413: Portugal, Brasil e falta de educação

 

– “Nota: Se este texto for considerado mal-educado a culpa não é do seu autor que, coitadinho, ainda só tem 50 anos de vida. Responsabilizem o avô dele.

Pessoalmente, não me sinto ofendido pelo que o cronista escreveu. Em democracia, a Liberdade de Expressão é um factor crucial mas também existe o direito ao contraditório. E o meu, que nem aprecio futebol, o qual não passa de um mercado de escravos, apenas sinto amargura em constatar que o meu Português, o de Camões, esteja a ser vilipendiado por um pseudo Acordo Ortográfico, que injecta o brasuquês no seu dia a dia e, pior ainda, por intelectualóides que deviam ter vergonha em o utilizar.

🇧🇷 OPINIÃO

Vítor Pereira, para quem não está familiarizado com o futebol, é um treinador português com passagens pelo FC Porto e por meio mundo, incluindo o Brasil. Ao sair do país sul-americano conseguiu a proeza de desiludir os cerca de 70 milhões de adeptos dos dois clubes locais mais amados, Flamengo e Corinthians.

Já em Portugal, disse que no Brasil não dão tempo para os treinadores trabalharem e que há uma falta de educação generalizada no país. Não são mentiras, todos concordam, incluindo os brasileiros – o problema é que ele é o último a poder falar no assunto.

Primeiro, porque não é educado – lá está – cuspir no prato onde comeu uns bons milhões de reais. E, depois, porque o Corinthians até lhe deu tempo para trabalhar – convidou-o a renovar contrato. Contrato esse que ele não renovou, alegando ter de voltar a Portugal por problemas familiares – semanas depois estava a assinar pelo Flamengo. E no gigante carioca perdeu quatro competições em quatro meses – ora, com essa performance, em qualquer lugar do mundo, não só no Brasil, o treinador arrisca-se a perder o emprego.

Posto isto, as declarações de Pereira foram, logicamente, respondidas à letra no pântano das redes sociais, mas também nos meios de comunicação social sérios do Brasil, como a SporTV, do grupo Globo. Lá, até o jornalista André Rizek, normalmente pouco dado a patriotadas, preferiu usar o fígado para responder a Vítor Pereira: “Se somos mal-educados devemo-lo aos nossos colonizadores.”

O programa em causa, Seleção SporTV, foi para o ar dia 11, dia em que o Brasil somava 201 anos, mais quatro dias, de vida independente. No entanto, o bebezão de 201 anos ainda prefere transferir as responsabilidades dos seus defeitos para o avô.

É um expediente muito útil a que, na verdade, os portugueses bem podiam recorrer. Falta-nos educação? Culpa dos romanos; os hospitais não funcionam? Responsabilidade dos mouros; não há emprego? Problema dos celtas. E ainda sobram suevos, visigodos, fenícios, cartagineses e demais colonizadores para expiarem as outras, muitas, mazelas nacionais.

Outro expediente útil usado no Brasil é, além de imputar tudo o que de mau lhe acontece aos colonizadores, atribuir as muitas qualidades dos brasileiros, como a alegria, a hospitalidade ou a criatividade insuperáveis, a… eles próprios. Em resumo: os defeitos são culpa de Portugal; as qualidades são obra e graça do divino Espírito Santo.

Se o Brasil é hoje uma potência ambiental – e geográfica, demográfica e até económica – deve-o à área e à unidade que tem. Caro paulista, tivesse a coroa portuguesa esquartejado a sua metade da América, como a espanhola esquartejou, e hoje a riquíssima Amazónia não pertenceria ao seu país. Caro amazonense, tivesse a coroa portuguesa esquartejado a sua metade da América, como a espanhola esquartejou, e hoje o abastado estado de São Paulo não pertenceria ao seu país.

Ninguém põe em causa, claro, que a colonização portuguesa (assim como todas as demais) ofereceu um vasto cardápio de crueldades. E ninguém deixa de aplaudir que se conte, cada vez mais, a História do Brasil da perspetiva de quem já lá estava na América e de quem para lá foi, escravizado, de África.

Mas o Brasil comportar-se como um bebezão, aos 201 anos, é demais.

Nota: Se este texto for considerado mal-educado a culpa não é do seu autor que, coitadinho, ainda só tem 50 anos de vida. Responsabilizem o avô dele.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
21 Setembro 2023 — 01:54

– Ao contrário de TODOS os textos inseridos neste Blogue, que são corrigidos de brasuquês para português original, o texto deste cronista não é ortograficamente corrigido dado que respeito a sua origem e a sua ortografia nativa.


