426: A Era das Vacinas (IV)

 

– O que ainda não consegui entender neste Portugalinho de incompetências canhestras, é de existir tanta propaganda pela vacinação e depois, na prática, existirem dificuldades sem nexo. Voltando atrás, a minha filha de 57 anos, diabética tipo 1 há 24 anos, precisa de levar as vacinas da gripe + covid-19. Na farmácia, informaram que a pessoas com menos de 60 anos, não podem dar a vacina covid-19 (???). A vacina da gripe tem de possuir receita médica e é paga (cerca de € 9,00!). Mas que merda de situação é esta, quando ela está desempregada há mais de sete anos, sem qualquer apoio social que a ajude a sobreviver senão a minha ajuda como pai? E do Centro de Saúde (USF), colocada esta questão, primeiro disseram que não tinham conhecimento de agendamentos, depois e após nova questão, remeteram para a Enfermagem a resposta (que ainda estou à espera!)… Tive de enviar um e-mail à Secretaria Geral do Ministério da Saúde a questionar esta situação, nem se dignaram responder! Porra, pá! É sufocante este tipo de atitudes!

🇵🇹 OPINIÃO

Terminam hoje os artigos sobre a era das vacinas. Poderão ter tido alguma utilidade aos leitores, visto que amanhã tem início a campanha para a estação fria que se avizinha que é centrada na indicação para serem administradas duas vacinas: gripe sazonal e covid-19.

A vacina para a gripe é tetravalente, visto que contempla dois vírus do tipo A e dois do tipo B.

Sublinhe-se que a vacina para a covid-19, lançada pela Pfizer com o nome de Comirnatyj, está já adaptada para as variantes do vírus que circulam em 2023-2024.

Ambas as vacinas são gratuitas e estão aconselhadas a adultos maiores de 60 anos de idade e a doentes com problemas crónicos. Este ano, pela primeira vez, podem ser administradas próximo da residência e sem qualquer despesa: vacinas e inoculações têm custo zero nas farmácias privadas habituais.

6 Ao terminar a Era das Vacinas, enumeram-se, a seguir, determinadas doenças que podem ser evitadas através da imunização com novas vacinas, já aprovadas.

Precise-se.

6.1 Para a ZONA, provocada pelo vírus herpes zóster, a nova vacina traduz a maior preocupação actual em vacinar adultos contra certas doenças, até aqui sem protecção. A vacina, fabricada pela empresa farmacêutica GSK, tem o nome comercial de Shingrix, poderá ser adquirida nas farmácias por prescrição médica.

6.2 Para a GRIPE há, agora, uma outra vacina, diferente da sazonal, também tetravalente, mas de alta dose. Foi apresentada pela Sanofi com o nome de Efluelda, sendo indicada para a população mais idosa. Em Portugal tem sido utilizada em lares (tudo indica com bons resultados).

6.3 Para a BRONQUIOLITE, está aprovada a indicação para as mulheres grávidas receberem a vacina contra a infecção originada pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR) considerada importante na perspectiva da protecção das crianças em relação à infecção provocada por aquele vírus. A vacina, preparada pela Pfizer, tem o nome de Abrysvo. Saliente-se que não é a primeira vez que uma vacina é administrada à mãe, durante a gravidez, para os anticorpos protectores passarem para o recém-nascido e, desta maneira, assegurarem protecção ao filho (prática há muito aconselhada, primeiro para o tétano e depois para a tosse convulsa).

6.4 Para a infecção humana por vírus MONKEYPOX existe a vacina denominada Imvanex, da farmacêutica BN.

6.5 O PALUDISMO, também chamado malária, é uma das doenças mais mortíferas do Planeta, especialmente em África. Atendendo à sua gravidade, foram muitos os cientistas que, a partir de 1960, procuraram, sem sucesso, uma vacina eficaz. Porém, em 2022, foi aprovada a primeira vacina pela Organização Mundial da Saúde, destinada a crianças. É segura e efectiva através de injecção muscular. Tem como nome comercial Mosquirix. Representa uma imensa esperança para reduzir a mortalidade abaixo dos 5 anos de idade nas regiões, sobretudo tropicais, onde os mosquitos Anófeles são vectores dos plasmódios (parasitas protozoários agentes do paludismo).

– Fui um dos “felizes” contemplados com paludismo a uma semana de regressar à Metrópole, finda a comissão de serviço em África. Com doses maciças cavalares no hospital militar de Bissau, consegui safar-me e pude embarcar sem problemas.

Nota final: Ao contrário das doenças infecciosas acima mencionadas, os cientistas não conseguiram afinar a vacina para a infecção provocada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), agente da SIDA. O vírus começou a circular há quase 50 anos e foi identificado em 1983, mas, apesar de não haver vacina, em compensação, o tratamento medicamentoso é muito eficaz, tendo tornado a SIDA uma doença crónica.

Ex-director-geral da Saúde

franciscogeorge@icloud.com

DN
Francisco George
27 Setembro 2023 — 00:25



Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
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425: Aborto: Trump a ser Trump

 

– Como título escreveria antes: Aborto de Trump a continuar a ser aborto de Trump…

🇵🇹 OPINIÃO

Desde Junho do ano passado, quando o Supremo Tribunal dos Estados Unidos reverteu a célebre decisão de 1973 Roe vs Wade, o aborto passou a ser legal ou ilegal consoante a decisão de cada um dos 50 estados, ou seja cessou de ser um direito federal.

Em resultado, houve um extremar de posições entre os americanos, com mobilização cívica dos defensores do direito à interrupção voluntária da gravidez (IVG) por um lado, e uma espécie de cruzada moral dos sectores mais conservadores para proibir, ou tentar dificultar ao máximo, qualquer aborto.

