Petróleo – Quem ​​​​​​​produz manda!

 

🇵🇹 OPINIÃO

A “rentrée do crude” aconteceu esta terça cinco, com o anúncio coordenado e conjunto de que Arábia Saudita e Rússia, continuarão a reduzir a produção de crude até ao final do ano.

Com a produção saudita propositadamente decrescente desde Junho, era esperado pelos mercados um alívio para o último trimestre do ano, uma benesse a partir do “Príncipe Reguila de Riade” que, entretanto, provara que é “quem mais ordena neste campeonato”!

Para já, ficou decidido que a Arábia Saudita reduzirá mais um milhão de barris por dia e a Rússia, mais modesta, mas a jogar em casa, contribui com uma redução de 300 mil barris dia.

Porquê?

Porque sim, porque quem produz manda. É quanto basta para os sauditas, sendo que têm razões para isso, são os maiores produtores e com mais reservas. Querem naturalmente ter “mão visível” no mercado.

Por isso mesmo, também foi anunciado pelas autoridades sauditas que apesar da redução, serão efectuadas avaliações mensais às necessidades do mercado global, para perceberem se têm que “apagar algum fogo”, acalmar alguns ânimos, ou ainda reduzir ainda mais, enquanto reforçam a sua posição neste tabuleiro estratégico.

Quanto às “autoridades sauditas” deste sector-chave da economia saudita-mundial, resumem-se a dois homens, o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman e seu meio-irmão, o príncipe Abdulaziz bin Salman, ministro dos Petróleos do Reino.

Esta dupla, com “músculo para flectir”, parece querer iniciar uma “frente unida para lá de Kiev”, já que a recente adesão aos BRICS, faz Arábia Saudita, Irão e Emirados Árabes Unidos (três novos efectivos a partir de Janeiro), juntamente com Brasil, Rússia e China (todos BRICS), representarem seis entre os nove maiores produtores de petróleo do mundo.

Porque será que a OPEP anuncia/pede aumento de produção e Arábia Saudita reduz? Porque o verdadeiro poder está nesta “frente unida dos petroleiros de todo o mundo”! Para já, a iniciativa é saudita e neste jogo, a regra diz que “quem chega primeiro geralmente ganha”!

Porque ao reduzir/aumentar a produção, controla-se o preço e ao reduzir, aumentam automaticamente os preços dos combustíveis em Badajoz. Isto é o básico, ter mão no mercado, controlá-lo a gosto como, quem controla a banca no jogo do Monopólio.

Mas há também outro interesse, que tanto é comum a russos/sauditas, como americanos/ocidentais na generalidade. Esta redução da produção/fluxo de crude, também vai refrear a indústria/economia chinesa, o maior importador de petróleo do mundo, sobretudo clientes de sauditas.

Mercado apertado, sob liderança saudita e poder agradar a ocidentais numa rubrica tão importante, é ter argumentos para não alienar totalmente aliados importantes como americanos e europeus, perante a decisão de se alinhar com a Rússia na “guerra das matérias-primas”.

Os preços do crude têm aumentado 20% desde Junho, coincidentemente acompanhando um contínuo desaceleramento da economia chinesa. Missão cumprida e em curso, que assim agrada-se a “russos e a troianos”!

A Arábia Saudita tem “a guitarra e as unhas” e vai continuar a tocá-la ao seu ritmo, soberano e altivo. Pelo Natal, o barril de crude deverá bater nos míticos 100 dólares ou mais. Sorte saudita, o Natal “ser uma cena káfir”!

Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia

– Os nomes dos meses escrevem-se, segundo a antiga ortografia, com iniciais grandes, não minúsculas.

DN
Raúl M. Braga Pires
08 Setembro 2023 — 00:20


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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Gabão 2023 – “Françafrique 1959”

 

🇵🇹 OPINIÃO

Os acontecimentos desta semana no Gabão marcam o sétimo golpe militar em África, desde 2020 (atenção, o Mali teve “dois golpes dentro do Golpe” e o Burquina teve “um golpe dentro do Golpe!”). O “Gabão 2023” explica-se num parágrafo!

No passado sábado 26, o Gabão teve eleições presidenciais, para uma esperada terceira vitória consecutiva do candidato-Presidente (PR) Ali Bongo Ondimba, no cargo desde 2009.

As condições habituais para a “chapelada eleitoral” estavam criadas. Corte total da Internet durante três dias, incluindo o de voto e proibição da presença de jornalistas estrangeiros e de observadores eleitorais, nomeadamente da União Europeia, que não puderam validar os resultados e a condução do processo.

O timing dos militares foi o anúncio dos resultados na quarta-feira 30, que confirmavam a vitória do PR Bongo com 64,27% dos votos. Os militares não decidiram terminar com uma presidência que durava desde 2009, mas com um regime que dura desde 1967!

