“Sem Mais Tempo a Perder”

 

– “… – Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psicológicas (não de doença mental, no sentido mais profundo, mas sobretudo de perturbações psicológicas como a ansiedade e a depressão);

Ter-se-á esquecido o cronista dos ex-Combatentes da Guerra do Ultramar? Stress Pós-Traumático de Guerra, saberá realmente os danos causados ao longo destes últimos QUARENTA E NOVE ANOS contados apenas a partir de 1974, por todos os ex-Combatentes que estiveram no mato durante pelo menos dois anos? Falar e escrever é fácil quando não se sofre de algum desequilíbrio psicológico, causado por qualquer tipo de anomalia alheia à nossa vontade…

🇵🇹 OPINIÃO

“Sem mais tempo a perder”, é o título de um relatório do Conselho Nacional da Saúde (2019) sobre a saúde psicológica em Portugal. O título é elucidativo e expressa a ideia de que a saúde psicológica seria o desafio da próxima década. Pouco depois, irrompe a Covid-19. Uma das conclusões do estudo foi que a reforma da saúde mental estava atrasada e adiada.

Uma ilação já repetida, noutros relatórios, noutros contextos. Durante e depois da pandemia, sabemos o que se passou, em termos de saúde psicológica. Durante a pandemia uma enorme pressão psicológica, a vários níveis, e nos mais diversos sectores da população.

A incerteza, a dor, o medo, a perda de pessoas, os lutos. Um aumento exponencial de perturbações psicológicas registou-se a nível nacional e internacional, bem como o consumo de psicofármacos. Em ambos os casos, os números já eram assustadores antes da pandemia.

Recentemente, a OCDE publicou um relatório que conclui que Portugal não regista um investimento adequado na área da saúde. Exemplo? O Plano Nacional para Saúde Mental de 2008 não foi executado.

As avaliações e as actualizações dos planos de saúde mental, têm, repetidamente, chegado à conclusão do adiamento sucessivo da reforma da saúde mental. O lugar-comum que tem feito títulos e frases de muitos textos: saúde mental, o parente pobre.

Estamos em vias de ter a execução progressiva do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), estando inscritos 88 milhões de euros de investimento público, para a área da saúde mental. Temos hoje a segurança e a convicção de que, desta vez, não haverá um adiamento de uma mudança estrutural para o país?

O risco de não haver uma real vontade política de alterar processos instalados parece ser muito elevado. O perigo de entrarem milhões de euros no país e de não terem um aproveitamento racional e eficaz, não será, porventura, menor.

Têm sido referidas áreas prioritárias do PRR, como por exemplo, as equipas comunitárias e a necessidade de criar vagas para os cuidados continuados.

Sem prejuízo de serem áreas cruciais e com enormes lacunas, parecem haver menos medidas para a área da saúde psicológica, que não englobam os contextos de saúde e doença mental mais grave.

Ou seja, a área da saúde psicológica que lidará como a grande maioria da população (sem que isso signifique esquecer ou estigmatizar áreas e populações específicas).

Sem cansar muito o leitor com referências e estudos, vejamos uma curta síntese de alguns dados conhecidos:

– Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psicológicas (não de doença mental, no sentido mais profundo, mas sobretudo de perturbações psicológicas como a ansiedade e a depressão);

– As mulheres e os homens portugueses são os maiores consumidores de psicofármacos na Europa;

– Este consumo de psicofármacos tem aumentado exponencialmente, constituindo um grave problema de saúde e de finanças públicas

– As perturbações psicológicas e do comportamento, são a primeira causa de anos vividos com incapacidade (20,55%), e são a segunda causa de anos perdidos de vida saudável (11,75%);

– O custo estimado de perda de produtividade das empresas devido ao presentismo e do absentismo, causados por problemas na saúde psicológica, é de 5,3 mil milhões de euros em 2022;

– Temos cerca de 2,5 psicólogos por 100 mil habitantes no serviço nacional de saúde;

– Sabe-se que as populações com maiores índices de perturbações psicológicas têm outros problemas de saúde física associados e contribuem para a procura e maior pressão sobre os serviços de saúde.