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393: Brasília e a sobrevivência animal

 

🇧🇷 OPINIÃO

Antes de dormirem, os esquilos da Sibéria tomam um aconchegante banho numa poça de urina de cobra para afastarem eventuais predadores noturnos. Para evitarem infeções, às vezes mortais, as girafas têm o hábito, tão humano, de tirar macacos (ou meleca, no Brasil) do nariz.

Porém, por razões práticas, não usam as patas. E sim a língua. Os sapos do Sri Lanka são mais longevos do que os vizinhos, segundo pesquisadores, por viverem, protegidos e aquecidos, nas fezes dos elefantes.

Os bebés ornitorrincos sobrevivem graças ao suor das mães transformado em leite. No deserto, até os abutres sofrem com as queimaduras solares, sobretudo, nas patas, a parte do corpo menos protegida pelas penas. Sem protetor solar à mão, defecam sobre elas.

O que tem uma coluna versada na política brasileira a ver com os exemplos mais repugnantes de sobrevivência animal? Acertou: tudo. Quem tende a sentir nojo, repulsa, náusea ou asco com facilidade tem bom remédio, não ande na selva, nem caminhe por Brasília.

Exemplo: na semana passada, o presidente Lula da Silva demitiu Ana Moser, uma ministra independente e competente do Desporto, para colocar André Fufuca no cargo. Fufuquinha, como lhe chamam, é protegido de Arthur Lira, o presidente da Câmara dos Deputados que, em troca das verbas agora à disposição deste prodígio de 34 anos, dará luz verde às votações consideradas prioritárias pelo Governo na casa.

Autor da frase “Se Jesus fosse presidente do Brasil aliava-se até com Judas”, Lula sabe que desde a redemocratização, em 1988, o recorde de deputados eleitos por um partido – o PFL, em 1998 – foi 106, num universo de 513, isto é, cerca de 20% do total.

Portanto, mesmo os maiores fenómenos de popularidade no Brasil, como ele, votado por mais de 60 milhões em 2022, têm de recorrer a (muitos) outros partidos para obter maioria na Câmara dos Deputados.

Quem tende a sentir nojo, repulsa, náusea ou asco com facilidade tem bom remédio, não ande na selva, nem caminhe por Brasília.

Por outro lado, como no país a tradição do pluripartidarismo é acompanhada pelo sistema de representação proporcional com listas abertas, muitas dessas formações tendem a ser uma soma de indivíduos sem direção partidária forte nem identificação programática clara.

Dito por outras palavras, um número generoso de parlamentares, segundo os cientistas políticos em torno de 150 ou 200, são interesseiros profissionais, como Fufuquinha, a quem o Governo, se quiser ter maioria na Câmara, aprovar projetos, enfim, governar, é obrigado a recorrer.

Collor de Mello caiu não apenas por profunda incompetência, mas por ter sido largado por esses oportunistas, a quem mais tarde se convencionou chamar de Centrão. Presidentes tampão, como Itamar Franco e, depois, Michel Temer, eram expoentes do Centrão.

Fernando Henrique Cardoso passa metade dos livros de memórias a lamentar ter de lidar com o Centrão. Lula, que na Oposição demonizava as negociatas com o Centrão, quando chegou ao poder institucionalizou uma mesada para o saciar. Dilma Rousseff, que não engolia o Centrão, foi derrubada por ele. E Jair Bolsonaro, que em campanha chamava o Centrão de “ladrão”, tornou-se o maior dos seus cúmplices por – cá está – instinto de sobrevivência.

O instinto que leva Lula, de volta ao Planalto, a abraçar, aos sorrisos, gente que em circunstâncias normais ele deveria desprezar.

Mas, voltando à natureza, há um animal que, para sobreviver a períodos de escassez, tem um estômago capaz de comportar e digerir quase 50% do seu peso: é a lula.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
14 Setembro 2023 — 00:13


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363: Bolsonaro, polícia e intestinos

 

🇧🇷 OPINIÃO

Ainda antes da posse como presidente da República, Jair Bolsonaro encarou um primeiro grande escândalo: a descoberta, durante investigação policial às contas de vereadores do Rio de Janeiro, de que o gabinete de Flávio Bolsonaro empregava funcionários-fantasmas, cujos salários caíam nos bolsos do primogénito. A prática, replicada nos gabinetes do pai e dos irmãos, gerou ganhos milionários.

Debaixo de fogo, Bolsonaro deu entrada logo na semana seguinte num hospital para se submeter a uma cirurgia para “retirada da bolsa de colostomia”, em decorrência, segundo o comunicado oficial da Presidência, da facada sofrida em campanha.

Quatro anos depois, já evacuado do Palácio da Alvorada, o agora ex-presidente é pivô de outro escândalo: a Presidência transformou-se num balcão de venda de joias, oferecidas por Governos do Médio Oriente ao Brasil, cujo lucro, em dinheiro vivo, cai nos bolsos de Bolsonaro. A prática, segundo especialistas em diamantes, gerou novos ganhos milionários.