Nas eleições intercalares de Novembro de 2022, os resultados aquém das expectativas por parte do Partido Republicano podem estar directamente relacionados com essa maior mobilização dos defensores do aborto, com uma ida às urnas em maior número de mulheres e de jovens, favorecendo os candidatos democratas, que na Câmara dos Representantes acabaram por sofrer uma derrota mínima.

As intercalares, assim chamadas por coincidirem com o meio de mandato presidencial, costumam ser difíceis para o partido do inquilino da Casa Branca, mas os correligionários de Joe Biden surpreenderam pela capacidade de resistência.

Ambicionando regressar à Casa Branca, e evitando, para já, pensar nas consequências finais dos vários processos judiciais em curso contra si, Donald Trump percebeu que demasiado empenho na causa antiaborto pode ser prejudicial no desafio a Biden em Novembro de 2024.

Por isso, mesmo consciente de que grande parte do eleitorado republicano é hostil à IVG, Trump decidiu, nesta matéria, falar um pouco ao Centro (a pensar no dia decisivo) e afastar-se dos rivais nas primárias partidárias, como o governador da Florida Ron DeSantis, que cortejam o eleitorado evangélico com uma demonização total do aborto e dos seus defensores.

O ex-presidente aproveitou um evento em Washington, promovido por uma associação ligada a esse sector evangélico do Partido Republicano.

E embora de forma um pouco atabalhoada, sinal da consciência de forte contorcionismo político, Trump procurou associar-se a Ronald Reagan, dizendo que, tal como o antigo presidente, um republicano que ficou na História, é contra o aborto, mas admitindo três excepções: casos de violação, de incesto e de perigo para a saúde da mãe.

A popularidade de Trump continua enorme entre os republicanos. Veremos como lidam estes com esta posição do seu candidato, que, independentemente das suas convicções mais íntimas (o que pensará mesmo o magnata nova-iorquino?), não revela aqui moderação, mas sim oportunismo.

Foram os três juízes conservadores nomeados por Trump nos seus quatro anos na Casa Branca, que permitiram a maioria hostil a Roe vs Wade. No fundo, Trump a ser Trump.

Director adjunto do Diário de Notícias

DN
Leonídio Paulo Ferreira
26 Setembro 2023 — 00:02



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424: As peripécias da grandeza

 

🇵🇹 OPINIÃO

Demoram-se as estátuas e quebradas
serão tristeza de outras não talhadas.

Jorge de Sena

As querelas recentes sobre a estatuária e a sepultura dos nossos dois maiores romancistas (Camilo e Eça) vieram mostrar quão lento é o tempo de reacção dos portugueses, no que toca à sua sensibilidade e ao seu apego aos mortos.

Há anos que a estátua de Camilo, com a sua calipígia acompanhante, fora colocada em frente à cadeia da Relação do Porto onde o grande escritor estivera preso; e há menos anos, talvez, mas há algum tempo já, que fora decidido por unanimidade pela nossa Assembleia da República a transferência dos restos mortais de Eça de Queirós para o Panteão Nacional. Ao tempo destas duas decisões, ninguém protestou, ninguém falou, ninguém se manifestou.

Agora criaram-se mais divisões entre os portugueses. Para uns (a quem chamarei aqui, sem ofensa, os do Alecrim), as nádegas da companheira de pedra de Camilo ofendem o bom senso, o bom gosto e o bom urbanismo da cidade do Porto; para outros (a quem, sem o menor animus injuriandi, chamarei os da Manjerona) a estátua simboliza a expressão sublime do amor em Camilo e seria uma ofensa à sua memória retirar aquela escultura do espaço público. Declaração de interesses: num e noutro lado desta grandiosa guerra tenho amigos que estimo e considero.

Eça de Queirós teve também os seus problemas com a estátua que, logo após a sua morte, lhe foi erigida, no Largo do Barão de Quintela, em Lisboa, perto do Grémio Literário e da Casa Havanesa.

Logo a seguir à inauguração do monumento (na época, o tempo de reacção dos portugueses era mais rápido) surgiram críticas da opinião pública, em correspondências dirigidas ao jornal Correio Nacional (as cartas aos jornais constituíam as redes sociais da época), caracterizando a escultura como “por tal forma provocadora e lasciva que entendo ficar mal a uma cidade consenti-la numa das suas praças”.

A polémica durou algum tempo (com uma intervenção lamentável e vergonhosa do ciumento Ramalho Ortigão…), prolongou-se pelos anos fora, até que em 2001 a Câmara Municipal, face a sucessivas vandalizações do monumento, transferiu para o Museu da Cidade o original de mármore e manteve na praça uma cópia em bronze.

E, no entanto, ao contrário da estátua portuense, nesta obra de Teixeira Lopes, virada para a nossa frente a figura feminina que representa a Verdade esconde de nós toda a sua parte calipígia, e talvez por isso ninguém agora se tenha lembrado, passado um século e meio, de vir reclamar ao Município de Lisboa o que foi requerido ao Município do Porto – abater as estátuas indecentes!

Mas nem por isso as más-línguas se esqueceram do Eça – passados dois anos sobre a decisão de transferir os seus restos mortais para o Panteão, um grupo de ex-autarcas de Baião e um pequeno número de descendentes de Eça de Queirós vieram requerer o cancelamento da cerimónia de trasladação, alegando o amor profundo de Eça pela sua casa do Douro (onde nunca viveu, que qualificou de “horripilante” em carta a sua Mulher, e que lamentou não ter as menores condições para ali a família fazer férias).

