Um fenómeno atmosférico conhecido como “propagação anómala” desempenhou um papel chave no ataque de mísseis ucranianos que atingiram e afundaram o navio de guerra russo Moskva no Mar Negro em Abril de 2022.
Ministério da Defesa da Rússia Cruzador russo RTS Moskva em exercícios no Mar negro em Fevereiro de 2022
O ataque ucraniano ao Moskva, que em Abril de 2022 levou ao afundamento do navio-almirante da frota russa no Mar Negro, teve a ajuda de um raro fenómeno atmosférico, revela um estudo da agência sueca de investigação em defesa FOI.
O estudo foi publicado este mês no Boletim da Sociedade Meteorológica Americana.
Usando dados meteorológicos disponíveis publicamente, os investigadores da FOI mostraram no seu estudo que, na data do ataque, um radar ucraniano terrestre conseguia detectar o Moskva, apesar de o cruzador russo se encontrar muito além do horizonte normal do radar.
A distância a que qualquer sistema de radar pode detectar um alvo à superfície está habitualmente limitada pelo horizonte da Terra. Para calcular a distância ao horizonte, usam-se normalmente cálculos e suposições sobre as condições atmosféricas predominantes.
No caso do Mineral-U, recorda a Europa Press, o sistema de radar móvel terrestre que terá sido usado pelo exército ucraniano para detectar o navio de guerra russo, a distância de detecção é de cerca de 50 quilómetros.
Assim, surgiram dúvidas, a 13 de Abril de 2022, quando o exército ucraniano afirmou que dois dos seus mísseis tinham atingido o Moskva, dado que o navio se encontrava a cerca de 135 quilómetros, em pleno mar.
“O problema com a forma habitual de estimar o horizonte do radar é que não leva em conta as diferentes condições atmosféricas que podem estar presentes”, explica Lars Norin, investigador do Departamento de Sistemas de Radar de Guerra Electrónica da FOI, num comunicado da agência sueca.
A temperatura, pressão e humidade das diferentes camadas da atmosfera podem variar bastante de um dia para o outro, e estes parâmetros podem ter um impacto significativo na propagação das ondas electromagnéticas emitidas pelos sistemas de radar.
“A propagação anómala ocorre quando certos gradientes de temperatura, pressão e humidade na atmosfera fazem com que as ondas electromagnéticas se refractam em direcção à Terra”, explica Norin. “Este fenómeno pode permitir que um sistema de radar como o Mineral-U tenha um alcance muito além do horizonte normal“.
Os dados meteorológicos analisados pelos investigadores da FOI sugerem que, na tarde de 13 de Abril de 2022, ocorreram as condições perfeitas para a propagação anómala — e que isso pode explicar como o Moskva apareceu no radar ucraniano.
Usando dados do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo, juntamente com imagens de satélite da região, Norin e os colegas conseguiram determinar com precisão as condições atmosféricas em toda a área no dia do ataque ucraniano — e calcular com maior precisão o alcance real do sistema de radar para cada hora do dia.
“A nossa investigação mostra que, entre as 16h00 e as 21h00, hora local, o radar Mineral-U teria podido detectar um alvo muito além do horizonte“, explica Niklas Wellander, também investigador da FOi e co-autor do estudo.
“Tendo em conta o tamanho estimado do Moskva, descobrimos que o radar teria podido detectá-lo facilmente, mas apenas dentro desse período de tempo”, conclui o investigador.
Carta aberta enviada a Putin avisa que detenção pode levar a uma “deterioração significativa” na saúde de Sasha Skochilenko, que tem doenças crónicas graves e precisa de supervisão médica e dieta especial.
Mais de 100 médicos russos assinaram uma carta aberta publicada este sábado que exige a libertação imediata de uma artista condenada a sete anos de prisão por um protesto contra a guerra na Ucrânia.
– Vai tudo preso, sendo considerados hostis ao regime nazi do imperador psicopata do kremlin da Moscóvia!