Em contraponto outros dados relevantes:

– Por cada 1€ investido em saúde psicológica há um retorno de 5€;

– Vários programas e estudos têm demonstrado que os benefícios de investimento em saúde psicológica suplantam largamente os custos de investimento;

– Várias recomendações internacionais apontam a necessidade de substituir em grande medida as intervenções baseadas exclusivamente em psicofármacos por intervenções psicológicas e psicoterapêuticas;

– Estas últimas são muito eficazes, sabendo-se que as pessoas tratadas por psicoterapia, estão 80% melhores, quando comparadas com pessoas que não realizaram intervenção psicológica;

– As intervenções psicológicas são, em muitas circunstâncias mais eficazes que as intervenções medicamentosas, sabendo-se que as primeiras promovem outro tipo de competências e os seus ganhos prolongam-se no tempo;

Como referido por um conhecido autor da área, “os factos são amigáveis”. Isto é, há dados científicos e económicos, acumulados há décadas, que se bem considerados e integrados, sustentam de forma segura uma mudança estrutural de políticas para a saúde psicológica. Falta a tomada de decisão.

Director Clínica ISPA

D.N.
Daniel Sousa
28 Junho 2023 — 11:25



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178: Comportamentos Desacreditados

 

🇵🇹 OPINIÃO

A confiança é um aspecto central nas relações humanas.

Sejam relações amorosas, profissionais, de amizade, familiares, ou mesmo, relações que se estabelecem entre cidadãos e cargos políticos. Actualmente, assiste-se a um conjunto de circunstâncias, das quais uma das principais consequências é o descrédito de instituições e de referências nacionais para os cidadãos.

A quebra de confiança pode acarretar descrença, insegurança, frustração, zanga e cepticismo em relação ao futuro. Com razão. A confiança pode implicar, por uma das partes, a aceitação da sua vulnerabilidade. Amar é estar a descoberto.

Em relações sociais, ou entre cidadãos e instituições, espera-se que as acções e comportamentos estejam de acordo com as expectativas criadas. E mesmo quando o caminho é feito de obstáculos, sempre que existe confiança, há um chão seguro.

Vários estudos sugerem que, em contexto de trabalho e institucional, os colaboradores de uma empresa aceitam adversidades quando confiam nos líderes. Têm maior capacidade de resiliência quando a liderança é empática, mas também, se for sentida como confiável, fidedigna e honesta.

A quebra de confiança pode estar presente em relações entre pacientes e médicos, entre pessoas e psicólogos. As intervenções psicológicas e a psicoterapia têm um elevado índice de eficácia.

A investigação sugere que a pessoa em tratamento psicológico tem, em média, melhorias mais significativas que 80% da amostra não tratada. A psicoterapia é, em muitos casos, igualmente eficaz a intervenções medicamentosas, sendo os ganhos terapêuticos da primeira, geralmente mais duradouros.

Cerca de 50% das pessoas melhoram com 12 sessões de psicoterapia. Estes, e outros dados extremamente positivos, são pouco conhecidos do público em geral. Mas, significa isto que o cenário é isento de problemas? Obviamente que não.

Em Portugal, apesar das melhorias, existe ainda um longo caminho a percorrer. É extremamente difícil aceder a serviços de apoio psicológico convenientes. Sobretudo, a população mais desfavorecida do ponto de vista socioeconómico, não tem acesso aos serviços de apoio psicológicos.

Caso paradigmático, são os centros de saúde, com um rácio de 2,5 psicólogos por 100 mil habitantes. Não é possível ter serviços de qualidade com este tipo de enquadramento.

O que irá de facto ser implementado com as verbas do PRR na área da saúde mental? Outro problema grave é um extremo consumo de psicofármacos. Portugal está no topo do ranking europeu de consumo de medicamentos para a saúde mental.