É claro que se referia ao estado da casa na época, não àquele que resultou dos notáveis trabalhos de reconstrução e reabilitação, posteriores à morte de Eça, que foram promovidos pela filha Maria e continuados pelos seus descendentes, reconstrução que permitiu a instalação naquele local da Fundação Eça de Queirós, transformando uma casa onde Eça nunca viveu numa verdadeira “casa de escritor”, que tem sabido homenagear da melhor maneira o espírito e a obra do nosso autor.

Na opinião, porém, dos bisnetos dissidentes de Eça “o Panteão é um lugar mal frequentado: o bisavô iria ombrear com um futebolista, uma fadista, um regicida e, pasme-se, um resistente antifascista que nada fez pelo país além de ter sido assassinado pela PIDE” (cf. Público de domingo).

Isto dito, fica tudo dito! Palavras para quê?

Diplomata e escritor

DN
Luís Castro Mendes
26 Setembro 2023 — 00:35



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423: Cristiano de Moura, ou um fausto português

 

🇵🇹 OPINIÃO

Em 2017, Ronaldo assinou uma petição contra o juiz que, num acórdão sobre violência doméstica, apelidou a vítima de “adúltera” e lembrou sociedades que castigam adultério com a morte. Em 2023, o futebolista vive num desses países, celebrando-o, espada ao alto e mascarado de saudita: “Adoro viver aqui”.

“A violência doméstica é um problema muito grave. As vítimas merecem ser tratadas de forma digna e justa”.

Estas duas frases foram assinadas por Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, em Outubro de 2017, na petição/carta-aberta “Essa mulher somos nós”. Apresentada por vários colectivos feministas, a petição, que reuniria mais de 29 mil assinaturas, reagia à notícia de que um juiz do Tribunal da Relação do Porto – Neto de Moura – apelidava, nas suas decisões, vítimas de violência doméstica de “adúlteras” e, para contextualizar a “acentuada diminuição da culpa” do agressor, lembrava a existência de “sociedades em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte”.

Seis anos depois, o mesmo Cristiano Ronaldo celebra, espada na mão e em traje tradicional, o dia nacional do país onde vive desde Janeiro e no qual, precisamente, o adultério é castigado com morte por lapidação; se a pessoa condenada tiver sorte, é decapitada – com uma espada como aquela que ele tem na mão.

No vídeo celebratório, divulgado esta quinta-feira pelo AlNassr, o clube de futebol no qual o jogador português está sob contrato até 2025, surgem outros jogadores estrangeiros, e vários sauditas, adultos e adolescentes, todos em traje tradicional – e todos homens.

Todos rodeando Ronaldo, como guarda de honra de um rei; numa das partilhas, de um adepto do ALNassr, é mesmo designado como “rei dos reis”.

Rei dos reis. Olhando-nos orgulhosamente nos olhos, o futebolista madeirense parece dizer-nos isso mesmo: sou o maior, olhem para isto. Olhem como cheguei ao topo, estou onde quero.

Rei dos homens num país de homens e para homens.

Quando, agoniada, partilhei um excerto do vídeo no ex-Twitter, muita gente perguntou: que queres tu que ele faça? É só um jogador de futebol. Está a fazer o que sabe fazer. Política não é com ele. E os países que fazem negócio com a Arábia Saudita?

E os governantes que apertam a mão dos dirigentes sauditas mesmo depois de terem visto o que se atrevem a fazer a críticos como o jornalista Jamal Khashoggi, assassinado e cortado às postas num consulado saudita na Turquia em 2018?

Também houve quem dissesse: vais exigir a todos os imigrantes que trabalham na Arábia Saudita que se venham embora?

É verdade – Cristiano Ronaldo é um jogador de futebol. Um jogador de futebol imensamente bem-sucedido, imensamente rico – a interminável página sobre ele na Wikipédia garante que foi o primeiro futebolista a ser bilionário (não faço ideia, mas sendo assim talvez tivesse dado para pagar os impostos na boa, em vez de andar a fugir-lhes) -. imensamente, por tudo isso, influente. Imensamente capaz de, com o seu exemplo, condicionar a perspectiva de milhões que o admiram.

Houve uma altura em que pareceu que ele poderia querer usar isso de uma forma positiva. Como sucedeu, lá está, com a assinatura naquela petição, à época interpretada em relação com a sua própria experiência familiar (a mãe terá sido, segundo o que afirmou publicamente, vítima de agressões do pai), mas também como uma deliberação de querer usar o seu poder para além da área do desporto.

O seu nome naquela petição dizia que o miúdo paupérrimo nascido na paupérrima Câmara de Lobos, que à força de ganas e talento se guindou ao cume da fama e da fortuna, se tinha posto, com todo o impacto do seu nome, do lado das mulheres vitimizadas e revitimizadas pela violência e justiça machistas.

“Muita bem, Cristiano”, pensei na altura. “Tens o coração no sítio certo.”

Não me passou pela cabeça que houvesse naquele gesto tão inesperado outros intuitos, uma táctica qualquer – estávamos no início do movimento metoo, mas ainda não rebentara o escândalo Kathryn Mayorga.

Fez Ronaldo o que fez para ganhar créditos em antecipação daquilo que sabia que poderia vir a acontecer (o caso iniciara-se em 2009 mas só foi tornado público no final de 2018)?

Não sei. O que sei é que quem assinou aquela petição feminista vive desde Janeiro num dos países mais machistas do mundo. Um país onde uma lei assentou, em Dezembro de 2022 – quando Ronaldo negociava o seu contrato multi-milhionário com o clube saudita – que as mulheres têm de ter um “guardião” masculino e obter o consentimento deste para casar, ou para aceder a certos cuidados de saúde; um país no qual são obrigadas, no casamento, a obedecer ao marido.