A carta pedindo a libertação de Sasha Skochilenko foi dirigida ao presidente russo, Vladimir Putin, e advertiu que o tempo na prisão poderia levar a uma “deterioração significativa” na saúde da artista de 33 anos.
Skochilenko foi “diagnosticada com uma série de doenças crónicas graves que exigem a supervisão médica adequada e uma dieta especial”, afirma a carta.
A mesma carta dá conta da indignação dos médicos com a “óbvia injustiça do veredicto”.
Um tribunal russo condenou a artista na quinta-feira por trocar etiquetas de preços de supermercados com mensagens anti-guerra, sentenciando-a a sete anos de prisão, num contexto de crescente repressão à liberdade de expressão.
Skochilenko foi detida na sua terra natal, São Petersburgo, em Abril de 2022, e acusada de espalhar informações falsas sobre os militares, depois de substituir pequenas etiquetas de preços por outras que denunciavam a invasão da Ucrânia pela Rússia.
“O exército russo bombardeou uma escola de artes em Mariupol. Cerca de 400 pessoas estavam escondidas do bombardeamento”, podia ler-se numa dessas mensagens.
Outra dizia: “Recrutas russos estão a ser enviados para a Ucrânia. As vidas dos nossos filhos são o preço desta guerra”.
Um cliente do supermercado que encontrou as mensagens denunciou-as às autoridades, o que deu início ao processo judicial.
A detenção de Skochilenko ocorreu cerca de um mês depois de as autoridades terem adoptado uma lei que criminaliza qualquer expressão pública sobre a guerra que se desvie da linha oficial do Kremlin.
A legislação tem sido utilizada para uma estratégia de repressão generalizada contra políticos da oposição, activista dos direitos humanos e cidadãos comuns que criticam o Kremlin.
Skochilenko, de 33 anos, não negou a substituição das etiquetas de preços, mas rejeitou a acusação de espalhar informações deliberadamente falsas.
A sua advogada, Yana Nepovinnova, alerta que a artista não pretendia menosprezar os militares, mas sim parar os combates.
O portal de notícias independente russo Mediazona noticiou que Skochilenko, na sua declaração final no tribunal, disse que o caso contra si era “estranho e ridículo”.
“Todos vêem e sabem que não é um terrorista que vocês estão a julgar. Não estão a julgar um extremista. Também não estão a julgar um activista político. Estão a julgar um pacifista”, disse Skochilenko, dirigindo-se ao juiz, numa sala de tribunal repleta de apoiantes.
Skochilenko está detida preventivamente há quase 19 meses, sofrendo de problemas de saúde que exigem tratamento regular.
Enquanto esteve detida em São Petersburgo, conseguiu ser acompanhada por médicos, mas os seus familiares temem que a artista fique sem apoio de saúde se for enviada para uma prisão em local remoto.
O grupo de direitos humanos mais proeminente da Rússia – e vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2022 – Memorial, declarou Skochilenko uma prisioneira política.
Quase 750 pessoas enfrentam acusações criminais na Rússia pelas suas posições anti-guerra e mais de 8.100 foram acusadas de desacreditar o exército, puníveis com multa ou uma leve pena de prisão.
– “… Em 19 casos, as viaturas não tinham o dístico identificador obrigatório de TVDE afixado e 11 delas nem sequer tinham este elemento identificador.”
Nada tenho contra os condutores do TVDE, mas quando estes e os outros não-TVDE, labregos e pseudo-“profissionais” do volante estacionam em cima dos passeios, em infracção aos artigos 48º. e 49º. do Código da Estrada e a polícia assobia para o lado e deixa a impunidade prevalecer, aí já fico mesmo chateado! Porque ou todos cumprem as leis existentes neste país ou então deixem de as fabricar e anda tudo à balda!
🇵🇹 PORTUGAL // 🚕TVDE // 👮FISCALIZAÇÃO
A operação de fiscalização da PSP e GNR foi realizada em “vias onde se verificou um maior volume de veículos afectos a esta actividade”.
