53: Observações do ALMA revelam processo de reciclagem de gás perto de um buraco negro super-massivo

 

CIÊNCIA // ASTRONOMIA // ALMA

Num novo avanço científico, uma equipa internacional de cientistas mergulhou no coração do núcleo galáctico activo da Galáxia do Compasso utilizando o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array). Alcançando uma resolução sem precedentes de cerca de um ano-luz, a investigação, liderada pelo Professor Assistente Takuma Izumi do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan), iluminou a intrincada dança dos fluxos de gás em torno do buraco negro super-massivo da galáxia, abrangendo fases plasmáticas, atómicas e moleculares.

Em particular, a equipa elucidou o fluxo de acreção – impulsionado por um mecanismo denominado “instabilidade gravitacional” – que alimenta o buraco negro.

Curiosamente, nem todo este gás contribui para o crescimento do buraco negro. Uma fracção significativa é ejectada como fluxos atómicos ou moleculares, apenas para regressar e ser novamente atraída para o buraco negro, num padrão cíclico que faz lembrar uma fonte. Esta descoberta profunda abre caminho a uma compreensão mais holística da dinâmica de crescimento dos buracos negros super-massivos.

Uma ilustração representando a distribuição do meio interestelar no núcleo galáctico activo com base nos resultados desta observação. O gás molecular de alta densidade flui da galáxia em direcção ao buraco negro ao longo do plano do disco. O material acumulado em torno do buraco negro gera uma enorme quantidade de energia, fazendo com que o gás molecular seja destruído e transformado em fases atómicas e de plasma. A maior parte destes gases multifásicos é expelida através de fluxos a partir do núcleo (incluindo fluxos de plasma que ocorrem principalmente na direcção acima do disco e fluxos atómicos ou moleculares que ocorrem principalmente na diagonal). Ainda assim, a maioria destes fluxos cairá de volta para o disco, actuando como uma fonte de gás.
Crédito: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), T. Izumi et al.

Nos centros de muitas galáxias massivas, existem “buracos negros super-massivos” com massas superiores a um milhão de vezes a do Sol. Como é que estes buracos negros super-massivos se formam?

Um dos mecanismos cruciais de crescimento proposto por investigações anteriores é a “acreção de gás” no buraco negro. Isto refere-se à forma como o gás na galáxia hospedeira cai de alguma forma em direcção ao buraco negro central.

O gás que se junta muito perto dos buracos negros super-massivos é acelerado a altas velocidades devido à gravidade do buraco negro. Graças à intensa fricção entre as partículas de gás, este gás aquece até vários milhões de graus e emite luz brilhante.

Este fenómeno é conhecido como um NGA (núcleo galáctico activo) e o seu brilho pode por vezes ultrapassar a luz combinada de todas as estrelas da galáxia. Curiosamente, pensa-se que uma porção do gás que cai em direcção ao buraco negro (fluxo de acreção) é soprado para longe pela imensa energia deste núcleo galáctico activo, dando origem a fluxos exteriores.

Tanto os estudos teóricos como os observacionais forneceram informações pormenorizadas sobre os mecanismos de acreção de gás, desde a escala de 100.000 anos-luz das galáxias até uma escala de algumas centenas de anos-luz no centro. No entanto, a acreção de gás numa região muito mais pequena, especialmente a algumas dezenas de anos-luz do centro galáctico, tem permanecido pouco clara devido à sua escala espacial mínima.

Por exemplo, para compreender quantitativamente o crescimento dos buracos negros, é necessário medir a taxa do fluxo de acreção (quanto gás está a entrar) e determinar as quantidades e tipos de gases (plasma, gás atómico, gás molecular) que são expelidos como fluxos exteriores a essa pequena escala. Infelizmente, os conhecimentos observacionais a este respeito não progrediram significativamente até agora.

Uma equipa internacional de investigação liderada por Takuma Izumi, professor assistente no NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan) e afiliado à Universidade Metropolitana de Tóquio na altura deste estudo, conseguiu um êxito inédito a nível mundial ao medir quantitativamente os fluxos de gás e as suas estruturas em todas as fases (plasma, atómica e molecular) a uma escala espacial minúscula de apenas alguns anos-luz em torno de um buraco negro super-massivo, utilizando o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array).

As observações de gases multifásicos podem fornecer uma compreensão mais abrangente da distribuição e dinâmica da matéria em torno de um buraco negro.

O objecto observado foi a Galáxia do Compasso, um NGA representativo do Universo próximo. A resolução alcançada foi de aproximadamente um ano-luz. Este resultado marca a mais alta resolução conseguida para observações de gases multifásicos num núcleo galáctico activo.