Um país onde uma mulher e um homem não podem viver maritalmente sem serem casados – a não ser, claro, que o homem seja uma estrela estrangeira contratada a muitas vezes o seu peso em ouro para promover a imagem do país e para, lá está, fazer crer que afinal não é assim tão mau.

Para fingir que não é assim tão mau – é para isso sobretudo que Cristiano Ronaldo está a receber as suas, dizem, duas centenas de milhões anuais dos cofres sauditas, foi para isso que levou para lá a família, incluindo filhas e filhos (meu deus, Cristiano, quem é que, podendo escolher, e se um Cristiano Ronaldo pode escolher, leva filhos e sobretudo filhas para essa monstruosidade de país?).

“Estou muito contente na Arábia Saudita e adoro viver aqui”, diz uma frase sua partilhada com o vídeo. Também há de ter adorado aterrar no Irão a 18 de setembro, para um banho de multidão em pleno aniversário da morte de Mahsa Amini.

A Mahsa Amini, Cristiano, era uma miúda curda de 22 anos que a 16 de Setembro de 2022 morreu depois de detida pela polícia de costumes iraniana por alegadamente não ter o lenço islâmico bem posto.

E muitas miúdas e miúdos, mulheres e homens morreram durante o ano que se seguiu em protestos contra essa barbaridade, contra a barbaridade que é a lei de um país que trata as mulheres como pessoas de segunda. Ou terceira, ou quinta – como a tua tão adorada Arábia Saudita do teu tão adorado contrato.

Por um décimo do que ele ganha todos faríamos o mesmo, disse alguém no ex-Twitter. Esse é o ponto, não é? É esse o exemplo, essa a assinatura, essa a nova carta-aberta: desde que paguem o suficiente, desde que dêem graxa o suficiente, desde que te tratem bem, desde que a ti não te chicoteiem, nem prendam, nem proíbam de tomar decisões, nem te ameacem de lapidação, está tudo bem. Não há problema, é sempre aos outros que cabe tratar desses assuntos – é sempre aos outros que cabe a responsabilidade de dizer não.

Só uma dúvida: quando se passa assim para o lado negro da força, será que se dá por isso? Porque acredito que não.

Acredito que a maioria dos faustos nem se dê conta de o ser, não tenha sequer aquele momento de Cristo no deserto em que à oferta do diabo – “tudo isto pode ser teu” – se diz sim ou não. E se alguém podia dizer “já é tudo meu” eras tu, Cristiano Ronaldo. Que tristeza tão triste.

DN
Fernanda Câncio
26 Setembro 2023 — 00:23



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422: A ONU no purgatório

 

“… “A ONU não foi criada para levar as pessoas ao paraíso, mas para salvar a Humanidade do inferno.”

🇧🇷 OPINIÃO

Na semana mais mediática das Nações Unidas, que acontece todos os anos na segunda quinzena do mês de Setembro, é oportuno relembrar a frase proferida no discurso do então secretário-geral da ONU, o sueco Dag Hammarskjöld, em 1954, que, aliás, foi condecorado a título póstumo, com o Prémio Nobel da Paz, em 1961: “A ONU não foi criada para levar as pessoas ao paraíso, mas para salvar a Humanidade do inferno.”

Pois é exactamente onde se encontra a ONU: no purgatório. Talvez por perceberem essa circunstância, alguns dos líderes mundiais decidiram faltar à 78.ª Assembleia-Geral.

O presidente Macron desfilou na Champs Elysées ao lado do rei Carlos III. Rishi Sunak declinou a sua estreia em Nova Iorque e preferiu anunciar, a partir Londres, o adiamento de algumas metas climáticas acordadas em Glasgow, na COP26.

A Rússia fez-se representar pelo seu experiente MNE, Sergey Lavrov, que conhece bem os quatro cantos da casa, enquanto Vladimir Putin recebia a visita do MNE chinês, fortalecendo cada vez mais a relação sino-russa, que culminou com o convite, prontamente aceite, de uma visita de Estado a Pequim, já em Outubro. Ou seja, o único membro permanente do Conselho de Segurança presente ao mais alto nível foi o presidente Biden, por razões óbvias.

A reforma do Conselho de Segurança é um tema que se arrasta há décadas nos corredores da Assembleia-Geral e, volta e meia, os putativos candidatos a um assento assumem o seu proto-estatuto no referido evento anual, designadamente: Brasil, Índia, África do Sul, Alemanha e Japão.

Ora bem, o braço-de-ferro geopolítico e geoeconómico, num período crítico e cada vez mais perigoso, vai-se acirrando, agora com um novo actor, o “Sul Global”, a ganhar músculo para poder correr na pista principal.

Na última cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Agosto, foi aprovada a entrada de novos membros em 2024: Argentina, Egipto, Irão, Arábia Saudita, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.

A União Europeia, com os seus 27 Estados-membros, só tem a França no Conselho de Segurança, após o traumático Brexit. Poderá recuperar mais uma vaga, se a Alemanha conseguir uma cadeira. No caso dos BRICS, todos os actuais membros teriam assento.

A pergunta que não se cala: aumentar o número de Estados com poder de veto, nesta nova arquitectura geopolítica, reactivará o funcionamento daquele órgão ou acentuará a sua paralisação?

Conseguirá a AG accionar o suposto poder, que para alguns detém de, por maioria qualificada, retirar o poder de veto a um dos membros?

Não há dúvidas de que a Carta de São Francisco está desacreditada, sobretudo após o duro golpe que sofreu por um dos membros permanentes do Conselho de Segurança.