A falta de contratos laborais escritos, o desrespeito pelos períodos de descanso e casos em que o operador operava sem licença foram as principais infracções detectadas pela GNR e PSP numa operação conjunta de fiscalização a condutores de TVDE.
A operação “TVDE Seguro” foi realizada entre segunda e sexta-feira pela PSP e pela GNR, que num comunicado conjunto informaram que fiscalizaram 1.444 condutores a trabalhar para plataformas de transporte individual de passageiros em veículo descaracterizado (TVDE), tendo registado 569 autos de contra-ordenação.
Entre as principais contra-ordenações detectadas estão 61 casos de condutores que não detinham um contrato escrito que comprove a relação laboral com o operador de TVDE e ainda nove casos em que o operador de TVDE não tinha licença para operar.
Também foram detectadas 89 infracções relativas à organização do trabalho e ao registo dos tempos de condução e repouso, acrescentaram.
Em 19 casos, as viaturas não tinham o dístico identificador obrigatório de TVDE afixado e 11 delas nem sequer tinham este elemento identificador.
Treze veículos estavam a operar sem a inspecção periódica obrigatória.
A PSP e a GNR destacaram que a operação foi realizada em “vias onde se verificou um maior volume de veículos afectos a esta actividade”.
A operação contou também com a colaboração da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que registaram ainda 147 infracções.
Os astrónomos descobriram que o coração da Via Láctea bate misteriosamente e desencadearam uma investigação para perceberem porquê.
Judy Schmidt / ESA / Hubble & NASA
Comparativamente a algumas galáxias, o buraco negro super-massivo no centro da Via Láctea não é particularmente activo. Não está a consumir grandes quantidades de material, nem está a disparar jactos gigantes de plasma para o espaço.
Segundo o Science Alert, mesmo um buraco negro super-massivo, relativamente pacífico, pode ser “selvagem” e “feroz”.
O nosso — chamado Sagitário A* — tem sido registado a fazer coisas bastante estranhas e, mais do que isso… os astrofísicos Gustavo Magallanes-Guijón e Sergio Mendoza, da Universidade Nacional Autónoma do México, registaram algo como: pulsos.
A cada 76 minutos, como um relógio, o fluxo de raios gama do Sagitário A* flutua. Segundo os investigadores, isto é semelhante, em periodicidade, às mudanças na emissão de rádio e raios X do buraco negro também.
Ora, isto sugere um movimento orbital de algo a girar descontroladamente à volta do buraco negro.
Os buracos negros em si não emitem radiação que possa ser detectada. São sombras mais escuras que o escuro, invisíveis aos telescópios com os quais se vê a luz que percorre o Universo.
Mas, o espaço à volta deles é uma questão diferente. No regime gravitacional extremo, fora do horizonte de eventos de um buraco negro, muita coisa pode acontecer.
Da região do Sagitário A*, a luz é emitida numa multiplicidade de comprimentos de onda e a intensidade dessa luz varia significativamente ao longo do tempo. E, em pelo menos alguns comprimentos de onda, os astrónomos observaram um padrão.
Segundo um artigo publicado em 2022, as ondas rádio flutuam numa escala de tempo de cerca de 70 minutos.
Por sua vez, um artigo publicado em 2017 mostrou a periodicidade de 149 minutos subjacente às explosões de raios X do buraco negro. Isto é cerca do dobro da periodicidade do rádio e, agora, das flutuações de raios gama.
Foi apenas em 2021 que a radiação gama foi vinculada ao Sagitário A* com alguma confiança.
Magallanes-Guijón e Mendoza pensaram que poderia haver alguns segredos escondidos nos dados de raios gama, então começaram a analisá-los.
Os astrónomos usaram dados publicamente disponíveis, registados pelo Fermi Gamma-ray Space Telescope, entre Junho e Dezembro de 2022. Processaram-nos e efectuaram uma pesquisa por padrões periódicos.
Encontraram um padrão. Segundo os seus resultados, a cada 76,32 minutos, o Sagitário A* emite um clarão de radiação gama, ou seja, a faixa de comprimento de onda mais energética da luz no Universo.