Sob pressão, Bolsonaro internou-se num hospital de São Paulo “para exames, ainda decorrentes do atentado, no sistema digestivo, tráfego intestinal, aderências, hérnia abdominal e refluxo”, escreveu um assessor de imprensa, por acaso também convocado pela polícia a prestar depoimento sobre o caso das joias.

Bolsonaro sofre de Síndrome de Münchausen, a doença psiquiátrica em que o paciente, de forma deliberada e contínua, simula sintomas de doenças para desviar atenções? Ou é exagero encontrar relação entre as operações policiais e as operações intestinais?

Os factos respondem. Em setembro de 2019, queimadas da Amazónia colocaram Bolsonaro debaixo do fogo da opinião pública mundial; dias depois, lá entrava ele no hospital para correção de “hérnia” por culpa da facada.

Em setembro de 2020, a revista Crusoé noticiou que o operacional do caso dos funcionários-fantasma depositou cheques na conta de Michelle, à época primeira-dama. Nem os jornais haviam chegado às bancas e já Bolsonaro retirava “cálculo na bexiga” no hospital.

Em julho de 2021, bastou a CPI da Covid revelar que Bolsonaro recusara adquirir vacinas dos maiores laboratórios globais, mas aceitara comprá-las de um escritório de vão de escada, com suspeitas de corrupção no Governo, para o presidente, com soluços há 11 dias, ser internado para tratar de “obstrução intestinal”.

Em janeiro de 2022, um dilúvio na Bahia matou 25 brasileiros, mas Bolsonaro não se dignou a interromper as férias. Criticado por todos os lados, engasgou-se com um camarão, segundo assessores, e lá foi tratar de “nova obstrução intestinal”.

Em março de 2022, descobriu-se que o ministro da Educação, pastor evangélico, e mais dois pastores íntimos do presidente só soltavam verbas do ministério para prefeitos que aceitassem presenteá-los com barras de ouro. Por coincidência, a facada de três anos e meio antes voltou a fazer das suas e Bolsonaro foi parar ao hospital com “desconforto abdominal”.

Já este ano, na madrugada de 9 de janeiro, o ex-presidente foi internado no AdventHealth Celebration, em Orlando, para onde escapara para não entregar a faixa a Lula, com “dores abdominais”. O internamento ocorreu horas depois de ver acólitos seus invadirem e depredarem a Praça dos Três Poderes ao vivo nas TV do mundo todo.

Deliberado ou coincidência? Como costuma dizer Carlos Bolsonaro, o 02, nas redes sociais: “Tire as suas próprias conclusões.”

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
31 Agosto 2023 — 00:23


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351: As Fraquezas Armadas do Brasil

 

🇧🇷 OPINIÃO

Não é incomum que os líderes da organização criminosa PCC recomendem, de vez em quando, recato aos seus subordinados numa estratégia de apaziguamento da relação com as autoridades. Incomum é o comandante do Exército sentir-se obrigado, como se sentiu na sexta-feira, 18, a pedir mais ou menos o mesmo aos soldados do Brasil: “Pautem-se pela legalidade”, solicitou.

Sob Jair Bolsonaro, a instituição militar chegou ao ponto mais baixo da sua história. Não surpreende.

Revisitemos, para começar, o escândalo das joias do ex-presidente, que faz da comédia Snatch: Porcos e Diamantes (Guy Ritchie, 2000) parecer um filme sério.

O protagonista é um tenente-coronel do Exército preso desde maio por suspeita de adulteração dos cartões de vacinação dele e de Bolsonaro.

Cabia-lhe, na condição de faz-tudo da presidência, vender as joias recebidas pelo então chefe de Estado em viagens oficiais ao Médio Oriente e repassar-lhe o produto das transações (em dinheiro vivo para não deixar rastro).

Para o ajudar, pediu ao pai general, ex-colega de turma de Bolsonaro, para fotografar as joias e vendê-las em Miami. No reflexo de uma das fotos, aparece, incriminatória, a cara do dito general.

Já a um segundo-tenente do Exército foi dada a missão de vender um relógio num leilão em Nova Iorque. E a um coronel que cuidava do acervo presidencial a de manter cúmplice silêncio.

A operação de desvio de joias públicas para o bolso de Bolsonaro, entretanto, vem de 2021, quando um almirante da Marinha – e ministro – omitiu informações à Alfândega para fazer as peças entrarem no Brasil, com a ajuda de um contra-almirante e a participação de dois tenentes e de um segundo-tenente.

Para ajudar nas contas, já vamos em nove oficiais.

