298: Por trás das negociações de normalização entre a Arábia Saudita e Israel

 

🇷🇸 OPINIÃO

A recente reunião entre altas personalidades da Arábia Saudita e dos EUA é decididamente uma das tentativas mais sérias para se dar um novo passo em direcção à normalização das relações entre a Arábia Saudita e Israel.

Os americanos estão a tentar mediar há algum tempo para chegar a um acordo com Riade sobre várias questões e alguns detalhes foram agora publicados no New York Times, novamente por Thomas Friedman.

Claro que nem tudo o que se pode ler no jornal pode ser totalmente confirmado por nenhuma autoridade oficial, mas é muito provável que a maior parte possa ser verdade.

Os representantes sauditas, especialmente o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, estão decididamente a tentar inserir na discussão com os EUA questões muito mais amplas, não apenas a relação com o Estado judaico.

Portanto, há dois conjuntos de questões, que potencialmente foram discutidas durante a última reunião: o que os EUA farão pela Arábia Saudita e o que Israel fará pelos palestinianos. Do lado saudita, há apenas uma questão: acordo de normalização com Israel.

De acordo com isso, os EUA apoiariam o projecto nuclear civil saudita e forneceriam ao país alguns equipamentos de Defesa muito sofisticados.

Além disso, Washington teria de dar aos sauditas as mesmas garantias de segurança que existem entre os membros da NATO, o que significa que qualquer ataque à Arábia Saudita seria um ataque aos EUA.

É óbvio que os EUA, através da Arábia Saudita, estão a enviar uma mensagem muito importante a Netanyahu sobre o que ele teria de fazer e o que obteria se o fizesse.

Pelo seu lado, Israel pararia de construir novos colonatos na Cisjordânia, não ampliaria os já existentes e não legalizaria os colonatos ilegais já existentes.

Além disso, Israel cederia parte do território da Cisjordânia, pertencente à Área C (controlo total de Israel) à Autoridade Palestiniana.

Claro que sem nenhuma anexação de qualquer parte da Cisjordânia. Por último, Israel deveria aceitar a solução dos dois Estados com os palestinianos como a única pré-condição para a paz na região.

A Arábia Saudita doaria uma ajuda financeira substancial aos palestinianos na Cisjordânia e, como foi mencionado, assinaria o acordo de normalização com Israel.

Na prática, algumas das condições podem ser implementadas teoricamente. Por exemplo, o programa nuclear na Arábia Saudita começará de qualquer maneira e os EUA não o impedirão, mas podem facilitá-lo. A venda de alguns equipamentos militares sofisticados a Riade também pode ser acertada.

O nível de garantias de segurança seria decididamente um problema sério, tendo em vista a relutância de Washington em se comprometer militarmente, neste momento, em qualquer lugar do mundo. No entanto, pode sempre haver um compromisso e a solução é relativamente alcançável.

O principal obstáculo está, obviamente, nas condições que Israel teria de implementar. É sabido que o Governo do presidente Biden dos Estados Unidos não concorda com a política do actual Governo israelita.

Os pedidos feitos pelo presidente Biden sobre a “reforma judicial” foram essencialmente ignorados pelo primeiro-ministro Netanyahu, incapaz de encontrar outro caminho com os seus parceiros de coligação ultranacionalistas.

Portanto, é óbvio que os EUA, através da Arábia Saudita, estão a enviar uma mensagem muito importante a Netanyahu sobre o que ele teria de fazer e o que obteria se o fizesse.

A explicação é simples: a condição de normalização das relações com a Arábia Saudita seria, para ele, uma grande vitória, mas a única forma de a obter é formar um novo governo com os partidos centristas da Oposição em Israel.

O actual Governo em Jerusalém nunca concordaria em parar de construir colonatos na Cisjordânia, porque esta é a questão ideológica central da sua política. Sem ela, eles não existiriam.

A questão principal permanece: Netanyahu pode fazer isso ou está disposto a fazê-lo? Temos de ser muito cépticos em relação à sua concordância, pelo menos por agora.

A única opção realista é: se as manifestações em Israel continuarem, as greves gerais começarem a paralisar o país e a situação económica se deteriorar, o primeiro-ministro israelita poderá começar a contemplar mais opções do que está a contemplar agora.

O facto mais importante seria que Benjamin Netanyahu permaneceria no poder, independentemente de quem fossem os seus parceiros no Governo, e esse poderá ser o factor decisivo.