As distribuições do monóxido de carbono (CO, reflectindo a presença de gás molecular de média densidade), do carbono atómico (C, reflectindo a presença de gás atómico), do cianeto de hidrogénio (HCN, reflectindo a presença de gás molecular de alta densidade) e da linha de recombinação do hidrogénio (H36α; reflectindo a presença de gás ionizado) são mostradas a vermelho, azul, verde e rosa, respectivamente. Existe um núcleo galáctico activo no centro. Esta galáxia é conhecida por ter uma estrutura inclinada das regiões exteriores para as interiores, com a região central a assemelhar-se a um disco quase de lado. O tamanho do disco central de gás denso (verde) é de aproximadamente seis anos-luz: isto foi observado graças à alta resolução do ALMA (ver ampliação). O fluxo de plasma viaja quase perpendicularmente ao disco denso central.
Crédito: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), T. Izumi et al.

Neste estudo, a equipa de investigação conseguiu inicialmente captar, pela primeira vez, o fluxo de acreção que se dirige para o buraco negro super-massivo no interior do denso disco de gás que se estende ao longo de vários anos-luz do centro galáctico.

A identificação deste fluxo de acreção foi, durante muito tempo, uma tarefa difícil devido à pequena escala da região e aos movimentos complexos do gás perto do centro galáctico.

No entanto, neste caso, a equipa de investigação identificou o local onde o gás molecular em primeiro plano estava a absorver a luz do núcleo galáctico activo, que brilhava em segundo plano. Esta identificação foi possível através de observações de alta resolução com o ALMA.

Uma análise detalhada revelou que este material absorvente está a mover-se na direcção oposta à nossa. Uma vez que o material absorvente existe sempre entre o núcleo galáctico activo e nós, a equipa conseguiu captar o fluxo de acreção na direcção do NGA.

Além disso, a equipa de investigação também elucidou o mecanismo físico responsável por induzir esta acreção de gás. O disco de gás observado exibia uma força gravitacional tão substancial que não podia ser sustentada pela pressão calculada a partir do movimento do disco de gás.

Quando esta situação se verifica, o disco de gás colapsa sob o seu peso, formando estruturas complexas e tornando-se incapaz de manter um movimento estável no centro galáctico. Como resultado, o gás cai rapidamente em direcção ao buraco negro central. O ALMA revelou este fenómeno físico conhecido como “instabilidade gravitacional” no coração da galáxia.

Em adição, este estudo fez avançar significativamente a compreensão quantitativa dos fluxos de gás em torno do núcleo galáctico activo. A taxa de acreção a que o gás é fornecido ao buraco negro pode ser calculada a partir da densidade do gás observado e da velocidade do fluxo de acreção. Surpreendentemente, verificou-se que esta taxa é 30 vezes superior ao que é necessário para manter a actividade deste NGA.

Por outras palavras, a maior parte do fluxo de acreção à escala de 1 ano-luz em torno do centro galáctico não estava a contribuir para o crescimento do buraco negro. Então, para onde foi este gás excedentário?

O estudo também desvenda esse mistério – com observações de alta sensibilidade de todos os gases de fase com fluxos exteriores detectados pelo ALMA a partir do núcleo galáctico activo. A análise quantitativa revelou que a maior parte do gás que fluía em direcção ao buraco negro era expelido como fluxos atómicos ou moleculares.

No entanto, devido às suas velocidades lentas, não conseguiram escapar ao potencial gravitacional do buraco negro e acabaram por regressar ao disco de gás. Aí, eram reciclados de novo num fluxo de acreção em direcção ao buraco negro, semelhante a uma fonte, completando assim um fascinante processo de reciclagem de gás no centro galáctico.

Relativamente aos feitos deste estudo, Takuma Izumi afirma: “Detectar fluxos de acreção e fluxos exteriores numa região a apenas alguns anos-luz em torno de um buraco negro super-massivo em crescimento activo, particularmente num gás multifásico, e até decifrar o próprio mecanismo de acreção, são de facto conquistas monumentais na história da investigação dos buracos negros super-massivos”.

O investigador sublinha a importância deste feito. Olhando para o futuro, continua: “Para compreender de forma abrangente o crescimento dos buracos negros super-massivos na história cósmica, precisamos de investigar vários tipos de buracos negros super-massivos localizados mais longe. Isto requer observações de alta resolução e alta sensibilidade, e temos grandes expectativas para a utilização futura do ALMA e para os próximos grandes interferómetros rádio de próxima geração”.

// Observatório ALMA (comunicado de imprensa)
// NAOJ (comunicado de imprensa)
// Universidade de Tohoku (comunicado de imprensa)
// Artigo científico (Science)

CCVALG
7 de Novembro de 2023


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

published in: 3 semanas ago

 

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