No caso dos ataques às sedes dos Três Poderes, há, segundo lista do jornal Folha de S. Paulo, dois generais, oito coronéis, um major e um sargento na mira da Polícia Federal por inércia ou envolvimento direto na tentativa do (atrapalhado) golpe de Estado.

Nove mais 12 igual a 21.

Um coronel está sob investigação por ter atacado, sem provas, a segurança das urnas eletrónicas e um sargento, por convocar militares para o golpe, consta de inquérito sobre “milícias digitais”. Chegamos a 23.

O jornal O Globo enumerou, por outro lado, 10 militares indiciados pelos crimes na pandemia que matou 705 mil brasileiros: um general, três coronéis, três tenentes-coronéis, um capitão e um sargento, dois deles ex-ministros, além, claro, de outro general, o ministro da Saúde, acusado dos crimes de epidemia com resultado em morte, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e crimes contra a Humanidade.

O Governo Bolsonaro gerou, portanto, 33 potenciais ladrões de joias, golpistas e genocidas nas Forças Armadas, a instituição que no bolsonarismo foi ainda notícia por gastar fortunas em whisky, Viagra e próteses penianas.

Assim como o Exército Romano apoiou Nero, alguns oficiais brasileiros sedentos de poder e dinheiro abraçaram BolsoNero, perdão, Bolsonaro.

Mesmo depois de, numa avaliação interna de 1987 do Ministério do Exército, ele ter sido classificado como “dono de excessiva ambição em realizar-se financeiramente”. E de, em 1993, Ernesto Geisel, penúltimo dos presidentes da ditadura, o descrever como “caso fora do normal de mau militar”.

Não surpreende, pois, que a instituição militar tenha chegado ao ponto mais baixo da sua história sob Bolsonaro.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
24 Agosto 2023 — 00:51


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336: O tiquetaque de Bolsonaro

 

🇧🇷 OPINIÃO

O tiquetaque do título pode ser o de um Rolex Day-Date 36 fabricado em ouro branco, cravejado a diamantes, com pulseira em platina e mostrador em madrepérola, o de um Chopard em ouro rosé 18 quilates ou o de um Patek Philippe idêntico ao do último imperador da China.

As três peças, além de anéis, abotoaduras, rosários árabes, esculturas de palmeiras, camelos e barcos, umas em ouro maciço, outras só folheadas a ouro, são o objeto de uma investigação da Polícia Federal (PF) que tem como alvo um grupo (ainda não se pode chamar “quadrilha”) de auxiliares de Jair Bolsonaro.

Segundo o relatório da PF, esse “grupo” tentava vender nos EUA, em troca de milhões de reais, os presentes oferecidos ao Estado (logo ao povo) brasileiro por governos do Médio Oriente.

As investigações da operação policial batizada com o versículo bíblico Lucas 12.2 (“não há nada escondido que não venha a ser descoberto”) identificaram “a retirada do país de quatro conjuntos de bens” num voo oficial – aquele de Bolsonaro para Miami de 30 de dezembro para fugir da entrega da faixa a Lula da Silva.

De acordo com a PF, equivalente ao FBI brasileiro, o valor das vendas, em cash, tinha como provável destino o bolso de Bolsonaro.

Esses milhões das joias árabes podem, pois, estar para o ex-presidente, com tantos crimes graves ainda por responder, como a sonegação de impostos esteve para Al Capone.

Mas os visados nos mandatos da polícia são, por agora, apenas Mauro Cid, ajudante de ordens do então presidente, o pai dele, Mauro César Cid, general na reserva do exército e, muito convenientemente, chefe do escritório da agência brasileira de exportações em Miami, e Frederico Wassef, advogado de Bolsonaro, entre mais auxiliares, oficiais e juristas.

Em mensagens intercetadas pela PF, Cid diz que o pai tem de entregar 25 mil reais, provenientes da venda de joias, a Bolsonaro – mas a entrega, pede ele, tem de ser em mãos para, reforça, escapar do sistema bancário. Preso por outros cambalachos há três meses, o faz-tudo do ex-presidente ainda não se manifestou.

Como em março o Estado brasileiro ordenara a devolução dos itens, mas aquele Rolex Day-Date 36 do primeiro parágrafo já havia sido vendido, Wassef teve a missão de o recomprar às pressas. Ele negou veementemente até a polícia lhe apresentar um recibo com o nome dele.

O pai de Cid nem se deu ao trabalho de negar nada. Numa foto tirada para vender as esculturas citadas no segundo parágrafo, consta a cara dele refletida no vidro.

Mas o alvo final do caso das joias não são, claro, o general trapalhão, o advogado aldrabão ou o lambe-botas presidencial.

