🇵🇹 OPINIÃO
“Nos últimos dias, (…) o Presidente da República entrou num frenético processo de incontinência oratória. Possuído por um entusiasmo esfuziante, o homem não se cala, desnudando-se, e ao seu pensamento mais profundo, cujas raízes se situam no antes do 25 de Abril”.
Quando mostrei este trecho a um amigo, ele olhou para mim com ar sério e disse: “tu vais dizer isso de SExa Lacrau?…”. Tranquilizei-o. “O texto que cito é do dirigente do PCP José Casanova a respeito de Cavaco Silva. Encontrei-o num artigo-obituário do Observador“.
Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) é um dos políticos fulcrais desta geração. É um homem que não parece mover-se por emoções ou por dinheiro. Apesar da sua carreira como professor de Direito, o sal da sua vida é a busca pelo poder [e holofotes]. Iniciou-a como jornalista e dirigente do Expresso.
Daí passou para a política activa, tendo sido ministro e ascendendo depois à liderança do PSD. Não teve sucesso no cargo nem na candidatura ao município de Lisboa. Teve a clarividência de perceber que o acesso ao poder teria de ser feito por outra via.
Tentou despir a pele de criador de factos políticos e de jantares com vichyssoise e vestiu a de avozinho amoroso, tendo-se tornado comentador político televisivo, com enorme sucesso. Foi, porventura, então que se apercebeu que a essência do poder não é o exercício de cargos políticos ou institucionais.
É a capacidade de influenciar, em última análise condicionar, decisões relevantes. E, numa democracia, a opinião do comentador político preeminente, que comunica directamente e é ouvido atentamente por milhões de telespectadores, conta e muito.
Além disso, pode facilitar o acesso ao cargo de mais alto magistrado da nação, como sucedeu. E se, como “presidente dos afectos”, conseguir manter altos índices de popularidade até ao final do seu segundo mandato, não terá necessariamente de retirar-se do palco político.
Em especial se o palco da luta política estiver profundamente fragmentado e necessitar de um árbitro institucional respeitado pela generalidade dos cidadãos (é esta diferença que a soberba e vitupério de Cavaco Silva não lhe permite ver; ele será sempre um chefe de facção inculto, desprezado pela metade do país que não é de direita).
Isto coloca a liderança socialista numa situação complexa – por um lado, o governo necessita ter uma relação estável com o PR; por outro, é essencial diminuir até 2026 a quota de popularidade de MRS sob pena de a margem de manobra do PS sair enfraquecida no pós-2026. Parte do despique vocal entre MRS e líderes do PS advém deste dilema.
Apesar de tudo, neste despique MRS não tem causticado muito o governo, incluindo o PM, quanto a promessas como as “casas (26 mil fogos) para todos em 2024”, as 12 mil camas em residências universitárias entre 2019 e 2022 e outras similares.
Em parte, porque quer continuar bem visto pelo eleitorado tradicional do PS. Mas também porque não há-de querer ser apodado de força de bloqueio e que lhe tentem imputar o que o Executivo não foi capaz de fazer.
Não há dúvidas que, no primeiro mandato, a generalidade dos cidadãos gostou de ter um presidente simpático, desempoeirado, solidário, aberto ao contacto, extrovertido. E continua a gostar de MRS, como todas as sondagens de popularidade mostram.
É inquestionável que a verbosidade descomedida é uma componente importante da persona do “presidente dos afectos” – selfies, beijinhos e abraços, verborreia, de permeio com uma [encenação de] grande empatia para aqueles que contacta, escuta, conforta. Mas MRS tem tido derrapagens inusitadas.
Para quem tem fama de pensar e medir a palavras que diz, ultimamente vem falhando no controle da sua torrente palavrosa, como reflectido em comentários despropositados relatados nos media e nas redes sociais.
Num deles, fez uma “piada” intolerável com o peso de uma mulher que se sentava numa cadeira. Noutro, “gracejou” sobre o decote de uma jovem. A cereja no topo do bolo foi a frase-síntese num evento aquando da recente visita de Estado ao Canadá: “somos fado, somos bacalhau, (…) somos Cristiano Ronaldo!”.
As reacções nas redes sociais, e não só, não se fizeram esperar. Uns porque não imaginavam ter votado num animador de eventos populares. Mas, acima de tudo, porque esperamos mais de quem nos representa, sobretudo quando se trata de alguém preparado, culto e inteligente.
Talvez se o permanente caudal palavroso diminuísse, MRS pudesse dedicar mais tempo a fazer discursos com o nível que se espera de um Presidente da República, e dele em especial. Tendo sempre presente a sabedoria do nosso povo que ensina que “a palavra é de prata, o silêncio é de ouro”.
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DN
Jorge Costa Oliveira
20 Setembro 2023 — 00:28
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 2 dias ago