Investigador do ISCTE-IUL e antigo embaixador da Sérvia em Portugal

DN
Mirko Stefanovic
30 Julho 2023 — 00:40


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 2 meses ago

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99: O regresso à liga árabe

 

🇷🇸 OPINIÃO

O regresso da Síria como membro da Liga Árabe é obviamente o fim simbólico do movimento das massas árabes chamado Primavera Árabe. Começou em 2011 e conseguiu mudar alguns regimes árabes, dando esperança aos cidadãos desses países de que tudo iria mudar.

Algumas das famílias dominantes no Médio Oriente e Norte de África perderam os seus cargos e outras conseguiram sobreviver enfraquecidas e à beira de perder tudo.

As massas árabes, especialmente a geração jovem, foram para as ruas, pedindo a introdução de reformas democráticas e o fim da corrupção e do terror político.

Os pedidos eram justificados, tendo em conta que algumas das famílias governantes tentavam estabelecer-se como dinastias, mudando todo o sistema de governo para a autocracia total, não tolerando qualquer tipo de actividade política diversa.

No final, ficou óbvio que, com algumas excepções, as coisas mudaram para um sistema modificado de governo de mão de ferro. A questão é o que estava por trás da criação mal-sucedida das democracias de estilo ocidental?

A resposta mais simplificada está na estabilidade perdida naqueles países numa situação em que um sistema de segurança, muito rígido e antidemocrático, foi desmantelado e não foi instituído um novo.

As eleições trouxeram à tona grupos políticos mais bem organizados, que trabalhavam na clandestinidade durante os antigos regimes ou iniciavam a insurreição armada apoiada por alguns países estrangeiros que apadrinhavam a sua resistência aos regimes existentes, mais do que os seus planos para o futuro.

Tendo em vista a experiência do Iraque e da Líbia, esses países obviamente perceberam que a queda dos antigos regimes não era garantia de que a nova prosperidade viria automaticamente.

A questão era que, sem ajuda externa, os regimes existentes não entrariam em colapso, e também ficou claro que as coisas poderiam ser totalmente diferentes do esperado.

E então eles decidiram retirar-se. A maioria dos soldados foi para casa, minimizando a sua influência no desenvolvimento da situação.

Os novos intervenientes estrangeiros entraram em cena para competir e alguns dos antigos procuraram a melhor solução para restabelecer a estabilidade nos países. A estabilidade era muito mais importante do que a introdução da democracia de estilo ocidental.

O regime sírio do presidente Bashar al-Assad perdeu muito na guerra civil. Eles tinham inimigos por todos os lados (Exército Sírio Livre, Curdos, Estado Islâmico, Turquia e outros), alguns aliados (Irão, Hezbollah, Rússia) e conseguem sobreviver controlando menos território do que antes.

No entanto, mesmo isso bastou para o país ser considerado parceiro dos demais Estados árabes, Estados Unidos e Rússia, com os quais se pode estabelecer um acordo e esperar algum nível de estabilidade, tão importante para o Médio Oriente.

Pode-se dizer que esta é uma política baseada na realidade do terreno, que só poderia ser alterada com a ajuda de forças estrangeiras e ninguém se interessou por isso.

Além disso, a ameaça dos fundamentalistas islâmicos do Estado Islâmico ou organizações semelhantes parecia muito pior do que o regime existente em Damasco.

Então, vamos tentar levar as coisas de volta ao início (no caso da Síria) ou para regimes fortes em outros países, capazes de dar estabilidade.

As centenas de milhares de emigrantes são o preço a pagar e foi pago maioritariamente na Europa, mas os enormes problemas económicos permanecerão.

A questão é, olhando para isso hoje, se esses países do Médio Oriente e Norte de África serão capazes de superar pelo menos algum grau de pobreza e destruição, causados pela guerra civil, ou as coisas permanecerão como estão até à próxima rodada de instabilidade e conflitos internos.

A realpolitik, sem mudanças mais profundas, é sempre boa para resolver os problemas de hoje, mas não consegue trazer as mudanças necessárias para a estabilidade de longo prazo. Esta é a regra.

Investigador do ISCTE-IUL e antigo embaixador da Sérvia em Portugal

D.N.
Mirko Stefanovic
17 Maio 2023 — 00:29


Web-designer, Investigador
e Criador de Conteúdos Digitais


published in: 4 meses ago

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