Michelle Bolsonaro, ex-primeira-dama, sabe-o e por isso já contratou, no fim de semana, o mesmo advogado criminalista que defende Milton Ribeiro, aquele ministro da Educação envolvido num esquema, com outros pastores evangélicos como ele, de troca de verbas públicas por barras de ouro.

E Jair também sabe que tem as impressões digitais espalhadas pela cena do crime: o transporte da mercadoria roubada foi feito no avião presidencial e as mensagens de Cid apontam-no como destinatário do dinheiro.

O país, enfim, sabe que, numa manhã destas, a polícia, inevitavelmente, tocará à campainha da mansão do casal em Brasília. Antes de a bomba explodir, na casa dos Bolsonaro soa apenas um perturbador tiquetaque de relógio.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
17 Agosto 2023 — 00:40


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published in: 1 mês ago

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326: Candelária, Carandiru, Guarujá

 

🇧🇷 OPINIÃO

Muito pontual, gente boa, caladão”, disse Douglas Brito, dono de uma barraca de praia, no Guarujá, estado de São Paulo, sobre o empregado Filipe Nascimento, que nos tempos livres divulgava na rede social TikTok as suas peças artesanais.

Na noite de 28 de julho, Filipe pegou na bicicleta e foi ao mercado comprar o jantar dele, da namorada e das duas enteadas, de 7 e 9 anos. Numa região sob influência do Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosa da América Latina, foi morto no caminho por outro gangue: a polícia militar.

No dia seguinte à execução, o governador de São Paulo declarou-se, em conferência de imprensa, “extremamente satisfeito” com a operação que, além de Filipe, matou mais 15 compatriotas dele.

A operação que satisfez Tarcísio de Freitas, um delfim de Bolsonaro que, por conseguir falar com seriedade de vez em quando parece menos perigoso do que o original, surgiu como reação à execução do soldado Patrick Reis pelo PCC.

Entretanto, o assassino de Reis, suposto novo líder do PCC no Guarujá, só foi preso dois dias depois, mais ou menos à mesma hora em que Filipe, um “dano colateral”, era enterrado.

Na mesma semana, mais uma operação policial matou 10 no Rio de Janeiro e outra, na Bahia, executou 19. Entre os mortos, além dos criminosos que mereciam ser julgados, novos “danos colaterais” pretos e pobres, como Thiaguinho, 13 anos, camisa 10 da sua equipa de futebol na Cidade de Deus, cuja vida foi interrompida, segundo palavras da mãe, pela “necropolícia”.

Os polícias são obrigados, por lei, a usar uma câmara no uniforme, mas as imagens, estranhamente, desaparecem sempre que a ação é classificada de desastrosa.

O cientista Steven Pinker, citado pelo colunista Hélio Schwarts- man, da Folha de S. Paulo, lembra que quando, no século XVI, o Estado tomou para si o uso legítimo da violência, além de as taxas de homicídio caírem, a medida abriu caminho à consolidação do devido processo legal e da proporção e individualização das penas.

Nessa perspetiva, o Brasil de 2023 ainda é um país pré-século XVI: a polícia age como um PCC de uniforme, que se vinga e mata sem se importar com essa mariquice do processo legal e dos “danos colaterais”.

Entretanto, caso você, leitor, seja brasileiro e se indigne com a sorte dos chacinados pelo Estado, saiba que está em solitária minoria – 83% dos ouvidos em sondagem Datafolha acham que “há muita mordomia para bandido”.

Entre os eleitores de Bolsonaro, sempre mais ávidos de sangue do que a concorrência, 93% aderem à tese, e parte até partilha imagens dos cadáveres em grupos de WhatsApp.

Mas entre os votantes de Lula, o número chega a impressionantes 73% (a operação que mais matou nesta semana foi na Bahia, cuja polícia obedece a governos do PT há décadas).

Eis o paradoxo: com medo dos fora da lei, os brasileiros autorizam os agentes da lei a agir fora dela.

Trinta anos depois da Chacina de Candelária, quando oito brasileiros, entre os 11 e os 19 anos, foram executados em frente à escadaria da igreja que lhes servia de abrigo por tiros disparados por sete homens, entre os quais três polícias, de dois veículos, o Brasil não evolui.

E não aprende: um ano antes de Candelária, 111 presos da cadeia de Carandiru foram executados pela polícia. O resultado do massacre foi a fundação nos dias seguintes, em retaliação, do tão temido e cada vez mais raivoso PCC.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
10 Agosto 2023 — 07:48


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309: Bolsonaro faz falta

 

🇧🇷 OPINIÃO

Na economia, depois da Standard & Poor”s, foi a vez, esta semana, da agência Fitch melhorar a nota do Brasil, tendo em conta “o desempenho económico acima do esperado”. O dólar caiu de 5,45 para 4,80 reais desde o início do ano, a Bolsa de Valores teve alta de 3,27% em junho, mês em que a inflação caiu quase um ponto.