A semelhança com a periodicidade das explosões de rádio e raios X sugere uma causa comum subjacente. A explosão de rádio, segundo o investigadores, tem uma periodicidade idêntica da explosão dos raios gama.
A explosão de raios X, com 149 minutos, tem o dobro da periodicidade. Os cientistas acreditam que provavelmente isto não é uma coincidência.
O mecanismo físico é, provavelmente, algo que orbita o buraco negro.
Assim, o artigo publicado em 2022, concluiu que esse “algo” provavelmente é um aglomerado de gás quente, mantido unido por um campo magnético poderoso que sujeita partículas à aceleração de síncrotron, emitindo radiação no processo.
Este aglomerado tem uma distância orbital do Sagitário A* semelhante à de Mercúrio ao redor do Sol, mas com um período orbital de 70 a 80 minutos, viajando a cerca de 30% da velocidade da luz.
Magallanes-Guijón e Mendoza dizem que os seus resultados são consistentes com essa interpretação dos dados de rádio, sugerindo que o aglomerado de gás está a emitir em vários comprimentos de onda.
À medida que orbita, a teoria sugere que o aglomerado emite explosões energéticas. Conforme esfria, brilha mais intensamente na luz de rádio. A descoberta de explosões de raios gama apoia este modelo.
Ainda há alguns detalhes a serem esclarecidos. Os buracos negros são notoriamente difíceis de estudar e o Sagitário A* não é excepção.
Observações adicionais, em vários comprimentos de onda, poderiam ajudar a descobrir mais sobre o coração escuro e misterioso da Via Láctea.
A ideia popular de que a antiga Europa era predominantemente coberta por florestas densas e contínuas foi desafiada por um estudo recente.
Brennan Stokkermans
Uma equipa de investigadores, liderada por Elena Pearce, da Universidade de Aarhus, Dinamarca, analisou pólenes antigos e descobriu que, contrariamente à ideia popular, metade da paisagem da Europa ancestral era na realidade constituída por savanas ou bosques, assemelhando-se a uma savana.
Os resultados do estudo, publicados a semana passada na revista Science Advances, altera a visão de longa data sobre a vegetação natural da Europa.
A equipa de Pearce investigou a vegetação da Europa durante o período interglacial anterior, há cerca de 115.000 a 130.000 anos, tendo examinado quase 100 amostras de pólen de vários locais do continente.
Os investigadores usaram um modelo de computador que leva em conta as diferentes taxas de produção de pólen de árvores e gramíneas para obter uma imagem mais precisa da vegetação ancestral do Velho Continente.
Esta abordagem revelou uma paisagem marcadamente diferente das florestas densas comummente imaginadas.
O estudo sugere que a megafauna, incluindo elefantes de presas rectas e rinocerontes, desempenhou um papel significativo na modelação desta paisagem.
Estes animais de grande porte suprimiram a vegetação lenhosa ao comer e pisar árvores jovens, mantendo assim savanas abertas e pequenos bosques.
Esta descoberta contradiz estudos anteriores, que se concentravam principalmente nos últimos 10.000 anos e não consideravam o impacto da megafauna a esta extensão.
O estudo de Pearce também resolve uma discrepância de longa data entre a abundância de pólen de árvores encontrada em registos históricos e as evidências fósseis de grandes mamíferos, que indicavam uma paisagem mais aberta.
O estudo sugere também que os factores climáticos e os incêndios não foram afinal os principais influenciadores desta variabilidade da vegetação, apontando em vez disso para a influência da megafauna.
“Não obtivemos evidências de que esta variabilidade da vegetação possa ser explicada por factores climáticos, ou por eventos como grandes incêndios”, explica Pearce à New Scientist. “Então resta a influência da megafauna“.
O estudo tem implicações para os esforços de conservação modernos. Pearce defende a replicação dos processos que criaram estas paisagens antigas, em vez de tentar recriar as paisagens em si.
A investigadora realça a importância de animais como os javalis selvagens, que, através dos seus comportamentos naturais, criam habitats diversos benéficos para várias espécies.