A questão premente é a de saber se haverá como salvar o tratado em vigor há quase oito décadas, com pernas para andar. Se a resposta for negativa, a nova Carta será assinada em Bucha ou em São Petersburgo?

A palavra, o verdadeiro poder que António Guterres possui, foi muito bem articulada na abertura dos debates da 78.ª Assembleia-Geral, e na Sessão Especial do Conselho de Segurança, realizada no dia 20, com um discurso forte, corajoso e assertivo, clamando pelo respeito da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional, pela retoma dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável e pelo alerta ao cumprimento das metas do Acordo de Paris, afirmando o secretário-geral, neste último ponto, que a crise climática já abriu as portas do Inferno.

É urgente encontrar um caminho para salvar a Humanidade, não com a ambição de alcançar o paraíso, mas pelo menos a de conseguir manter a Comunidade Internacional no purgatório, a espiar as suas culpas… que não são poucas!

Professora Associada da Universidade Europeia

DN
Elizabeth Accioly
26 Setembro 2023 — 00:29



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421: Um dia, duas eleições

 

“… Se há indicador que retrate bem o mundo que estamos a construir, o da desigualdade é o mais triste e escandaloso: os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres, a um ritmo que cresceu mais rapidamente desde 2008 do que em qualquer outro momento desde a Segunda Guerra Mundial.

🇵🇹 OPINIÃO

Para quem gosta de se olhar no espelho do mundo, como quem observa um desafio, o retrato que nos devolve a tabela classificativa não pode orgulhar os europeus, portugueses incluídos. Em 2000, a União Europeia comprometia-se a criar uma economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica.

E em vez de avançar, recuámos: enquanto no início deste século a Europa tinha 41 das 100 maiores empresas do mundo, hoje tem 15, depois de as nossas maiores empresas terem sido ultrapassadas pelos gigantes tecnológicos dos Estados Unidos ou da China.

É verdade que continuamos imbatíveis nas promessas de futuro, mas a Europa definha: em 2000, representávamos um terço do PIB mundial. Hoje, um quarto. E mais baça, ainda, é a fotografia quando observamos os índices de desenvolvimento e coesão social.

Se há indicador que retrate bem o mundo que estamos a construir, o da desigualdade é o mais triste e escandaloso: os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres, a um ritmo que cresceu mais rapidamente desde 2008 do que em qualquer outro momento desde a Segunda Guerra Mundial.

Prevenir o agravamento das desigualdades é, pois, uma tarefa vital que incumbe em particular àqueles que elegemos, dentro ou à escala da União Europeia, sob pena de permitirmos que essa desigualdade deteriore as instituições e que a própria democracia seja minada à medida que alguns grupos bem organizados ganham mais poder.

Num apelo dirigido ao secretário-geral da ONU e ao presidente do Banco Mundial, 200 economistas de todo o mundo advertem que o aumento das desigualdades mina todos os nossos objectivos sociais e ambientais, corrói a nossa política, destrói a confiança, paralisa a prosperidade económica colectiva e debilita o multilateralismo.

Além de que, “sem uma forte redução da desigualdade, os objectivos gémeos de acabar com a pobreza e prevenir o colapso climático, estarão em claro conflito”.

O Presidente da República prestaria um bom serviço ao país se fizesse coincidir as eleições legislativas nacionais com as eleições europeias do próximo ano. Saíam-nos mais baratas e poupávamos em ruído.

O documento é destinado aos Governos de todos os países, mas os europeus deveríamos sentir-nos mais seriamente interpelados. Em particular, quando a tendência de declínio da social-democracia e da democracia-cristã, como forças tradicionais dominantes, em favor de forças da Direita mais nacionalista, por um lado, e Ultraliberal, por outro, dissipam o propósito solidário e a imagem da Europa como um lugar, não só de progresso, mas também de coesão e igualdade.

E de todas as consequências do aumento das desigualdades nenhuma é mais preocupante do que admitirmos que a geração dos mais jovens vai ser mais pobre que a dos seus pais, ou o fatalismo que condena o filho de um pobre a continuar pobre e o filho de um rico a continuar a ser rico.

Se está nas mãos da União Europeia garantir a mobilidade económica e social, acontece que a União resulta, afinal de contas, dos governos que cada um elege para o seu próprio país.

Daí, a geminação de propósitos que se colocam no horizonte das próximas eleições legislativas e europeias e a responsabilidade que devemos imputar àqueles que elegermos.

Se aos Parlamentos Nacionais, ao Conselho e ao Parlamento Europeu continuarem a chegar políticos que preferem debilitar a capacidade fiscal e económica da União, e que não acreditam, nem apostam, na obrigação de promover a mobilidade e a coesão social, é a marca distintiva de uma Europa aberta e solidária que desvanece… e com ela a da modernidade.

E voltaremos, porventura, à procura de inimigos externos para distrair a crescente frustração dos cidadãos hipotecados a presentes sem futuro.

À nossa dimensão, e descontadas as questões da mercearia política caseira, o Presidente da República prestaria um bom serviço ao país se fizesse coincidir as eleições legislativas nacionais com as eleições europeias do próximo ano.

Afinal, para além de nos sair mais barato, os principais problemas que afectam a cidadania, portuguesa e europeia, têm a mesma raiz e reclamam compromissos e soluções de escala que decidirão, uma e outra, que País e que União vamos ser. A campanha eleitoral já está aí.

Jornalista

DN
Afonso Camões
26 Setembro 2023 — 00:21



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420: (O quase) Sonho de uma noite de verão

 

🇵🇹 OPINIÃO

Luís Montenegro decidiu fazer o que ainda não tinha sido feito. De forma descarada, a contar com uma maioria absoluta na Madeira, voou este domingo até ao Funchal, acompanhado de dois dos principais vice-presidentes do partido e do secretário-geral, para se apropriar daquela que ele esperava ser a grande vitória do PSD-Madeira (mesmo com a ajuda do CDS, que também entrava na coligação).