Entretanto, a atribuição de créditos do Governo a construtoras, numa reedição do escândalo que levou à Lava-Jato, gera preocupação.

Na política, a reforma tributária, sonho comum de mercado, trabalhadores, empresários e sindicatos, foi aprovada num histórico esforço conjunto do Governo e da Oposição responsável.

Na sequência do esforço, dois partidos da Oposição negoceiam apoio parlamentar em troca de cargos no Executivo, em transações nem sempre alinhadas às melhores práticas republicanas, mas mais ou menos comuns a todas as democracias.

Pelo meio, Lula nomeou para um cargo técnico um extremista de Esquerda que vê neocolonialismo americano até na própria sombra, na tentativa de acalmar o próprio partido (e enervar colunistas e editorialistas).

No Ambiente, com fiscalização e multas, o desmatamento na Amazónia caiu 33% em cinco meses.

Na Justiça, a relação entre os poderes executivo e judicial normaliza, o ímpeto golpista acalma, a taxa de criminalidade mantém tendência de queda e o Caso Marielle, finalmente, anda.

Na política externa, a “bela” reentrada do Brasil em Washington, Pequim, Bruxelas ou Vaticano na condição de protagonista – e já não no papel de pária – só é abalada pelo “senão” das gafes presidenciais sobre Ucrânia ou Venezuela.

Em resumo, o Brasil, depois de quatro anos desgovernado, voltou a ter governo. Depois do ciclo de discussões estéreis e infantis, preocupa-se novamente com problemas sérios e adultos.

E isso é bom para todos. Menos para os correspondentes estrangeiros.

Se as vacinas já não transformam pessoas em jacaré e se o presidente atual já não interrompe conferências de imprensa para dissertar sobre a higiene peniana dos brasileiros, há menos matéria para trabalhar.

Quando o ministro da Educação deixa de ser um semianalfabeto, a pasta do Ambiente foge das mãos de um desmatador e o titular da Saúde já não é um general lambe-botas, o que escrever? O normal não vende.

Se agora o Ministério das Relações Exteriores já não odeia relações exteriores, se o ator da novela Malhação saiu da secretaria da Cultura, entretanto elevada a ministério, e se o governo decidiu até tirar o órgão de Combate ao Racismo da tutela de um racista, o país perde graça aos olhos internacionais.

Sem Bolsonaro, valham-nos os bolsonaristas anónimos para nos fazer rir: como aqueles milhares que transferiram para a conta de Bolsonaro 17 milhões de reais [3,25 milhões de euros] para ele enfrentar multas judiciais e souberam, via investigação do órgão de controlo de atividades financeiras, que ele aplicou o dinheiro todo em fundos de investimento e não pagou uma coima sequer.

E valham-nos ainda as “ações” dos bolsonaristas parlamentares: uma delegação deles, liderada por Magno Malta, senador e vocalista de uma banda de pagode gospel, foi à sede da ONU, com ar pesaroso, denunciar a violação dos direitos humanos dos detidos nos ataques aos Três Poderes de 8 de janeiro.

Mas em Nova Iorque ninguém os recebeu, além de um surpreendido diplomata brasileiro, porque o Conselho dos Direitos Humanos é em Genebra. Os bolsonaristas enganaram-se na morada ou, neste caso, no continente.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
03 Agosto 2023 — 00:25


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288: As gafes de Lula

 

🇧🇷 OPINIÃO

“Queria agradecer aos africanos por tudo o que foi produzido durante 350 anos de escravidão”, disse Lula da Silva, em Cabo Verde, dia 19.

Quando os colaboradores “traduziram” a frase – “o que ele quis dizer foi que o Brasil tem uma dívida histórica com África mas acabou por se atrapalhar com as palavras dando sentido oposto” – já a esquerda havia apontado o dedo ao presidente por ter tratado o flagelo como uma mera prestação de serviço. E a direita, boa parte dela ainda saudosa da escravidão, diga-se de passagem, amplificara a frase em forma de meme nas redes sociais.

As gafes de Lula são lendárias mas ganharam força porque, por um lado, as fronteiras à esquerda do que é política, social, económica e culturalmente aceitável dizer-se encolheram muito nos últimos anos, e, por outro, porque o ex-sindicalista passou de apenas rejeitado a muito odiado por uma parcela da direita que lhe vigia cada sussurro, cada esgar.

Lula, nalguns casos, não se tem ajudado. Disse que “o conceito de democracia é relativo”, ao tentar justificar o regime, no mínimo musculado, de Nicolás Maduro, na Venezuela, branqueou os desmandos de Daniel Ortega, na Nicarágua, e equiparou, para horror internacional, a Rússia à Ucrânia. “Volodymyr Zelensky quis a guerra” chegou a afirmar, antes de entrarem em ação os tais colaboradores-tradutores.