“Os javalis passam a vida a escavar o solo, o que impede que espécies prejudiciais como as urtigas se tornem dominantes”, comenta Elena Pearce. “Eles são, basicamente… uns porcos. E toda a desordem que causam ajuda a criar habitats propícios a que certas espécies apareçam e prosperem”.
Uma modesta proposta para prevenir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para torná-las benéficas para a República era o título curtinho do panfleto de Jonathan Swift que propunha, em 1729, acabar com a fome e minorar a pobreza.
O panfleto começava com palavras ditadas pela comoção: “É uma melancolia para aqueles que caminham através desta grande cidade ou viajam pela província quando vêem as ruas, as estradas e as portas das carruagens apinhadas de mendigas, seguidas por três, quatro ou cinco crianças, todas em trapos e importunando os passageiros por uma esmola.”
O autor fazia notar que os pobres eram demasiado pobres e as suas crianças muito incomodativas, mas que a solução para tornar menos famintos os pobres estava no apetite dos ricos.
“Tendo-me sido assegurado por um americano muito sábio, em Londres, que uma criança saudável e bem alimentada é, com um ano de idade, uma comida deliciosa, nutriente e completa, seja estufada, grelhada, assada ou cozida.”
Para Swift, a solução era simples: os pobres venderiam as crianças famélicas aos ricos famintos.
“Quem quer que possa encontrar um método justo, barato e fácil para transformar estas crianças em membros saudáveis e úteis à comunidade deverá não só merecer a aprovação do público, como ver ser-lhe erguida uma estátua como salvador da nação”, eram as pias intenções do autor das Viagens de Gulliver.
O actual candidato de extrema-direita na Argentina, Javier Milei, propôs durante o seu percurso eleitoral: acabar com os serviços públicos de saúde, extinguir a educação pública, permitir que as pessoas pudessem comercializar os seus próprios órgãos e, eventualmente, vender as suas próprias crianças.
O que é mais extraordinário é que tal candidato tem a intenção de voto de cerca de metade dos argentinos, num país em que os ricos são muito poucos. Desde o final dos anos 70, a maioria das democracias mostram uma persistente impotência.
Os eleitores votam e os bancos centrais, FMI, Banco Mundial e outras instituições tratam de ditar uma política sempre igual, que garanta que cada dólar investido não seja prejudicado por políticas redistribuitivas nem lutas sindicais.
Democracias que não funcionam e em que não há alternativas políticas geram apenas a raiva e a pestilência.
Numa antiga telenovela brasileira, salvo erro o Bem-Amado, os eleitores podiam acrescentar candidatos ao boletim de voto. Resultado: o candidato mais votado foi um asno com nome de Nezinho. Não consta que tivesse tomado posse, até porque era supostamente um animal irracional.
A deriva populista de muitas democracias, seja na Argentina ou em Portugal, mostra que as pessoas estão tão raivosas que podem votar num burro perigoso só para mostrarem que estão fartas.
A líder da oposição tomou o lugar do marido no boletim de voto das presidenciais de 2020, depois de ele ser preso. Alexander Lukashenko foi declarado vencedor, mas a oposição denunciou fraude e Sviatlana Tsikhanouskaia acabou por ir para o exílio, de onde continua a luta contra o regime.
Sente que, devido à guerra entre Israel e o Hamas, o foco do mundo se afastou da Europa, da Ucrânia e ainda mais da Bielorrússia?