Nunca por nunca, jamais em tempo algum, um líder nacional do PSD tinha sequer pensado viajar para a Madeira na noite eleitoral. Primeiro, porque com Alberto João Jardim essa viagem não acontecia.

Segundo, porque o sempre tão proclamado “respeito” pela autonomia aconselhava a que o líder nacional celebrasse em Lisboa e desse o palco todo ao presidente do PSD-M. Terceiro porque na Madeira sempre foram favas contadas e, por via disso, a festa está previamente anunciada.

Calhou mal.

O sonho de uma noite de verão do líder do PSD esfumou-se, a maioria absoluta não chegou e a festa anunciada acabou depressa.

Montenegro, que ainda assim levava o discurso estudado, ainda disse que, desde que tomou posse como líder do PSD, o resultado em eleições está “PSD 1 – PS 0 e Luís Montenegro 1 – António Costa 0”.

Lá teve de adaptar a frase de “maioria absoluta” para “maioria robusta” e desejou ter nas próximas legislativas o “mesmo resultado” que Miguel Albuquerque teve na Madeira. A gestão das autonomias levou a que Montenegro falasse antes de Albuquerque e que, depois, cedesse o palco ao líder regional.

Tão depressa apareceu na sede de campanha como, a seguir, desapareceu para parte incerta. Só Nuno Melo, líder nacional do CDS, ficou até ao fim.

A viagem ao Funchal correu mal. Montenegro não entrou no palco lado a lado com Miguel Albuquerque, não ficou na fotografia da noite eleitoral, acabou por ser uma espécie de artista convidado para fazer a primeira parte de um concerto que soube a pouco.

Deve custar ganhar umas eleições e ficar a “um bocadinho assim” do objectivo. Albuquerque anunciou que, apesar do que disse na campanha, não se demite por não ter tido maioria absoluta e que vai apresentar uma “solução de governo” estável e para quatro anos.

Sem o Chega.

Ora, aqui está a salvação da noite, para o PSD. O da Madeira e o outro. Albuquerque foi claro durante a campanha, não governaria com o Chega.

E, talvez contaminado por esse discurso regional, a noite e as circunstâncias de domingo, na Madeira, obrigaram Montenegro a ser claro como nunca antes fora. “O PSD não governará com o apoio do Chega, nem na Madeira nem no país”, disse o líder do PSD – “Porque não precisa”, acrescentou.

Com a Iniciativa Liberal da Madeira a disponibilizar-se de imediato para “ouvir” as propostas do PSD/CDS para vir a viabilizar um Governo e com Albuquerque a garantir, ainda no domingo, que as negociações estavam já em curso, em breve haverá uma geringonça na Madeira que garante ao PSD mais quatro anos de governabilidade. Com maioria.

E agora, PSD?

A grande lição da Madeira é que a Direita tem hoje mais votos do que a Esquerda. As sondagens para as legislativas dizem o mesmo. A clarificação feita por Albuquerque pode ter-lhe custado a maioria, o Chega entrou com estrondo no Parlamento Regional (quatro deputados), mas está fora da solução de Governo.

Ao anunciar que o PSD “não precisa” do Chega, Montenegro sabe que só pode contar com o PSD, com o CDS e, no limite com a Iniciativa Liberal para “apear” o PS do poder.

Mas, para fazer funcionar esta aritmética eleitoral nas legislativas, o PSD precisa de ser capaz de liderar uma solução, de arrastar para perto de si CDS e IL, de firmar compromissos seguros com ambos os parceiros e, claro, de crescer.

Uma solução de Governo para o país sem o Chega é mais difícil de conseguir do que foi na Madeira.

Antes das legislativas, há europeias. A lição da noite de domingo, no Funchal, terá servido para alguma coisa no espaço à Direita?

Jornalista

DN
Pedro Cruz
26 Setembro 2023 — 00:19



Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 1 dia ago

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419: A (in)utilidade do Conselho de Segurança da ONU

 

– “… Assim, um primeiro passo, muito óbvio, para que o conselho de zeladores da paz mundial readquira a sua utilidade é o alargamento da componente permanente, incluindo a Índia, o Brasil, a Alemanha, o Japão e um país africano.

Em minha opinião e face ao actual contexto político mundial, o primeiro passo, mais que óbvio, seria não permitir na composição da ONU e do Conselho de Segurança, Estados terroristas, genocidas e ditatoriais e muito menos com direito a veto. Actualmente, o Conselho de Segurança da ONU serve de plena cobertura aos terroristas russonazis e a tudo o que eles entenderem praticar, não só na Ucrânia, como na expansão da ex-URSS que o psicopata-mor planeia desde há muito.

🇵🇹 OPINIÃO

Na semana da 78.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, confirmou-se uma tendência que se vem acentuando: a da utilidade decrescente do papel da ONU, enquanto espaço efectivo e consequente do concerto das nações.

É louvável o esforço de António Guterres, mas fica sempre a sensação de que nas matérias mais críticas – guerra, alterações climáticas e refugiados – o secretário-geral está a pregar aos peixes, um pouco como acontece com o Papa.

Em Nova Iorque, os encontros bilaterais entre chefes de Estado valem sempre mais do que o diálogo no contexto dos órgãos das NU. Em particular, o Conselho de Segurança transformou-se num espaço de decisão bloqueado, no que se refere a matérias que realmente afectam e ameaçam o mundo.

