🇵🇹📚 OPINIÃO
Uma modesta proposta para prevenir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para torná-las benéficas para a República era o título curtinho do panfleto de Jonathan Swift que propunha, em 1729, acabar com a fome e minorar a pobreza.
O panfleto começava com palavras ditadas pela comoção: “É uma melancolia para aqueles que caminham através desta grande cidade ou viajam pela província quando vêem as ruas, as estradas e as portas das carruagens apinhadas de mendigas, seguidas por três, quatro ou cinco crianças, todas em trapos e importunando os passageiros por uma esmola.”
O autor fazia notar que os pobres eram demasiado pobres e as suas crianças muito incomodativas, mas que a solução para tornar menos famintos os pobres estava no apetite dos ricos.
“Tendo-me sido assegurado por um americano muito sábio, em Londres, que uma criança saudável e bem alimentada é, com um ano de idade, uma comida deliciosa, nutriente e completa, seja estufada, grelhada, assada ou cozida.”
Para Swift, a solução era simples: os pobres venderiam as crianças famélicas aos ricos famintos.
“Quem quer que possa encontrar um método justo, barato e fácil para transformar estas crianças em membros saudáveis e úteis à comunidade deverá não só merecer a aprovação do público, como ver ser-lhe erguida uma estátua como salvador da nação”, eram as pias intenções do autor das Viagens de Gulliver.
O actual candidato de extrema-direita na Argentina, Javier Milei, propôs durante o seu percurso eleitoral: acabar com os serviços públicos de saúde, extinguir a educação pública, permitir que as pessoas pudessem comercializar os seus próprios órgãos e, eventualmente, vender as suas próprias crianças.
O que é mais extraordinário é que tal candidato tem a intenção de voto de cerca de metade dos argentinos, num país em que os ricos são muito poucos. Desde o final dos anos 70, a maioria das democracias mostram uma persistente impotência.
Os eleitores votam e os bancos centrais, FMI, Banco Mundial e outras instituições tratam de ditar uma política sempre igual, que garanta que cada dólar investido não seja prejudicado por políticas redistribuitivas nem lutas sindicais.
Democracias que não funcionam e em que não há alternativas políticas geram apenas a raiva e a pestilência.
Numa antiga telenovela brasileira, salvo erro o Bem-Amado, os eleitores podiam acrescentar candidatos ao boletim de voto. Resultado: o candidato mais votado foi um asno com nome de Nezinho. Não consta que tivesse tomado posse, até porque era supostamente um animal irracional.
A deriva populista de muitas democracias, seja na Argentina ou em Portugal, mostra que as pessoas estão tão raivosas que podem votar num burro perigoso só para mostrarem que estão fartas.
Editor-chefe
DN
Nuno Ramos de Almeida
19 Novembro 2023 — 00:08
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 2 semanas ago