Desde 2020 que percebi que a capacidade de atenção é muito pequena. E, à medida que o tempo avança, temos que trabalhar mais e mais para atrair a atenção. Mas a mensagem que quero passar ao mundo é que todos estes conflitos são parte de um só puzzle. Vemos como os ditadores estão a criar alianças, estão a aprender uns com os outros como atingir de forma mais dolorosa os valores democráticos. Na nossa região, as ditaduras viram que não houve uma reacção forte e decisiva aos eventos na Bielorrússia. Por isso testaram a próxima linha vermelha, a Ucrânia. Os mísseis arruinaram as cidades, milhares de pessoas tiveram que fugir. Foi ainda mais cruel do que na Bielorrússia. E continuaram a matar pessoas. A questão é, qual é a próxima linha vermelha? Eles estão a testar, a testar, e claro que estão a testar também a reacção do mundo democrático, qual vai ser a nossa resposta. E se não houver determinação, eles percebem isso como fraqueza. E dizem: “OK, podemos ir ainda mais longe. Avançar um pouco mais para a próxima linha vermelha.” Mas, voltando à nossa luta, que já dura há anos, nós conseguimos encontrar muitos aliados no mundo democrático que realmente sentem a dor do povo bielorrusso e querem ajudar. Talvez não haja ferramentas suficientes ou talvez, por vezes, não haja vontade política, mas a Bielorrússia não desapareceu totalmente, só temos que trabalhar mais para mostrar que estamos aqui e para que não nos esqueçam.
O futuro da Bielorrússia está ligado à Ucrânia. Acha que é possível uma solução para a Bielorrússia antes do fim da guerra na Ucrânia?
Não tenho uma bola de cristal, mas temos que ser realistas e perceber que a guerra na Ucrânia poderá demorar muito, muito tempo. Sinto pena de dizer isto assim. Mas a Rússia tem recursos para manter este conflito congelado durante anos. Claro que para o povo da Bielorrússia a vitória da Ucrânia representará uma nova oportunidade para a nossa revolta, porque a vitória da Ucrânia significará um [Vladimir] Putin mais fraco e um Putin mais fraco significa um [Alexander] Lukashenko mais fraco. Mas isso não significa que tenhamos que ficar sentados à espera até os ucranianos vencerem. Pode levar meses, anos… E a nossa tarefa é manter o regime de Lukashenko exausto, manter o regime em stresse, manter as pessoas da Bielorrússia mobilizadas. E quem sabe o que poderá ser o gatilho. Por exemplo, quando houve a marcha do Prigozhin [líder do Grupo Wagner] sobre Moscovo, poderia ser esse o gatilho para o nosso povo, porque imediatamente recebi milhares de mensagens de dentro da Bielorrússia tais como “talvez seja agora, diz-nos o que temos que fazer”.
Essa revolta foi travada e o que aconteceu foi que a Rússia mudou as armas nucleares tácticas para a Bielorrússia, pondo-as “nas mãos de um ditador”, como disse na altura. Sente que os bielorrussos podem acabar por ser arrastados para a guerra na Ucrânia?
Antes de mais, não temos a certeza se há armas nucleares na Bielorrússia. Eles disseram que há, talvez haja sinais de que estão a levar algo para a Bielorrússia… Mas porque é que há tanta conversa sobre as armas nucleares? Esta incerteza – estão as armas lá, vão usá-las ou não – cria um stresse adicional ao povo bielorrusso e aos nossos vizinhos. Outra ameaça que vejo com o destacamento de armas nucleares é que com esse destacamento a Rússia quer ancorar a sua presença durante anos na Bielorrússia. É como cães a marcar o território. Este é o meu território, a minha arma nuclear está ali. Mas, na realidade, vejo que o mundo não fala muito das armas nucleares, que são uma enorme ameaça ao nosso país, em primeiro lugar, mas também aos nossos vizinhos. É a tarefa dos ditadores manter a democracia, o mundo democrático em stresse, dispersar as opiniões e capacidades. Porque agora Israel precisa também de ajuda militar e o mundo correu a ajudar Israel com enormes quantidades de dinheiro em assistência, e imediatamente os que estão na Ucrânia pensam que, ao longo de quase dois anos de guerra, receberam menos apoio do que havia ou vão receber agora menos. Eles querem criar este confronto, estas crises. É a táctica dos ditadores e penso que a melhor arma do mundo democrático é a união e a consistência.
Há sempre rumores sobre o estado de saúde de Lukashenko. O que acontece se ele morrer? O regime está totalmente dependente dele ou pode sobreviver?