Porquê? Porque a “dinastia Bongo” tinha planos para ganhar a alcunha de “Coreia do Norte Africana”, ao programar colocar o neto do PR Omar Bongo (1967-2009) na cadeira que fora do avô e do pai. Ou seja, os gaboneses prospectivavam os próximos 50 anos, como viveram os últimos. Disseram basta!

Aproveitaram os ventos de propaganda anti-francesa que sopram África adentro e resolveram fazer aquilo que ouvem muitas vezes o homem branco dizer nos fóruns internacionais, “soluções africanas para problemas africanos!”

Não tendo nada a ver com os golpes no Mali, Burquina, nem com os russos, no entanto o golpe no Gabão procura exactamente o que os citados, mais o Níger procura. “Mentiras novas”, alternativas “às natas azedas” e opções face à colonial “tábua de queijos”, sempre franceses, sempre iguais.

Em suma, do Mali ao Gabão, a rejeição africana da década de 20 é à “Françafrique de Foccard e De Gaulle”. Essa é que é essa!

O termo “Françafrique” foi cunhado em vários livros pelo activista de direitos humanos François-Xavier Verschave, nos quais explica o esquema encontrado pelo Empresário-Conselheiro Presidencial Jacques Foccard e o PR Charles de Gaulle (por 1959-60), para manterem o controlo económico e geoestratégico das colónias a descolonizar.

“O mais longo escândalo da República”, segundo Verschave, que vê também neste modelo de imposição de dependências “uma organização criminosa que funciona através de uma nebulosa de actores económicos, políticos e militares, em França e em África, organizados em redes e grupos de lóbi empenhados em se apropriarem de recursos naturais e fundos canalizados para o desenvolvimento/bem público”.

O Gabão e a família Bongo, foram um dos pilares da Françafrique, sobretudo quando na década de 1970 se descobriu petróleo no país.

O instrumento francês que serviu de trela aos gaboneses foi a Elf-Gabon, subsidiária da Elf-Aquitaine e que durante décadas agiu como governo-sombra, em benefício dos interesses franceses.

Outro bom exemplo de outro “instrumento-trela” utilizado na África Ocidental, é o Franco CFA (colónias francesas em África, explícito!). 50% do bolo Franco CFA, está no Banco Central Francês, forma de manter controlo sobre a gestão diária dos países aderentes à UEMOA (Union Economique et Monetaire Ouest Africaine, oito associados de Bissau ao Benim).

Esta onda de golpes explica-se através da seguinte imagem, “a bola do colonialismo há muito que bateu na parede e agora está-nos a rebentar na cara!”

Nesse sentido e no seguimento do fim de uma “presidência de 1967”, os PR”s Paul Biya dos Camarões (desde 1982) e Teodoro Obiang da lusófona Guiné-Equatorial (desde 1979), não deverão andar a dormir descansados!

Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia

DN
Raúl M. Braga Pires
01 Setembro 2023 — 00:25


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“BRICS Cristal” – Da Argentina ao Irão!

 

🇵🇹 OPINIÃO

A 15.ª Cimeira de Chefes-de-Estado dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que decorreu esta semana em Joanesburgo, deliberou que a partir do Primeiro de Janeiro de 2024, Argentina, Egipto, Etiópia, Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, passarão a ser membros efectivos, deste clube de economias mais do que emergentes.

Exemplo fatal disso, é o facto de a partir do próximo ano Arábia Saudita, Irão, Emirados Árabes Unidos, juntamente com Brasil, Rússia e China, representarem seis entre os nove maiores produtores de petróleo no mundo, irmanados num clube não obrigatoriamente antagónico, mas de postura itálica e atenta face à soberba do G7.

Tudo acontece em momento de “guerra pelos hidrocarbonetos”, uma externalidade da guerra da Ucrânia, que surgiu enquanto retaliação. Os europeus fogem do gás russo, como os americanos dos hidratos de carbono a partir das 12h!

Deste bloco de conseguimentos, destaque para o Irão, cuja vitória, mais do que um reconhecimento de grau económico, trata-se de mais uma vitória na fuga ao isolamento internacional a que foi grandemente votado a partir do “reviralho de 1979”, que fez da República, Islâmica, muito antes dos “Baghdadis desta vida”! Não há “eixo do mal” definido por Washington, que não contemple o Irão desde essa altura.

A República Islâmica, no início do século, era considerada um pária, juntamente com Líbia, Cuba e Coreia do Norte. Duas décadas depois e apesar das pesadas sanções ocidentais, o Irão atinge oficialmente a Categoria B das grandes economias!

Esta circunstância, das sanções, sempre obrigou o Irão a procurar alternativas, tendo-as encontrado em organizações sem países ocidentais, primeiro num mundo dividido em dois, mais tarde acompanhando o ritmo da China, ao aderir em 2001 à Organização de Cooperação de Xangai e actualmente, na “bipolaridade tripolar”, o Irão tem bem definido o seu alinhamento com Rússia e China (ambos versus Ocidente, fazem a “bipolaridade tripolar”), sendo a actual guerra na Europa mais um mote para este posicionamento.