O desenho do Conselho de Segurança nasceu no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Os representantes dos vencedores chamaram a si os lugares de membros permanentes, constituindo o núcleo duro que passou a mandar no mundo em termos de segurança.

A estes – Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França – juntam-se dez membros não-permanentes, que são escolhidos mediante candidaturas regionais para mandatos de dois anos.

Portugal, que até ao 25 de Abril permaneceu fechado e amarrado a um colonialismo requentado, acabou por reassumir a sua vocação global e diplomática, ao ser eleito membro não-permanente em 1979, posição que repetiria por mais duas ocasiões.

No presente, Portugal é de novo candidato para o mandato de 2027-28, sendo que a decisão será tomada em 2026.

O problema desta composição é que já não reflecte o panorama geo-estratégico global. O mundo é hoje bem diverso do de 1945, não só na sua diversidade e extensão, mas também no que respeita às próprias potências que protagonizaram a vitória na segunda grande guerra.

Os perdedores de então – Alemanha e Japão – são agora parceiros respeitados e respeitadoras no direito internacional e não faz sentido mantê-los à margem das grandes decisões.

Por outro lado, há grandes blocos que estão fora do clube permanente, como é o caso da América do Sul, de África e da Índia, a qual, entretanto, se tornou no país mais populoso do mundo.

Assim, um primeiro passo, muito óbvio, para que o conselho de zeladores da paz mundial readquira a sua utilidade é o alargamento da componente permanente, incluindo a Índia, o Brasil, a Alemanha, o Japão e um país africano.

Um segundo problema, de igual importância, é o do poder de veto de que beneficiam os membros permanentes do Conselho, impondo uma regra de unanimidade que se revela pouco útil. Percebe-se que assim tenha sido no pós-guerra imediato, de forma inibir tentações hegemónicas.

A verdade é que esta se tornou na ferramenta usada para neutralizar a acção da ONU em matéria de segurança, conduzindo-a a um quadro de inutilidade efectiva.

Não se pense, contudo, que o veto é um pecado apenas da Rússia, por ter invadido a Ucrânia. Outros membros o utilizaram, nomeadamente os Estados Unidos no contexto do conflito do Médio Oriente, tomando invariavelmente o partido por Israel.

A forma de tornar os sistemas de segurança mais robustos é a adopção de mecanismos de redundância. No caso do veto do Conselho de Segurança, o princípio do duplo fusível, requerendo dois países para bloquear uma decisão, seria um avanço significativo, abrindo espaço para um papel mais útil e efectivo das Nações Unidas.

Professor catedrático

DN
José Mendes
24 Setembro 2023 — 00:17



Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 3 dias ago

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418: Pensamento mágico em Alcochete

 

🇵🇹 OPINIÃO

Como em tudo na vida, ou se tem sorte ou bons advogados. A francesa Vinci teve os dois, como mostra a notícia do Jornal de Negócios sobre as taxas aeroportuárias: vão subir até 18% em Lisboa no próximo ano.

Ou seja, a economia portuguesa está manietada em função do colapso financeiro sofrido com a bancarrota e a consequência é a factura manter-se por décadas.

Tudo começou com o acordo feito pelo Estado com a Vinci, em 2012, onde se entregou o monopólio dos aeroportos da ANA em troca de três mil milhões + uma fórmula automática que calcula anualmente os aumentos.

Neste caso, pode chegar a 18% na Portela em 2024. Ora, discutir este contrato com José Luís Arnaut é provavelmente perder tempo, mas alerta-nos para a voracidade com que tantos lobbies nos empurram para custos aeroportuários loucos, com factura paga pelo Estado, para depois andarmos décadas a queixarmo-nos do preço e da sua irreversibilidade.

O impacto destas taxas no custo dos bilhetes é grande. Vejamos: a TAP parece ter mudado nos últimos meses. Tem novos conceitos de oferta digital e preços mais competitivos.

Estamos, aliás, num momento em que se esbateu muito a diferença entre as low-cost e as companhias de bandeira. Quando comparados os preços, viajar TAP, Ibéria ou British Airways é por vezes mais barato do que as low-cost do costume.

Mas serve isto para dizer que, por exemplo, numa reserva Lisboa-Madrid da TAP, nas tarifas mais baixas e sem extras, é possível viajar por 97,79 euros ida e volta. E a composição de custos é espantosa: o bilhete custa 29 euros.

As taxas aeroportuárias em Lisboa ficam por 20 euros + 18 em Madrid (38 euros em conjunto). Mais do que o bilhete. Os restantes 30 euros são a taxa sobre o impacto ambiental do querosene.

Repare-se: Barajas é dois euros mais barata que a Portela e a ANA ainda não começou a carregar na conta dos passageiros para amortizar o novo aeroporto de Lisboa.

É por isso que faz muita impressão esta loucura alegre de um mega-Alcochete por oito mil milhões (entre aeroporto e infra-estruturas). Ainda por cima, as alternativas trazem vantagens: Santarém introduz pela primeira vez concorrência no monopólio da Vinci; Alverca alargaria a dimensão do hub actual. Um ou outro seriam investimento privado – oito vezes menor que Alcochete.

Não deixa, aliás, de ser curioso que a Confederação do Turismo de Portugal estivesse em silêncio esta semana. Alguém os ouviu tomar uma posição pública contra os 18% da subida das taxas? Haverá algo que afecte mais a sua competitividade a longo prazo?

Entretanto: se houve notícias curiosas, uma delas foi a da viagem do Sporting à Áustria via aeroporto de Beja. É evidente que não se pode comparar um charter esporádico versus rotas diárias para Beja.