A falta de literacia em saúde psicológica leva a que uma grande maioria da população solicite ajuda de “terapias”, de supostos profissionais, e pessoas que não apresentam as devidas qualificações para lidar com as problemáticas da saúde psicológica.

Esta questão é actualmente um problema vasto, atendendo ao número de pseudoterapias que proliferam, e profundamente grave, tendo em consideração o risco para a saúde.

A área do apoio psicológico e psicoterapêutico tem sido amplamente objecto de investigação científica que, também, identificou comportamentos desacreditados que nenhum psicólogo ou psicoterapeuta, deve pôr em prática na sua actividade clínica.

Entre outros, destacam-se: os juízos de valor; as confrontações, as críticas, as observações sobre aspectos pessoais; a não-aceitação da perspectiva da pessoa; uma postura opinativa; apresentar explicações confusas e elaboradas que não compreensíveis para a pessoa; o não cumprimento das sessões marcadas; a crítica pelo processo terapêutico.

Por outro lado, é sabido que a base da confiança de um processo terapêutico estabelece-se numa relação de confiança.

Para esta ser criada, é essencial haver uma colaboração real entre as duas pessoas, uma aceitação incondicional da experiência da pessoa, respeito, uma posição empática, uma verdadeira escuta activa, compreensão e um enquadramento relacional que traduza segurança.

Estes são elementos essenciais e basilares da construção de cada processo terapêutico, para os quais os psicólogos e os psicoterapeutas, estão profissionalmente treinados.

Director Clínica ISPA

D.N.
Daniel Sousa
14 Junho 2023 — 16:11


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101: A Pandemia Silenciosa

 

🇵🇹 OPINIÃO

A solidão. Mais uma vez, a solidão.

Um relatório, acabado de ser publicado pela principal instituição dedicada à saúde pública dos Estados Unidos da América, revela a gravidade do problema: cada vez mais, as pessoas sofrem de solidão. Em silêncio. Não se fala, mas as pessoas, morrem de solidão. Directa e indirectamente.

Ainda recentemente, escrevemos aqui sobre a importância negativa, do isolamento e da solidão. E, pelo contrário, como a conexão social, impacta positivamente, a vários níveis, na saúde e no bem-estar das pessoas.

O que nos diz este último relatório? Desde logo que: os comportamentos que promovem conexão social têm vindo a diminuir gradualmente.

Por exemplo: actividades realizadas com amigos diminuíram em 20 horas por mês; encontros sociais dedicados aos entretimentos, satisfação, repouso, diminuíram 14 horas por mês; saídas com amigos diminuíram 20 horas por mês. Pelo contrário, o isolamento social aumentou 24 horas por mês.

Os dados, recolhidos entre os anos de 2003 e 2020, referem-se a que parte da população? Aos mais velhos? Não, os dados apontam, sobretudo, para um aumento de isolamento e solidão, entre os mais novos.

E quais são os impactos deste maior isolamento? Alguns dados comparativos, ajudam a compreender a dimensão do problema. Em termos de saúde pública, a experiência de solidão, equivale a fumar 15 cigarros por dia. Aumenta em 32% o risco de doenças cardiovasculares.

Outras doenças que os estudos identificaram estarem correlacionadas com o isolamento: hipertensão, diabetes, doenças infecciosas. Do ponto de vista mental, o isolamento social contribui para um aumento de demência em adultos, na ordem dos 50%.

A saúde psicológica tem acumulado investigação que refere, sobretudo, os quadros de depressão e ansiedade estarem associados aos contextos de solidão.

Pela via oposta, os estudos referem que as pessoas que usufruem de maior conexão social, aumentam em 50% a esperança de vida.

Os dados são massivos, mas não novos. São confirmatórios, do que tem sido estudado ao longo das últimas décadas. No entanto, este relatório procura, no contexto norte-americano, realizar uma enorme chamada de atenção.

Os números sobre o isolamento e a solidão, têm vindo a aumentar gradualmente. Pioraram depois da Covid-19. Estão a atingir cada vez mais as populações mais jovens.