Neste contexto, um átomo que tem parecido mais solto, é a Arábia Saudita, com relações regularizadas com o Irão, frutíferas parcerias com a China e porta escancarada para a cooperação com russos.

Esta “neutralidade colaborante”, muito tem incomodado o Ocidente, não vá o Príncipe entusiasmar-se e voltar a baixar a produção de petróleo, jogando o jogo dos interesses russos, nem que seja só para dizer que o maior produtor de petróleo do mundo conta!

Este grupo de seis eleitos, também obedece à procura dos equilíbrios. Integrar Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos e não integrar o Irão seria uma afronta. O mesmo se pode dizer relativamente ao Egipto e Etiópia, por causa das águas do Nilo.

A Argentina vai equilibrar o Brasil no grupo e reforçar o Mercosur num tabuleiro onde as organizações regionais “não têm fronteiras”, têm o interesse da afirmação e a ambição de se tornarem opção ao “tradicional bife com batatas fritas”!

Politólogo/Arabista www.maghreb-machrek.pt (em reparação). O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

DN
Raúl M. Braga Pires
25 Agosto 2023 — 00:58


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Os “Tambores de Guerra” da CEDEAO tocam baixinho!

 

🇵🇹 OPINIÃO

Há neste momento duas realidades relativamente à situação no Níger. A primeira são as sucessões de reuniões dos países membros da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), sucessivamente adiadas sine die e saltitando entre Abuja na Nigéria (Presidente da CEDEAO em 2023), Accra no Gana, sempre com os telefones sintonizados com Dakar e muito provavelmente Paris.

À medida que estas reuniões vão decorrendo, o tom das declarações finais vão fazendo subir de tom “os tambores da guerra”, mas estes adiamentos também significam que os onze membros (são quinze mas os golpistas Mali, Burquina Faso, República da Guiné e Níger estão suspensos) não fecharam as portas ao diálogo e a um entendimento diplomático.

Em segundo, enquanto o tempo passa, a Frente Patriótica para a Justiça e Desenvolvimento do Níger, vai consolidando a sua posição, já nomearam governo e o novo PM, Ali Mahaman Lamine Zeine, até já efectuou a sua primeira visita oficial ao Chade, afirmando na televisão desse país que o mesmo (Chade) está do lado dos novos “patriotas do Níger”!

Esta visita e estas afirmações prospectivam também um olhar a oriente a partir de Niamey, quando a comunidade internacional privilegia uma preocupação a ocidente, através das implicações que uma guerra generalizada na região poderia ter.

Ou seja, a partir da hinterlândia Sahel Ocidental, já com Mali e Burquina nas mãos dos russos, o imperativo será chegar ao mar enquanto porta de entrada e saída para este “beco” que começa em Bamako e agora termina na fronteira leste do Níger com o Chade.

Por outro lado, o Chade encontra-se de momento entalado entre um Níger golpista e uma República do Sudão em guerra, também aqui com a presença Wagner. Caso estes russos ganhem um novo quinhão chamado Níger, passarão a ter uma vista privilegiada sobre o Mar Vermelho na costa oriental africana.

Este é o jogo russo no Sahel, catapultar-se para a costa oriental, reforçar a sua presença no Mar Vermelho, o que também significará reforçar a sua presença no Suez, um dos “pontos de estrangulamento” no Mediterrâneo que mantêm a Crimeia útil para o Kremlin.

Ter essa Península e não ter todos os “estrangulamentos” abertos à navegação (Bósforo, Dardanelos, Suez e Gibraltar), fará do Mar Negro um “Mar Morto”, fechado ao mundo!

Dito isto, ponto de ordem importante, o golpe no Níger nada teve a ver com russos ou com a presença Wagner na região. Tratou-se de “fenómeno” totalmente doméstico e espoletado por uma birra do General Tchiani!

Quanto à CEDEAO, estes adiamentos também reflectem uma realidade que se quer manter o mais reservada possível e que se pode resumir nos whatsapp”s que temos recebido da região.

Exemplos: “Existe falta de balas para as espingardas. Muitos dos militares andam armados, mas as pessoas não sabem que é só show-off, estão vazios!”

Quanto aos Wagner, incluídos nesta escassez de munições e outros aparatos, “não têm gente suficiente para dar conta do recado aqui (Mali e Burquina), como é que vão ter gente para enviar para o Níger?”

O cenário operacional é este, sendo necessário também acrescentar uma falta de consensualidade entre os onze países “actualmente válidos” no seio da CEDEAO, já que muitos, na senda da constitucionalidade precisam de aprovação parlamentar para avançarem para a guerra, facto cujo debate será sempre problemático para os governos e presidentes em funções.