Mas há uma certeza: Beja pode ser útil. O Alentejo há de ser cada vez mais uma pérola para viver e visitar. Mas construir Alcochete significa inutilizar definitivamente Beja.

Uma alternativa a Alcochete, na margem Norte do Tejo, permite alargar opções de acesso aeroportuário a mais população a norte da Portela. E Beja, num mundo de aviões mais pequenos e de menor custo (eléctricos ou a hidrogénio), pode ser a chave da competitividade do Alentejo. E já lá está. Zero de custo.

Prosseguir Alcochete é dar razão a José Sócrates e à equipa que escolheu em 2008 para o grande elefante branco. Desde o Freeport que estávamos habituados que Alcochete fosse uma palavra mágica para esse lobby de má memória.

É então altura de quebrar o pensamento mágico do engenheiro da bancarrota e da sua herança trágica.

Jornalista

DN
Daniel Deusdado
24 Setembro 2023 — 00:15



Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 3 dias ago

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417: A ruptura não é uma opção para as Nações Unidas

 

– Digam o que disserem, escrevam o que escreverem, em minha opinião, Estados terroristas não devem nem podem pertencer à ONU ou ao Conselho de Segurança e pior ainda, com direito a veto.

🇵🇹 OPINIÃO

Numa reflexão minha aqui há dois dias, concluí que nas condições actuais uma reforma do Conselho de Segurança da ONU não é possível. Acrescentei, todavia, que isso não impede o sistema das Nações Unidas de tratar de muitas questões que são fundamentais para a cooperação e a coordenação internacionais.

A minha mensagem foi clara: a ONU tem múltiplas dimensões positivas e desempenha, num grande número de áreas de interesse comum, funções indispensáveis.

Por isso, não se deve cair no simplismo de dizer que a organização não serve para grande coisa e poderia, por isso, ser apagada da rede institucional internacional.

Os Estados membros reconhecem a importância das Nações Unidas, das agências especializadas, dos programas e dos fundos de desenvolvimento, da coordenação humanitária, dos direitos humanos, e mesmo de muitas das actividades nos domínios da paz e da segurança.

É um erro, portanto, ter uma atitude negativa perante a ONU. É igualmente prova de um radicalismo primário dizer que o sistema é dominado pelos países ocidentais.

Comecemos por olhar para o Conselho de Segurança, para ver dois dos cinco permanentes – a China e a Federação Russa – que não se consideram como integrantes do mundo ocidental.

Depois, em cada continente, a maioria dos dirigentes, dos quadros e dos agentes são originários dessas regiões. Não era assim até há trinta anos.

Com o tempo, a presença no terreno foi-se adaptando às novas realidades. Uma grande maioria dos quadros actuais começou a sua carreira ao nível local, nos escritórios de representação das distintas componentes das Nações Unidas e nos projectos em execução nos seus países de origem.

Hoje, é bem mais fácil que um profissional africano ou latino-americano seja recrutado para trabalhar a nível internacional, que um europeu ou um norte-americano.

Aliás, as universidades dos países desenvolvidos que ministram cursos superiores sobre relações internacionais, desenvolvimento e cooperação deveriam explicar aos candidatos a esses estudos que a porta de entrada nas organizações multilaterais é hoje muito estreita para quem vem do Norte Global. Está grandemente fechada.

Isso é verdade mesmo no caso das instituições financeiras internacionais. O Banco Mundial é de facto presidido por um norte-americano e o FMI por uma europeia, mas os postos de direcção e de supervisão estão progressivamente a ser ocupados por especialistas vindos dos países em desenvolvimento. A Índia, por exemplo, está cada vez mais presente.

O mesmo acontece com o Senegal, a Nigéria, a Argentina, o Chile, as Filipinas e outros. As instituições multilaterais, sobretudo a partir da década de 2010, têm estado a ser dotadas, e bem, de profissionais com raízes nas mais diversas partes do globo.

As grandes questões continuam a ser a falta de representatividade geográfica do Conselho de Segurança e o direito de veto. Nos debates desta semana na Assembleia Geral, esse foi um dos temas mais referidos.

O próprio presidente Zelensky, quando na quarta-feira se dirigiu ao Conselho de Segurança, numa sessão especial sobre a Ucrânia, passou uma parte do tempo a reflectir sobre a reforma do mesmo.

Propôs, nomeadamente, que o direito de veto de um país agressor, condenado pela Assembleia Geral, embora seja membro permanente do Conselho, fosse suspenso, enquanto durasse a agressão. Para já, essa proposta não tem asas para voar, embora tenha uma justificação política muito forte.

Deveria ter lembrado, para reforçar a sua posição, que o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ ou Tribunal de Haia) havia ordenado à Rússia, a 16 de Março de 2022, que suspendesse imediatamente as suas operações militares na Ucrânia.

E que as decisões desse Tribunal, um órgão fundamental da ONU e parte integrante da Carta das Nações Unidas (Artigo 92), são de aceitação e execução obrigatórias.

Qualquer país membro da ONU fica automaticamente abrangido pela jurisdição do TIJ. É uma disposição clara, mas tem um senão: quem tem direito de veto no Conselho de Segurança pode opor-se às decisões do Tribunal da Haia.

Apesar de tudo, é importante fazer referência a esse Tribunal. E utilizar os seus julgamentos para frisar a importância do respeito pelo direito internacional.

Esses são argumentos de grande valor diplomático, sobretudo nos discursos perante a Assembleia Geral e nos diferentes contactos bilaterais, com países como o Brasil e outros pesos pesados do Sul. Os valores e a lei têm de sobrepor-se à força dos invasores e à neurose dos ditadores.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

DN
Victor Ângelo
22 Setembro 2023 — 00:37


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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