Analistas comentaram, com acidez, que a única declaração acertada até hoje de Lula sobre o conflito foi a do dia da suposta rebelião do Grupo Wagner. “Não posso comentar, seria precipitado da minha parte fazer juízo de valor sobre um assunto que desconheço”.

Por causa da Ucrânia, o Libération titulou até Lula, a deceção, por acaso, horas antes de, na mesma Paris do jornal, o presidente do Brasil dizer, com o Arco do Triunfo ao fundo, que “quem poluiu o planeta nestes últimos 200 anos foram aqueles que fizeram a revolução industrial e por isso têm de pagar”, sob aplausos de pé de uma plateia sobretudo jovem no encontro Power Our Planet, que reuniu lideranças mundiais e ícones da música.

Lula, entretanto, vem sendo acusado de gordofobia contra Flávio Dino, por fazer piadas sobre a dieta do ministro da Justiça, e de preconceito contra doenças mentais por chamar os atiradores em escolas de “gente com desequilíbrio de parafuso”.

Ao chamar Jair Bolsonaro de “capiau” (saloio, parolo) associou a população nascida no interior de São Paulo, como o ex-presidente, à ignorância mas o percalço maior foi a ode involuntária ao machismo, quando pretendia insurgir-se contra a violência doméstica: “Quer bater em mulher? Vá bater noutro lugar, mas não dentro da sua casa ou no Brasil”.

No contexto do movimento que deteta preconceito em tudo o que mexe há, entretanto, alertas que beiram o ridículo: mesmo depois de trocar “índio” por “indígena” e “escravo” por “escravizado”, conforme alerta da intelligentsia que o rodeia, Lula foi acusado de perpetuar o estigma da submissão da mulher ao dizer que se sentia, aos 77, “com tesão de 20”. E até de segregar os vegetarianos quando prometeu em campanha devolver aos pobres a possibilidade de “comer picanha”.

PS: Já depois de iniciado este texto, o presidente brasileiro, cansado das críticas sobre a picanha, a Ucrânia, a gordofobia, Maduro e a escravidão prometeu reduzir os improvisos e anunciou a contratação de quatro colaboradores para o ajudarem nos discursos.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
27 Julho 2023 — 00:36


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266: Bolsonaro não paga imposto

 

🇧🇷 OPINIÃO

Qualquer empresário disposto a investir no Brasil sabe que tem de enfrentar o Imposto sobre Produtos Industrializados, a Contribuição para o Financiamento da Segurança Social e o Programa de Integração Social, no contexto federal, mais o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, no plano estadual, e o Imposto Sobre Serviços, de natureza municipal. Cansa só de ler.

E piora: os cinco tributos entrelaçam-se, como um emaranhado de fios desencapados, causando curto-circuitos de pesadas multas às empresas. Para evitá-las, os empresários são obrigados a manter onerosos departamentos de contabilidade.

Mas não chega: com frequência, as multas vão parar aos tribunais e saem de lá, por culpa das coimas e dos juros, muito mais assustadoras do que chegaram. Além da multidão de contabilistas, os empresários gastam, portanto, fortunas em batalhões de advogados tributaristas que se foram especializando, com o tempo, a driblar as distorções malucas dos impostos doidos.

Exemplos: aconselham os restaurantes a venderem o popular “sorvete” sob a denominação “sobremesa láctea”, porque se se chamar “sorvete” paga 9,25% de imposto, mas se for uma “sobremesa láctea” (mesmo sendo um sorvete como os outros) está isento, e as lojas de cosméticos a comercializarem um “perfume”, taxado em 27,3%, como “água de colónia” (mesmo sendo um perfume como os outros), para pagar apenas 7,8%.

Por causa deste inferno burocrático que consome a economia brasileira, há mais de 30 anos que o Congresso Nacional vinha tentando, sem nunca ter encontrado o clima político ideal, aprovar uma “reforma tributária” que simplificasse e clarificasse a confusão fiscal do país.

Essa reforma, “a mais importante do Brasil desde a que implantou o real como moeda”, de acordo com Samuel Pessôa, economista liberal, e “o único jeito de aproximar o país da riqueza”, segundo Maílson da Nóbrega, ministro das Finanças do direitista José Sarney, foi aprovada neste mês, para júbilo dos empresários, do mercado financeiro, da bolsa e do real, mas também dos trabalhadores, dos sindicatos, dos governadores e dos prefeitos.

Deputados de Direita e de Esquerda, há meses empenhados na proposta que concentra os impostos todos em apenas dois mais simples e mais claros, abraçaram-se num raro momento de união em torno de uma política de Estado – muito mais do que de governo.