Será hoje, uma sexta-feira, que é o “domingo dos muçulmanos”, que muito provavelmente será emitido um comunicado que fará o resumo de uma maratona de reuniões, que já vai entrar na terceira semana de ameaças e de “perda de face” da própria CEDEAO, que também não se pode “pôr mais a jeito”.

Jummah Moubarak Níger, Jummah Moubarak CEDEAO, que é como quem diz “sexta-feira abençoada”!

Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt (em reparação). Escreve de acordo com a antiga ortografia

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Raúl M. Braga Pires
18 Agosto 2023 — 00:23


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“Níger 2023” – Golpe consumado!

 

🇵🇹 OPINIÃO

Resta-me dar ambas as mãos à palmatória (enquadre-se através da leitura “Níger – Golpe nono na região, desde 2020!”) e também tentar analisar à lupa a evolução desta primeira semana do “Níger 2023”, em comparação com o Mali 2020 e o Burkina Faso 2021.

Falo dos golpes militares que se consumaram nestes três países, sendo que o “Golpe nono” se refere ao total de golpes e tentativas, desde 2020 no Sahel Ocidental. O Níger, por exemplo, teve uma tentativa em 2021 que divide os especialistas.

A partir do Níger, dizem que foi o General Tchiani, actual líder do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria, a Junta Militar do Níger, a provocar a intentona, enquanto que os especialistas a partir do exterior, dizem o contrário, que foi ele a peça-chave que pôs mão no golpe e o evitou.

Em primeiro, este golpe nada tem a ver com os russos. Estes tinham aliás colocado uma linha vermelha no Níger, por causa das duas bases de drones americanos no território.

O Níger é o maior aliado americano no Sahel, os russos sabem-no e os americanos não vão querer perder este “porta-drones” no coração de uma região infestada por operacionais e simpatizantes jihadistas, cujas movimentações são de “rato-do-deserto” e de monitorização prioritária;

Em segundo, este golpe merece um nome aveludado, de fruta tropical, tão discreto foi. Até parece que Tchiani o tinha na cabeça há anos e só o partilhou quando teve que ser, provavelmente na véspera!

Repararam que as restantes chefias militares encabeçadas pelo Chefe-de-Estado-Maior Abdou Sidikou Issa (no cargo desde Abril), foram as únicas a serem autorizadas a entrar no perímetro de segurança montado à volta do Palácio Presidencial, enquanto nos quartéis estava tudo calmo, não havia unidades de patrulha nas ruas, um dispositivo preventivo?

Ou seja, foram todos apanhados de surpresa e a televisão validou a contínua calma, que o meu chefe estava lá e assinou o papel;

Em terceiro, o General Tchiani, Chefe da Guarda-Presidencial e líder da revolta, vive isolado no Palácio. Não sai! Tem russos, americanos e europeus a baterem-lhe à porta e não quer abrir porque quer manter o assunto isolado do exterior;

Em quarto, o golpe é dos nigerinos, demonstrativo também da facilidade com que podem ser feitos a partir de dentro, sem complots internacionais.

Começa aqui o grande dossier chamado segurança, na qual tendemos a pensar a um nível macro. Fronteiras, drones, satélites, quando em terra um homem dá uma ordem e fica tudo do avesso.

Neste sentido, o mesmo também aconteceu no Mali e no Burkina, mas tiveram mais luta, a tropa saiu à rua, os russos estavam presentes e activos, enquanto os populares reciclavam as bandeiras francesas em russas. Houve festa!

Há nove anos, no primeiro de Agosto de 2014, François Hollande em visita ao vizinho Chade, apresentou a Operação Barkhane em Njamena, em parceria com o G5-Sahel (Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger e Chade).

A placa central do Sahel Ocidental tem agora juntas militares à cabeça. Sobram as pontas, Mauritânia (acesso ao Atlântico) e Chade (fronteira com o Sudão em guerra e a sofrer a pressão dos refugiados na fronteira leste)!

Talvez o nome apropriado para o “Níger 2023” seja “a revolta baunilha”, de tão “fermosa e não segura” ela vai!

Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
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DN
Raúl M. Braga Pires
04 Agosto 2023 — 00:27


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291: Níger – Golpe nono na região, desde 2020!

 

– Os mercenários russonazisturras do wagner de Prigozhin vão dar uma ajudinha ao golpe-de-qualquer-coisa…

🇵🇹 OPINIÃO

Há menos de um ano, durante uma conferência no Instituto Universitário Militar, insurgi-me a partir da plateia, durante o período reservado ao debate, perante a análise de um “tudólogo da moda”, que através de contas simples, projectava o Níger como o próximo a cair, após as quedas do Mali e do Burkina Faso.

O cálculo era simples demais e não contemplava elementos-chave a considerar na equação. Perante os acontecimentos dos últimos dois dias, sou obrigado a “dar uma mão à palmatória”, mantendo a outra atrás das costas!

