164: Não cabe à ONU colar os cacos nem administrar Gaza

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“… O direito de veto é aliás a principal mancha no prestígio das Nações Unidas. ” “… É caso para perguntar quanto pesa a autoridade moral, perante a vontade de um país que pode exercer o veto sempre que lhe convenha?”

Simples! Dissolve-se a ONU (Organização das Nações Unidas) que de Unidas não têm nada e cria-se a OND (Organização das Nações Democráticas), onde não terão cabimento países com regimes terroristas, repressivos, ditatoriais, anti-democráticos!

🇵🇹 OPINIÃO

No início da semana, voltei à terra natal, a convite da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora. Pediram-me que abordasse o papel da ONU perante os desafios actuais da paz e do desenvolvimento sustentável, com base na experiência que acumulei ao longo de décadas. Um tema labiríntico, tendo presente o caos em que várias partes do mundo, incluindo a Europa, se encontram.

Mais ainda, porque o sistema multilateral tem enfrentado, desde o início do século, uma série de reveses que têm minado a credibilidade do pilar mais significativo da ONU: a defesa da paz e da segurança internacional.

Tudo começou em 2003, na cimeira dos Açores, em que Durão Barroso acolheu George Bush, Tony Blair e José Maria Aznar, e estes decidiram dar cobertura à invasão do Iraque, à revelia do Conselho de Segurança.

Depois, em 2011, Nicolas Sarkozy e David Cameron resolveram ignorar os limites aprovados no respeitante à crise na Líbia, e foram bem mais além, até conseguirem derrubar Muammar Gaddafi. Abriram, assim, as portas à enorme insegurança que existe presentemente no Sahel e às incontáveis desgraças no Mediterrâneo.

Na mesma altura, começou a guerra civil na Síria, que dura há 12 anos e que cada vez que o problema é trazido às Nações Unidas, é chumbado por Vladimir Putin, o aliado do criminoso Bashar Al-Assad. Até agora, a Rússia utilizou o seu direito de veto mais de uma dúzia de vezes, em defesa do ditador sírio.

O direito de veto é aliás a principal mancha no prestígio das Nações Unidas. No caso do conflito israelo-palestiniano e da situação no Médio Oriente, os EUA puxaram pela arma do veto dezenas de vezes, para bloquear decisões que Israel considerava contrárias aos seus interesses.

A Rússia tem igualmente usado e abusado desse direito, desde a invasão da Crimeia e do Donbass em 2014, e da nova agressão contra a Ucrânia, que recomeçou em 2022.

A 2 de Novembro, a Assembleia Geral votou uma nova resolução sobre o embargo norte-americano contra Cuba: a Resolução A/78/L.5. No total, 187 países votaram a favor do fim do embargo.

Apenas os EUA e Israel se manifestaram contra. Apesar desta expressão inequívoca da comunidade internacional, o bloqueio continua e as Nações Unidas saíram uma vez mais pela porta baixa.

É caso para perguntar quanto pesa a autoridade moral, perante a vontade de um país que pode exercer o veto sempre que lhe convenha? A minha resposta é mais positiva que aquilo que se possa pensar.

É verdade que não é suficiente para resolver os problemas, mas com o tempo a condenação moral enfraquece e isola quem usa e abusa de uma regra que clama por uma revisão profunda da sua prática. É isso que é preciso dizer repetidamente.

Como também é necessário reiterar que a composição do Conselho de Segurança tem de ser alterada, de modo a reflectir as relações geopolíticas de hoje. Ao mesmo tempo, deve haver coragem para dizer que as missões de paz das Nações Unidas precisam de um mandato mais robusto e de um apoio mais firme do Conselho de Segurança.

O que está a acontecer no Mali, com os golpistas militares a expulsar a missão da ONU – cerca de 15 mil elementos -, para mais num período inaceitavelmente curto de seis meses, ou a maneira como são tratadas as missões no Congo-Kinshasa ou no Sudão, tudo isso prejudica gravemente a imagem da ONU.

É um erro ficar calado perante decisões aberrantes de Estados que não querem aceitar os princípios fundamentais das missões de paz. O silêncio não significa diplomacia, revela timidez e oportunismo barato.

Durante o debate em Évora não houve oportunidade para discutir que papel político poderão desempenhar as Nações Unidas na Faixa de Gaza, uma vez terminada a controversa operação israelita.

António Guterres, numa entrevista há dias à CNN Internacional, foi pouco claro, quando questionado sobre o assunto. Mas o problema está em cima da mesa. Tenho participado em vários debates internacionais sobre quem deveria administrar Gaza, quando e se se retirarem os militares israelitas.

Esta é uma preocupação que faz parte das reflexões em várias capitais. A minha posição tem sido transparente: a responsabilidade política da administração transitória de Gaza não deve ser atribuída à ONU. Neste momento, a ONU não tem força suficiente para uma tarefa desse tipo.

Se tal acontecesse, a ONU ficaria subordinada aos interesses de Washington e Tel Aviv, que consideram Gaza como um território que precisa de ser mantido sob controlo, debaixo da bota militar israelita. E isso seria mais um golpe profundo no prestígio das Nações Unidas.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

DN
Victor Ângelo
17 Novembro 2023 — 00:28


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator

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One thought on “164: Não cabe à ONU colar os cacos nem administrar Gaza

  1. – “… O direito de veto é aliás a principal mancha no prestígio das Nações Unidas. ” “… É caso para perguntar quanto pesa a autoridade moral, perante a vontade de um país que pode exercer o veto sempre que lhe convenha?”

    Simples! Dissolve-se a ONU (Organização das Nações Unidas) que de Unidas não têm nada e cria-se a OND (Organização das Nações Democráticas), onde não terão cabimento países com regimes terroristas, repressivos, ditatoriais, anti-democráticos!

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