Normalmente, uma ditadura está concentrada em torno de uma só pessoa, da imagem de uma só pessoa. O culto da personalidade. E tenho a certeza de que o regime de Lukashenko é muito frágil e pode dividir-se a qualquer momento. Entre os que estão à volta dele há muitos que são devotos dele, criminosos como ele, cometeram muitos crimes. Mas a maioria deles só está à sua volta por medo. E o seu desaparecimento levaria ao desmoronar do regime rapidamente.
Além das armas nucleares, há mais passos a serem dados na direcção de uma união com a Rússia. Como se sente com esse cenário?
Com uma dor enorme, porque vemos como Lukashenko está preparado para vender o nosso país, sacrificar a nossa soberania, para ficar no poder. Vemos como assina acordos com a Rússia, já estão nos nossos media, na nossa economia, na nossa esfera militar. Há um processo de russificação. É como uma guerra silenciosa. Há uma ocupação silenciosa do nosso país. E é por isso que é tão importante ter uma posição da parte dos países democráticos de que todos os acordos, após as eleições fraudulentas, nunca sejam reconhecidos como legítimos. Se não reconhecem Lukashenko como legítimo, ele não tem o direito de assinar nada em nome do povo bielorrusso. Declarem-no agora. Porque ele pode, na realidade, já ter vendido o nosso país e nós não sabemos. É doloroso. Mas penso que Lukashenko pode vender tudo aos russos mas não pode vender a nossa dignidade nacional. É impossível subjugar uma nação que não quer ser subjugada. É o mesmo com a Ucrânia, tenho a certeza de que se lembram que os russos pensavam que os ucranianos os iriam receber de braços abertos. É igual na Bielorrússia. É por isso que querem destruir tudo o que seja bielorrusso.
Tem uma fotografia do seu marido , o activista Siarhei Tsikhanouski, na sua pasta. Posso perguntar se mantém o contacto com ele na prisão?
Há três anos que ele está na prisão. Mas no último ano o regime começou uma nova táctica para com os presos bielorrussos. Muitos deles são mantidos em modo incomunicável. Antes, um advogado podia visitar o meu marido. Os meus filhos podiam enviar-lhe cartas. Mas há oito meses que não sei nada dele. Os advogados não são permitidos, os meus filhos não recebem cartas. Eles continuam a escrever, mas não recebem nada em troca. É mais uma vez uma questão de incerteza. Não saber o que está a acontecer. Se ele está vivo. Claro que é um stresse para os familiares. Mas penso que esta táctica é dirigida, antes de mais, àqueles que estão presos. Querem quebrá-los. Querem persuadi-los de que o seu sacrifício foi em vão, que as pessoas se esqueceram deles. Que ninguém lhes liga, que ninguém os vai visitar. Mas espero que as pessoas que estão na prisão saibam que isso não é verdade, que é algo que está a ser feito de propósito. É fácil acreditar, quando estás sob constante humilhação física e moral. Mas acredito na força interna deles. Que eles acreditam em nós. Que eles sabem que estamos a fazer isto por eles.
Quantos presos políticos há actualmente?
Falando honestamente, é muito difícil saber, porque há cerca de 15 a 20 detenções todos os dias na Bielorrússia. Só em Outubro, cerca de 500 processos criminais foram abertos com acusações politicamente motivadas. Mas muitos familiares não querem que os prisioneiros sejam reconhecidos como presos políticos, porque a atitude em relação a eles é muito pior. E as pessoas têm medo de se candidatar aos centros de defesa dos direitos humanos. Isto porque a pressão começa nas famílias dos prisioneiros. É todo um sistema de ameaças. Nós temos de certeza, segundo os centros de defesa dos direitos humanos, cerca de 1700 prisioneiros políticos. São aqueles que são reconhecidos e que as famílias aceitam que sejam reconhecidos como tal. Mas o número real pode ir até cinco mil pessoas. É muito.
Em Fevereiro haverá eleições locais e parlamentares. A oposição está a boicotar essas eleições?