Porquê? Porque os elementos-chave que apresentei como justificação na conferência mantêm-se e terão o peso necessário para sustentarem um contra-golpe. Que elementos são esses?

Em primeiro, o facto de o Níger ser a mina de urânio a partir da qual o parque nuclear francês é alimentado em 80%. A empresa chama-se Areva, tendo sido interessante em 2011 comparar a integração dos “tuaregues de Kadhafi”, no Mali e no Níger.

No primeiro foram deixados à solta, alimentando o sonho de um Azawad independente, em confronto armado directo com Bamako, enquanto no Níger foram todos integrados nessa empresa francesa de exploração de urânio.

Nesses anos de Primavera Árabe, a maior convulsão social e política no Níger, foi uma greve geral na Areva, não iniciada pelos trabalhadores, mas instigada pelo poder central de Niamey, a capital, que queria negociar os parcos 2% da exploração que a França lhes concedia, enquanto “lucro-migalha”!

Forçaram os 25% para voltarem ao trabalho e terão conseguido 18% no final da negociação, salvo erro. Ou seja, o Níger é inegociável para a França.

Em segundo e decorrendo da importância desta mina para Paris, a deslocalização dos cerca de três mil militares franceses da Operação Barkhane, que se encontravam no Mali, foram instalados no Níger, precavendo-se de um hipotético cenário como o actual.

Em terceiro, o Níger é o maior aliado americano no Sahel, com a presença de 800 militares e duas bases de drones, também fundamentais para a monitorização das movimentações jihadistas na vasta região fronteiriça com o Mali, Burkina Faso e norte da Nigéria.

Quanto às razões para o golpe iniciado quarta-feira pela Guarda-Presidencial do General Omar Tchiani e confirmado ontem pela manhã, ainda são “flou“, como se diz em francês.

Vagas em português, apontando para o custo de vida, incompetência governamental e corrupção. Dado interessante, são as fileiras fora e sem acesso ao

Palácio Presidencial, manterem o silêncio e a inacção, apesar do Chefe-de-Estado-Maior Abdou Sidikou Issa, assinar o comunicado dos revoltosos. Sidikou Issa ocupa o cargo apenas desde Abril e haverá quadros-chave no Exército que não o apoiarão.

Quanto à população, começa a sair à rua empunhando cartazes que dizem “Não queremos mais golpes”, reforçando a legitimidade da eleição democrática do Presidente Mohamed Bazoum, em 2021.

Este último, um dado inédito na mobilização da sociedade civil, que poderá dar força a oficiais subalternos em desacordo com o CEMA nigerino.

Na verdade e perante o actual “nevoeiro das primeiras horas”, poderemos estar mais perante um golpe de força, que de um golpe de estado.

Confirmando tratar-se de um golpe, a equação complica-se de tal forma, que a prioridade do urânio para a França, de um aliado-chave para a União Europeia no combate à emigração ilegal e da manutenção dos americanos numa “África amiga”, poderá fazer de novo todo o Sahel Ocidental cair no abismo da guerra, novamente com russos de um lado e o Ocidente colonial do outro.

Por isso mesmo, mantenho uma mão atrás das costas, que este novo capítulo da longa História saheliana só agora começou!

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

DN
Raúl M. Braga Pires
28 Julho 2023 — 01:04


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Wagner em África – Le Crescendo!

 

🇵🇹 OPINIÃO

Le Crescendo é uma Opera Bufa em um acto, de Luigi Cherubini (1800), com uma personagem de nome Major Frankenstein. É em quem penso cada vez que Yevgeny Prigozhin aparece no écran, enchouriçado no camuflado, por vezes com um cap ao estilo basebol, ora a espalhar charme, ora a mandar tudo pó camandro em russo, lançando muita gente na ilusão do Delfim salvador, quando se trata do monstro a virar-se contra o criador.

Discute-se actualmente o paradeiro de Prigozhin, havendo que contemplar fortemente a hipótese África na equação, solução que até poderá servir para ambas as partes saírem menos mal na fotografia, mantendo-se assim também os equilíbrios em África, um imperativo a considerar.

É possível que já esteja em Benghazi ou Tobruk, na Líbia, na companhia do Marechal Haftar, um benfeitor dos Wagner em África, sobretudo agora que os sustenta a armas e rações de combate na frente sudanesa.

Exactamente a Cirenaica, o leste líbio de Haftar, é a “Central de Compras Wagner” que lhe garante ânimo e munições na defesa do ouro que exploram no Sudão, razão pela qual o presidente (PR) Putin não terá interesse em cortar este fluxo de ouro, diamantes e urânio, para os cofres vazios da Federação.

Ou seja, é possível a Prigozhin refugiar-se na Líbia, manter controlo na “Wagner africana” e esta operar em prol dos cofres da Mãe Rússia sem interferência do líder do Grupo.

