Deixa isso escrito por e-mail senão ainda te “queimas”

 

🇵🇹 OPINIÃO

Já todos tivemos aquele colega na organização, mais antigo, mais experiente, mais sábio, o verdadeiro sobrevivente, que entre dentes nos dá aquele conselho carregado de matreirice: “Deixa isso escrito por e-mail e mete o chefe dele em cc“.

A verdade é esta: o cinismo torna-se cultura numa organização a partir do momento que um colaborador precisa de documentar informações por escrito para se proteger.

Uma organização que (sobre)vive presa num ambiente cínico é uma organização onde os colaboradores vêem os seus pares como sendo desonestos, gananciosos e invejosos.

Quando um colaborador começa a desconfiar das pessoas à sua volta, e a acreditar que os seus colegas têm segundas intenções por trás daquilo que dizem e/ou fazem, a interacções sociais dentro de uma organização mudam.

O ambiente cínico começa a crescer quando alguns colaboradores desenvolvem uma percepção exagerada dos defeitos dos outros, julgando os colegas como sendo mais cínicos do que eles realmente são.

O colaborador começa a adoptar comportamentos defensivos visando a sua própria sobrevivência, preferindo enganar antes de ser enganado.

Para não ser a vítima, o colaborador antecipa-se e torna-se no perpetrador. Isto faz com que o seu colega responda da mesma forma ou pior, ou seja, o facto de se agir tendo por base uma percepção cínica do outro, aumenta a probabilidade de o outro se comportar de forma cínica, mesmo que não o fosse.

Este ciclo vicioso de natureza defensiva está na base da geração de uma cultura de cinismo organizacional.

Para um colaborador, experienciar o cinismo organizacional é como consumir todos os dias um veneno psicológico que o corrói por dentro. A ciência demonstra que ele tem, tendencialmente, mais stress e depressões, mais doenças cardiovasculares e é propenso a morrer mais cedo.

Para a organização, a produtividade é menor por consequência dos seus colaboradores não confiarem uns nos outros. A moral da equipa reduz-se e os colaboradores acabam por (querer) abandonar a organização.

Os colaboradores têm um papel fundamental na prevenção de uma cultura de cinismo.

Eles devem ser cépticos da sua percepção de cinismo dos outros, devendo questionar-se sobre a evidência que realmente possuem de que o seu colega está a actuar com base no seu interesse exclusivo e que tem a intenção de o “entalar” pelo caminho. Concomitantemente, os colaboradores devem dar uma hipótese aos colegas de estes demonstrarem do que são capazes.

De acordo com Ernest Hemingway, “a melhor forma de descobrirmos se podemos confiar em alguém, é confiarmos em alguém”. Muitas vezes, um salto de fé de um colega desencadeia uma reacção positiva e inesperada no outro, fazendo com que ele se sinta honrado e motivado para fazer de tudo para cumprir a expectativa.

O líder também tem um papel fundamental na prevenção de um ambiente organizacional cínico, devendo assumir-se como o motor da geração unilateral de confiança.

Durante a pandemia, por exemplo, e perante a inevitabilidade do teletrabalho, maus líderes começaram a pressionar os seus colaboradores, porque não os viam nas suas secretárias e sentiam estar a perder o controlo. Este comportamento só prejudicou o compromisso dos colaboradores e o rendimento das equipas.

É inegável que as nossas organizações têm sérios problemas. Mas não é uma atitude cínica de descrença no outro que irá melhorar o ambiente de trabalho. A verdade é que cada um pode mudar a sua equipa, se se mudar a si próprio primeiro.

Doutor em Ciências do Desporto

DN
Luís Vilar
31 Julho 2023 — 00:50


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 2 meses ago

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