Ainda estamos a discutir com as forças democráticas o que devemos fazer durante este período. Antes de mais, não reconhecemos quaisquer eleições. Não há espaço político para a realização de eleições. Claro que o regime de Lukashenko pode realizar este procedimento, ou ritual, ou o que queira chamar, mas as pessoas sabem que é tudo falso e não queremos participar nisso. Mas estamos a construir as instituições democráticas no exílio neste momento. Por isso talvez usemos esta farsa na Bielorrússia para envolver as pessoas em procedimentos democráticos. E é claro que a mesma questão se coloca em relação a 2025, às alegadas eleições presidenciais. Pedimos à OSCE para que, se possível, envie uma missão preliminar para a Bielorrússia para que diga, de forma firme, que não há espaço democrático, que existe um deserto político na Bielorrússia. E há também alguns peritos que dizem que Lukashenko tem medo do povo bielorrusso, de qualquer manifestação, que tem medo de provocar a nova onda de revolta. E que talvez não vá realizar qualquer eleição, mesmo falsa. Mas quanto aos nossos aliados internacionais espero que vejam o verdadeiro rosto da ditadura e que parem estas tentativas de reeducar, de apaziguar.
O que é que Portugal e a União Europeia podem fazer para ajudar?
Quando deputados, políticos, diplomatas me perguntam o que mais podem fazer para ajudar, respondo sempre: fazer correctamente aquilo que já começaram a fazer. Porque vi que muitas iniciativas começaram mas desapareceram pelo caminho. Uma coisa simples: as sanções. Vocês impuseram sanções contra o regime, mas deixaram tantas brechas que elas podem ser facilmente contornadas. E o nível das trocas comerciais aumentou desde a imposição de sanções. Então fechem essas brechas, encontrem mecanismos para garantir a aplicação das sanções. Acabem o que começaram. Ou, por exemplo, privem o regime de espaço político na arena internacional. Não reconhecem Lukashenko como legítimo mas não o privam do seu espaço político. Nunca convidem as suas delegações para qualquer evento, porque estas pessoas espalham mentiras. E, se não os convidam, convidem o outro lado, as forças democráticas bielorrussas, dêem voz às pessoas. O que acontece é que às vezes as delegações pró-regime não são convidadas, mas por causa das restrições não nos podem convidar também. Dizem-nos: “Vejam, deixámos uma cadeira vazia. Significa que não reconhecemos o regime de Lukashenko.” Mas a cadeira vazia é zero de voz. E a nossa voz não será ouvida nesta reunião. Façam isto. É uma questão de consistência. E providenciem assistência às pessoas para continuarem a lutar. É tão difícil lutar quando estamos sozinhos! Precisamos de fortalecer a sociedade civil, fortalecer os nossos media para contrariar a propaganda. A Rússia põe milhões e milhões de euros na propaganda bielorrussa, e nós, com a nossa capacidade reduzida, temos que lhe fazer frente. Temos que encorajar de alguma forma as pessoas para que mantenham o seu espírito vivo. E quando as pessoas sentem que foram abandonadas é muito difícil.
Também quer que Lukashenko seja acusado…
Claro, também estamos à procura de responsabilização para o regime de Lukashenko. Abram as portas das vossas instituições que têm um mandato para levar os ditadores à justiça. Nós, como pessoas responsáveis, reunimos dossiês e dossiês de provas dos crimes. É vossa obrigação abrir uma investigação. Porque é que não o fazem? Já passaram três anos. Há um desastre humano no nosso país e as pessoas estão a morrer nas prisões.
Quem é pior, Lukashenko ou Putin?
É impossível responder, teria que comparar todos os ditadores. Mas o que acontece é que os ditadores estão a aprender uns com os outros. Pode ser que esteja errada, mas parece que Putin usou a Bielorrússia como local de teste, para testar a crueldade.
E Lukashenko é da mesma aliança de ditadores. E agora estão a testar as linhas vermelhas. Eles são o mesmo, têm o mesmo objectivo final.