Será esta não interferência que lhe garantirá uma manutenção de estatuto ao não ser perseguido, preservar a vida e provar que primeiro vem a Rússia e depois os egos.

Ambos, Putin e Prigozhin, lutam actualmente pela capitalização dos respectivos créditos pessoais junto das populações, alimentando mitos fundamentais para um bem último, ficarem apresentáveis na fotografia e manterem-se os equilíbrios, que isto vai cair, mas não pode ser à bruta, como em 1991.

Desse ponto de vista, o Ocidente não tem mais nada a provar, devendo demonstrar apenas responsabilidade ao colaborar numa queda amparada, gradual e não abrupta. Como fazê-lo em África?

Ter os Wagner em acção em benefício dos cofres russos, em África, mantendo os equilíbrios não será difícil, bastando replicar no futuro o vazio de oposição actual face à sua acção no Continente.

Ou seja, basta manter as missões das Nações Unidas com falta de robustez, basta manter a União Africana com falta de orçamento, armas e motivação! O peso do trauma do ex-colonizador continuará a toldar futuras decisões/intervenções da União Europeia.

Por último, será importante que os americanos continuem a manifestar um não interesse em África, à excepção da caça ao salafista. Desta forma, a preservação do statu quo antes garantirá o equilíbrio desejado que valerá cara limpa a ambas as partes!

Falhando tudo isto, ou alterando-se de forma significativa, os próximos 50 anos transformar-se-ão num “déjà vu” para África, no sentido em que será de novo plena de guerras “proxy”, com a agravante dos pequenos interesses de líderes locais, com arsenal acumulado no entretanto, poderem constituir vectores importantes e adicionais à “simplicidade” da equação anterior, complicando a evolução dos acontecimentos, bem como o resultado final.

Dito isto, os Wagner em África deverão ter condições para irem em crescendo, independentes dos Wagner na Europa. Porquê? Porque isto não pode cair assim, tem que se ir desmontando. Mais, porque estes gajos não nos podem estragar mais um Verão!

Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
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D.N.
Raúl M. Braga Pires
30 Junho 2023 — 00:18



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139: Absolut Erdogan!

 

🇵🇹 OPINIÃO

É caso para dizer, “eu bem avisei”! Ainda antes da primeira volta das Presidenciais turcas, tracei numa linha o que achava que iria acontecer. Muito foguetório para ficar tudo na mesma e ficou! Porquê?

A equação é simples, os eleitorados têm sempre comportamentos conservadores quando são confrontados com um “ou vai ou racha”, personificado por candidatos representativos da ruptura.

As ideias e propostas apresentadas podem ser interessantes e motivadoras, mas nunca se sabe o que lá vem, após 20 anos, no caso turco, de estabilidade política e económica. Este lastro de 20 anos de vida pública, enquanto primeiro-ministro e depois presidente, assegura ao eleitorado exactamente o que muitos turcos foram afirmando durante o período de campanha e que se pode resumir a um “promessa feita por este homem é promessa cumprida.

Disso ninguém pode duvidar na Turquia, tem provas dadas. Erdogan dá-nos garantias de nunca ter falhado à palavra dada.”

Perante isto e o facto de todo o aparelho de Estado se ter mobilizado em função da campanha de reeleição do candidato Erdogan (52%), foram factores decisivos no resultado final, tendo o candidato derrotado (Kemal Kilicdaroglu, 48%) considerado por isso mesmo, esta a mais desonesta campanha de todos os tempos na Turquia.

E agora senhor presidente, que fazer? O AK Party de Erdogan teve perdas consideráveis nas Autárquicas de 2019 e tentará a partir deste resultado, catapultar o mesmo e o eleitorado para recuperar as perdas desse ano, nas Autárquicas de 2024, sobretudo nos grandes centros urbanos.

Aliás, o mapa eleitoral turco apresenta precisamente o grande dilema do Mundo Islâmico actual, os tempos urbanos versus os tempos rurais.

Por isso mesmo os islamistas do AK Party de Erdogan facilmente ganham na “grande província interior” e tem vindo a perder nos grandes centros urbanos, como Istambul, Ancara e Izmir, que naturalmente quer recuperar.

Mas há mais, um combate que ainda não se percebeu em que moldes, mas que necessita de ser feroz à galopante inflação, desvalorização da moeda e forte desemprego.

Por outro lado, a Turquia do dia seguinte às eleições mais parecia Portugal, com a juventude urbana a dizer a cada entrevista que a solução após a desilusão da derrota seria a saída do país, verbalizando a certeza de que não haveria lugar para eles na “Turquia de Erdogan”.

Ou seja, apesar dos quase 85 milhões de habitantes, a verdade é que a fuga de mão-de-obra especializada, tem também sido uma realidade dos últimos 20 anos.

