🇵🇹 OPINIÃO
A Bulgária é um dos exemplos mais interessantes de análise comparada entre a antiga realidade sociopolítica sob o domínio de um regime de cariz comunista e o seu enquadramento actual e as dificuldades inerentes por se encontrar no fundo da tabela dos países da União Europeia.
Esta convicção resulta, um pouco, da percepção recolhida por mim em dez dias recentes de permanência neste país que faz fronteira com a Roménia a norte, a Sérvia e a Macedónia do Norte a oeste, a Grécia e a Turquia a sul, e o Mar Negro a leste.
Em termos turísticos, a Bulgária permanece fora do radar do turismo de massas. Isso torna este país apelativo para quem gosta de encontrar essencialmente gente autóctone, ou que já lá está há muito tempo, e antes que a sua popularidade fique fora de controlo. Sofia é uma experiência única. A capital encontra-se numa charneira de desenvolvimento.
Pedaços de cidade mais pobre ainda permanecem, além de estruturas romanas e otomanas e prédios resultantes do urbanismo corbusiano de meados do século XX, em torre e banda e muito arvoredo, aplicado pela matriz soviética. Mais a imponente Catedral de Aleksander Nevski, que é um dos maiores símbolos arquitectónicos e religiosos.
Esta realidade do passado convive com arquitectura nova de desenho contemporâneo para habitação ou serviços, seguindo normas de conforto térmico face às elevadas amplitudes de temperatura verificadas durante o ano.
A economia do país faz parte do mercado comum da União Europeia e depende principalmente de serviços, seguidos pela indústria – especialmente a construção de máquinas e mineração – e pela agricultura. A população está em declínio, com 6878 milhões (2021) de pessoas, decorrente sobretudo da emigração para o ocidente europeu.
Muitos jovens adultos deixaram o país nas últimas décadas e em meio século o país perdeu dois milhões de pessoas, porque contava com quase nove milhões de pessoas na década de 1960, quando lá chegou o mais antigo residente português na Bulgária.
Manuel do Nascimento pisou o solo búlgaro, em 1965, no mesmo ano em que partira de Portugal para uma viagem a Paris, realizada pelo período da Páscoa.
Esteve na capital francesa por poucos meses, mas logo se candidatou a uma bolsa de estudo para outro país, com o apoio da União de Estudantes Portugueses em França (UEPF), em articulação com a União Nacional dos Estudantes Franceses.
Note-se, a propósito, que esse foi o ano em que, nas eleições da UEPF, se apresentou uma lista em cisão com o Partido Comunista.
Antes de saber o resultado da bolsa, Manuel ainda esteve na capital belga, onde já se encontrava, aliás desde esse mesmo ano, um seu conterrâneo e amigo, Sérgio Palma Brito, também nascido no concelho alentejano de Aljustrel.
Manuel matriculou-se e trabalhou na Universidade Livre de Bruxelas, onde poucos dias depois soube da bolsa para a Bulgária, para onde partiu, desde Paris de novo.
Por curiosidade, Manuel do Nascimento chegou a Sofia no mesmo mês e ano do encontro de futebol para a Taça dos Campeões Europeus, em que o Benfica se deslocou ali para jogar, no dia 11 de Novembro de 1965, com o Levski, cujo resultado foi um empate a duas bolas (1.ª mão da segunda eliminatória).
O Estádio Nacional encheu-se para receber os portugueses, vice-campeões europeus, que em Lisboa viriam a resolver a eliminatória a seu favor.
Na época, os bolseiros provenientes de Paris também eram muito bem acolhidos na Bulgária. O país assegurava-lhes bolsa, residência, matrícula no Instituto de Estudantes Estrangeiros e um ano lectivo a estudar a língua búlgara e o alfabeto cirílico.
Esta aproximação à língua permitia que, no ano lectivo seguinte, os estudantes assistissem às aulas de todas as disciplinas. Manuel do Nascimento escolheu, primeiro, o curso de Centrais, Redes e Sistemas, em Sofia, transitando no segundo ano para o curso de Biotecnologias (denominação actual), em Plovdiv, a segunda maior cidade da Bulgária.
Especializou-se em antibióticos, o que lhe permitiu exercer profissionalmente numa grande empresa, na época obviamente estatal, sediada em Razgrad, com grande produção exportadora para a Ásia, para a África e para o chamado Campo Socialista.
A partir de 1979 voltou a Sofia e iniciou um novo percurso profissional ligado à tradução e ao jornalismo, experiência que o conduziu a intérprete do presidente da República da Bulgária.
Este trabalho levou a que Manuel Nascimento fosse convidado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros búlgaro para exercer no seu ministério, período durante o qual foi diplomata no Brasil por dois períodos de três anos, dando, também, cobertura consular à Bolívia e ao Peru.
No jornalismo, trabalhou na Rádio Nacional e na Agência Sofia Press e foi correspondente do Diário de Notícias e da TSF, noticiando os acontecimentos na Bulgária, quando o país já se tornara um Estado democrático, uma república parlamentar unitária e uma economia de mercado.
Exerce actualmente no portal noticioso mais lido da Bulgária (dir.bg), através do qual, pela leitura presente, se difundem notícias locais e do mundo, a partir deste país que seguramente na Europa é o segredo mais bem guardado que se deve preservar como mistério a descobrir, tal como nas histórias dos portugueses no mundo em que há segredos que nunca deixarão de o ser e outros que são para contar.
Professor universitário
DN
Jorge Mangorrinha
21 Julho 2023 — 00:27
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published in: 2 meses ago