Até os rivais nas Eleições de São Paulo em 2022, Fernando Haddad, hoje ministro das Finanças de Lula, e Tarcísio de Freitas, tido como sucessor do inelegível Bolsonaro, explicaram na véspera da votação, lado a lado, os benefícios incalculáveis de uma reforma que aproxima o Brasil do mundo civilizado.

Entretanto, Tarcísio não conhecia o potencial destrutivo das más companhias com quem se meteu: foi imediatamente chamado de marxista para baixo pelos bolsonaristas por defender a reforma e, ainda por cima, ao lado de Haddad.

Porque Bolsonaro, que podia reduzir a desvantagem deste jogo, argumentando que a reforma era mérito de todos, escolheu mandar o seu gado votar contra ela.

Não só foi goleado – 375 deputados votaram “sim” – como humilhado – entre esses 375 estavam 20 parlamentares do seu partido. Mais: ao preferir enfrentar o governo por politiquice rasteira transformou uma vitória até então repartida por Esquerda e Direita num triunfo pessoal de Lula.

Para sorte de Bolsonaro, a estupidez não paga imposto.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
20 Julho 2023 — 00:23



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252: As jabuticabas

 

🇧🇷 OPINIÃO

Bolsonaro é condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral, essa jabuticaba“, reclama um editorialista do jornal Gazeta do Povo, adepto do ex-presidente da República. “Temos de acabar com a jabuticaba da meta anual da inflação”, exige Fernando Haddad, ministro das Finanças do governo Lula. O que é, afinal, perguntam-se os menos familiarizados com o Brasil, essa tal de jabuticaba, que une bolsonaristas a lulistas e aparenta ser insultuosa?

Na verdade, a jabuticaba é o saboroso fruto, parecido com uma uva (segundo a impressão de um leigo), da jabuticabeira. O que a torna especial é existir apenas em território brasileiro, razão para Mário Henrique Simonsen, ministro da área económica em governos da ditadura militar, ter sentenciado um dia: “Se só existe no Brasil e não é jabuticaba, é besteira”.

O Tribunal Superior Eleitoral, terror do bolsonarismo, e a meta anual da inflação, dor de cabeça do lulismo, por só existirem no Brasil são, nas opiniões citadas, duas besteiras ou duas jabuticabas. E não são, claro, as únicas. Publicações brasileiras, como a Veja, o UOL e outras, de vez em quando, publicam listas de jabuticabas.

Nelas, constam logo à cabeça a inconveniente tomada de três pinos, em vez de dois, que obriga quem visita o país a munir-se de adaptadores e vice-versa, e a conveniente pizza meio-a-meio, que permite a um casal que não goste do mesmo sabor pedir, por exemplo, uma metade margherita e uma metade napoletana e até uma terceira modalidade para o filho numa só unidade.

Os duches elétricos, em vez do sistema de torneiras de água quente e fria, são citados, assim como o cúmulo burocrático de se exigir a autenticação em cartório de uma assinatura numa fotocópia. A inexistência de um imposto único, tipo IVA, a cobertura na TV dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e o voto em urna eletrónica são outras “jabuticabas” que têm marcado a atualidade económica, judicial e política dos últimos anos.

Por outro lado, nessas listas de jabuticabas é dito que o hábito de tomar banho diariamente ou de escovar os dentes no trabalho é um exclusivo brasileiro incomum na Europa, assim mesmo, “na Europa”, como se um continente tão diverso tivesse costumes idênticos. Mas mais estranho ainda é ler, numa das listas, que em mais nenhum lugar do mundo, além do Brasil, existe “saudade”, sendo que já a avó de Pedro Álvares Cabral, coitada, se queixaria, muito provavelmente, de “saudades” nas longas viagens do neto.

O Brasil é um país único, inimitável, que se não existisse teria de ser inventado, mas a saudade, claro, não é uma jabuticaba. Nem os ótimos hábitos de higiene dos brasileiros.

Noutras democracias também se usa o (excelente) sistema de voto eletrónico. Há julgamentos da principal corte transmitidos ao vivo em mais cantos do globo. E não é só ao Brasil que falta IVA.

Os cartórios, infelizmente, são uma máquina inútil de comer dinheiro além do Brasil. Em Nova Iorque, a prática das pizzas divididas está disseminada faz tempo. E há pontos do globo onde também são necessárias tomadas de três pinos para carregar o telemóvel.

Mais: na Costa Rica, por exemplo, existe um Tribunal Superior Eleitoral – até é homónimo do brasileiro e tudo.

Aliás, na verdade nem sequer as jabuticabeiras, encontradas no México, na Bolívia, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina sob o nome de guapuru, são uma jabuticaba.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
13 Julho 2023 — 00:21



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