Do ponto de vista macro do mapa regional, esta “vitória erdogânica” oferece garantias ao próprio e ao Ocidente de que a “mediação razoável” entre Rússia e Ucrânia está garantida.

Refiro-a enquanto razoável, já que o presidente Erdogan tem bem vincado que o pior que pode acontecer é colocar Putin entre a espada e a parede, sem saída.

Tem presente esta realidade, reforçada pelo facto de a Turquia ter uma “bomba-atómica” que pode utilizar contra o quase-aliado Rússia, já que controla os estreitos do Bósforo e dos Dardanelos, que permitem o acesso do Mar Negro ao Mar Mediterrâneo.

Ora Erdogan mantém assim a chave que pode fechar estas portas a qualquer momento. Putin sabe disso e dá-lhe o privilégio em aparecer enquanto “corretor dos cereais”, o “alquimista” que resolve o problema do fornecimento dos cereais a África.

Porquê? Precisamente porque mantém o controlo do Bósforo e dos Dardanelos! Putin permite este protagonismo humanitário a Erdogan e este continua a garantir uma Crimeia útil para a Rússia.

A bem destes equilíbrios macro, manter Erdogan presidente, foi um bom resultado para a Turquia.

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D.N.
Raúl M. Braga Pires
02 Junho 2023 — 00:27


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126: A discreta passagem do Presidente da Argélia por Lisboa

 

🇵🇹 OPINIÃO

Os dias 23 e 24 viram uma passagem quase meteórica do Presidente (PR) da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, em Lisboa.

Digo-o desta forma, porque não vi grandes ecos nos media portugueses, a propósito da visita daquele que nos continua a permitir tomar banho de água quente, já que se trata do maior fornecedor de gás natural a Portugal. A Presidência da República bem o sabe, tal a pompa protocolar com que recebeu o PR Tebboune.

Recebido na Praça do Império com Honras Militares, execução dos dois Hinos Nacionais, salva de 21 tiros, revista e desfile da Guarda de Honra.

Marcelo não falha e Tebboune também não nos tem falhado, apesar da crescente tensão entre Argel e Madrid a propósito da disputa sahraoui, cujo Governo de Pedro Sanchez, decidiu no ano passado ensaiar uma definitiva aproximação a Rabat, afastando-se assim das intenções de Argel face aos destinos das Províncias do Sul marroquino.

Neste desalinhamento Argélia-Espanha, a “bomba atómica” argelina foi utilizada com Marrocos, através do corte total de fornecimento de gás ao Parque Industrial de Tânger, corte que também se acenou a Espanha.

É aqui que Portugal entra, já que depende dos gasodutos espanhóis para o gás argelino chegar ao eixo Portalegre/Figueira-da-Foz, que o distribui pelo país e nos permite todos os confortos domésticos, mais um não “desacelaramento” industrial e comercial.

É esta a preocupação do Presidente da Argélia, fazer frente a Espanha com um crescente desinvestimento na Península Ibérica, face a um crescente investimento na Península Itálica, sem prejudicar Portugal.

Fazê-lo, seria alienar Portugal de uma importante relação que não passa apenas pela dependência deste hidrocarboneto. A Argélia não depende de Portugal na área da construção civil, mas confia muito nos arquitectos e engenheiros portugueses.

Não foi por acaso que foi uma empresa portuguesa a construir a infra-estrutura que actualmente serve de cama ao Metropolitano de Argel. No Magrebe, os portugueses têm fama de serem os melhores construtores de pontes na Europa.

Falo de arquitectura e construção, mas Portugal também sabe e poderá construir outras pontes entre Marrocos e Argélia, entre Espanha e Argélia.

Como? Ainda vamos a tempo de sugerir a inclusão da Argélia na Candidatura tripartida Portugal/Espanha/Marrocos ao Campeonato do Mundo 2030.

Provar-se da impossibilidade desta iniciativa, até por decisão da própria FIFA, apenas porque sim, não a torna um “delírio raulesco”, antes uma iniciativa construtiva que “bem esgalhada” deixará a marca-de-água das boas intenções, que num futuro próximo poderá ter resultados práticos.

Chegará o dia em que marroquinos e argelinos terão que se sentar frente-a-frente e resolver o assunto, que estará por um destes dias a chegar o pós-guerra, período que obriga a novas perspectivas, já que a guerra também se faz para que nada fique como dantes! É isto o reajustamento geopolítico que se fala nos telejornais.

Esta visita foi a segunda visita presidencial a uma capital europeia, desde que o PR Tebboune tomou posse em Dezembro de 2019. A primeira foi precisamente a Roma e não a Madrid.

A Argélia está preocupada em não alienar Portugal e nós não “esgalhámos” mediaticamente esta visita, desde as boas intenções argelinas, até aos ovos que os seus opositores lhes mandaram em plena baixa lisboeta, logo após o terem apupado à chegada à Câmara Municipal de Lisboa.

