho mais notável é sem dúvida as talas de madeira, não só pelo que deram aos militares americanos, mas também pela exploração e dedicação que depositaram numa técnica que depois tanto deu aos nossos quotidianos.

Nunca é demais afirmar que o design não faz só coisas bonitas. Também faz talas em madeira moldada e espigões de titânio que se enfiam no fémur e nos ajudam a andar sem dor.

Para que não subsistam dúvidas, o design, acima de tudo, ajuda-nos a viver melhor e a desenvolver outras áreas do conhecimento, como – imagine-se! – a medicina.

Designer e director do IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia

DN
Carlos Rosa
29 Novembro 2023 — 00:35


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 7 dias ago

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132: O país ambíguo

 

🇵🇹 OPINIÃO

Relatividade é um desenho litográfico, de meados do século XX, do artista holandês M. C. Escher. Apesar de Escher não ter qualquer relação com o nosso país, este desenho parece ser uma premonição daquilo em que este rectângulo à beira do Atlântico plantado se transformou, pois representa um mundo em que as leis normais da gravidade não se aplicam.

O desenho arquitectónico desta litografia parece ser o centro de uma comunidade, em que a maior parte dos seus habitantes estão pura e simplesmente nos seus afazeres normais.

Os personagens da obra de Escher, assemelham-se a nós. Impregnados na nossa sobrevivência, vestimo-nos com trajes idênticos e temos as nossas cabeças descaracterizadas em forma de bolbo, que é como quem diz, quase desprovidas de sentido crítico.

Neste mundo desenhado por Escher existem três fontes de gravidade, sendo cada uma delas ortogonal às outras duas. Cada habitante vive controlado por apenas um centro de gravidade, onde se aplicam as leis físicas normais.

O que é divertido de constatar é que, no nosso mundo, a gravidade exercida depende de onde o habitante está. E depende, mais ainda, do governante quando dita as leis que nos seguram aos nossos centros de gravidade.

Cada governante, dependendo do seu nível de influência e poder, governa os seus centros, muitas vezes desrespeitando as suas próprias regras, o que torna o mundo um local muito volátil e instável para se viver, pois as forças que nos deviam segurar estão constantemente a mudar e por vezes empurram-nos em vez de nos proteger.

© Carlos Rosa

O desenho do artista tem sete escadas, e cada escada pode ser utilizada pelos habitantes que pertencem a duas fontes de gravidade diferentes. Isto cria fenómenos interessantes, como estarem uns a cair e outros a subir, usando a mesma escada.

Ou seja, as escadas têm duas faces, têm dois lados. Têm dois pesos e duas medidas. Como se de um lado houvesse uma escada rolante que sobe e do outro, a mesma escada desce, pois não interessa que todos subam. Só alguns!

Tal como no desenho, os habitantes são representados como se estivessem a subir as escadas de cabeça para baixo, mas na verdade, e sem se aperceberem, estão a descer.

Este é o nosso país. Um país ambíguo inspirado nos desenhos impossíveis do Escher, com perspectivas erradas, propósitos impossíveis e caminhos labirínticos que terminam exactamente onde começaram ou pior, caminhos que não nos levam a lado nenhum. É um país repleto de escadas que nos afundam quando parece que estamos a subir.

Designer e director do IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia

DN
Carlos Rosa
15 Novembro 2023 — 01:07


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 3 semanas ago

 

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