Em duas semanas Lisboa assistiu às visitas do PM marroquino Aziz Akhannouch (12.05) e agora do PR argelino, prova da importância deste crescente “pivot geopolítico” Portugal/Espanha/Marrocos. Porque não acrescentar-lhe a Argélia e fazer deste triângulo um quadrado ainda mais promissor?

Para quem ainda não percebeu, esta guerra abriu-nos a janela que nos pode proporcionar um flic-flac que nos transportará da cauda, para a cabeça da Europa. Tudo dependerá dos políticos, que sempre fomos bons a Ginástica!

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

D.N.
Raúl M. Braga Pires
26 Maio 2023 — 07:48


Web-designer, Investigador
e Criador de Conteúdos Digitais


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12: Sexta-feira Santa de jejum!

 

🇵🇹 OPINIÃO

A Páscoa 2023 calha este ano a meio do Ramadão de 1444 da Hégira. No ano passado, o Eid”ul Fitr, a Festa do Fim do Jejum calhou precisamente no Domingo de Páscoa.

O calendário não engana, o calendário islâmico é lunar, logo tem entre nove a treze dias a menos que o calendário dos 365, o Gregoriano. Tendo o jejum deste ano começado a 23 de Março, o 15.º dia bateu ontem. É olharem para a lua esta noite e verem-na no auge de uma quinzena de gravidez!

Hoje os católicos jejuam carne tendo a Quaresma terminado ontem. Este hábito quase prosaico, quase pagão de não se comer carne na sexta-feira Santa, é aquilo a que os muçulmanos chamam de bida”a, inovação, considerada anti fundamentos, logo desvirtuadora da essência e corta-caminho para o pecado! Esta “inovação católica”, só consegue ser completamente compreendida se juntarmos o Carnaval à Páscoa.

O Carnaval foi instituído enquanto período de excessos, para compensar o jejum da Quaresma que se seguiria. Mas a orgia era bife do lombo, era empanturrarem-se com carne até doer-lhes a barriga, porque depois estariam 40 a 46 dias proibidos de a comerem.

Com as complexidades da vida urbana, passou-se a jejuar carne apenas às sextas-feiras de Quaresma e actualmente apenas à sexta-feira Santa, de forma voluntária e em nada limitativa nos menus dos restaurantes.

Ou seja, a religião há muito que deixou de ir para a cama e para a mesa connosco, como Estado laico que se preze. Disto não nos podemos queixar. Actualmente, são os próprios padres e demais religiosos a sugerirem que a Quaresma pode ser adaptada a certos hábitos e manias actuais.

Exemplos, o indivíduo pode fazer apenas jejum ao chocolate, ao álcool, ao refrigerante, durante toda a Quaresma. Confortável, tem um vício e aborda-o como se de um jogo se tratasse, como uma prova, onde nada é definitivo e/ou obrigatório.

A mesma abordagem que os pedo-psiquiatras usam com os miúdos, onde as tarefas são apresentadas como desafios! São estas algumas das “inovações católicas” que têm permitido uma adaptação dos hábitos e obrigações religiosas às exigências da vida urbana e cosmopolita. Compatível, porque confortável e tranquilo.

Já o jejum islâmico, imposto por decreto, onde se vai para a cadeia se se for apanhado a comer, beber, fumar ou a ter sexo (sim, os gemidos ouvidos pelo vizinho, vão levá-lo até ao telefone para denunciar a heresia, da mesma forma que o cheiro do couscous vindo do fogão do lado), entre os nascer e o por-do-sol, tem muito que se lhe diga, incluindo um debate sério e desconhecido em Portugal, por mero dogma.

Relativamente aos benefícios do jejum, por se tratar de dogma, o período de Ramadão é também momento prosélito, durante o qual se referem os médicos, as publicações, os nutricionistas da moda, sobre os benefícios do jejum. Ora a forma de o fazer é que é diversa para os “novos saudáveis” e nenhuma inclui uma porrada de treze horas seguidas à fome e à sede.

É aqui que o debate se pode tornar sério, se se conjugar a realidade dos diferentes fusos horários do planeta, o que isso implica em períodos diferentes de jejum para comunidades separadas pela geografia e unidas pela religião.

Ou seja, o debate sobre uma harmonização do tempo de jejum, com benefícios para a saúde e forma de hierarquizar o impossível, que conduziria inevitavelmente ao consenso sobre oito horas de jejum seguido, nunca será feito.

Porquê? Porque os muçulmanos jejuam hoje da mesma forma que o seu Profeta jejuou, logo assim continuarão, sem inovações, sem debates sobre o que para eles é um “não assunto”. Fé e dogma são isto!

Votos de Santa Páscoa aos Católicos e Ramadan Kareem aos muçulmanos.

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

D.N.
Raúl M. Braga Pires
07 Abril 2023 — 00:25


Web-designer e Criador
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