O que o relatório ressalta igualmente é como esta autêntica epidemia (não será antes uma pandemia, uma vez que global?), tem impactos a nível biológico e de saúde física, a nível psicológico e, a nível comportamental. Estes três eixos impactam na saúde das pessoas.

Estes dados ajudam, também, a realçar a importância de inúmeras iniciativas. Quer sejam do Estado ou da sociedade civil.

As juntas de freguesia, as câmaras, os clubes desportivos, as associações, enfim, diversas instituições civis, organizam, combatem e colaboram activamente para o desenvolvimento da conexão social.

E tantas vezes isso é feito sem, porventura, o devido reconhecimento. São actividades, muitas vezes, diárias, semanais, ano após ano. No entanto, parece crucial interrogarmo-nos e reflectirmos sobre as nossas opções individuais, sociais e estatais.

Que impacto terá num futuro próximo esta construção de sociedades nos quais as pessoas permanecem, cada vez mais, isoladas entre si?

De que maneira é que a transformação digital vai impactar progressivamente neste processo? De que forma é que as políticas nacionais podem inverter o crescimento da solidão?

Se existem vantagens em introduzir formas de teletrabalho e autonomização deste, como equilibrar os eventuais impactos na conexão social?

O relatório aponta direcções, mas cada país, comunidade, terá de encontrar respostas adaptadas às suas culturas, às suas especificidades. Sem dramatismos, o desafio é enorme.

Porventura, do mesmo grau dos desafios energéticos e ambientais, com os quais as próximas gerações terão de se debater.

No que concerne à conexão social, estamos cada vez mais afastados uns dos outros. Estamos ligados, mas desconectados.

Director Clínica ISPA

D.N.
Daniel Sousa
17 Maio 2023 — 14:38


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32: Eu, um estranho em mim ❤️

 

🇵🇹 OPINIÃO

Podemos passar uma vida inteira sem sentirmos um profundo desamparo psicológico. As mágoas da vida, as dores, a tristeza, as metas alcançadas, e as alegrias, conjugam-se como dimensões diferentes de um mesmo caminho percorrido ao longo da vida. E com naturalidade.

Também é comum acontecerem duas situações: algo se vai instalando silenciosamente, sem nos apercebemos ou sem darmos conta do seu real significado, até atingirmos um limite das nossas forças; ou, de forma muito repentina, sentimos que o nosso mundo como o conhecemos, desmoronou-se.

Estes dois enquadramentos podem descrever de forma muito genérica, como é que muitas pessoas, acabam por se sentir desamparadas, ou mesmo, entrarem num lugar de desesperança.

E, não raras vezes nestas alturas, há uma afirmação que acaba por ser verbalizada: não compreendo o que se passa comigo. Uma declaração, uma afirmação que acarreta, sobretudo, muitas perguntas.

É da ordem da estranheza, estar em mim, reconhecer-me e, simultaneamente, sentir que os meus recursos não são os mesmos; ou que não consigo lidar da mesma forma, como conseguia, com as pessoas das minhas relações mais próximas; ou que adopto comportamentos que habitualmente não tinha; ou ainda, que sinto que o meu corpo não reage como habitualmente. Eu, um estranho em mim.

Surgem então várias perguntas: mas porque é que eu me senti capaz toda a vida e agora não? Mas é agora, aos 45 anos (sim, estas interrogações surgem muitas vezes após alcançada a maturidade de vida), que não consigo lidar com as coisas?

Nunca vivi nada assim, o que se passa comigo? Uma forma, simples, de explicarmos por que razão as pessoas entram em sofrimento psicológico, é quando estas sentem que os pontos de referência que tinham para si mesmas deixaram de funcionar.

O que são os nossos pontos de referência? Um conjunto de convicções e de crenças, que todos temos e que nos organizam, em relação a nós mesmos, em relação aos outros, e ao mundo.

As nossas crenças, entendimentos, valores, são uma espécie de GPS que nos guia perante o terreno, por vezes ardiloso, da vida. Este conjunto de entendimentos foi construído por nós ao longo da nossa vida, com influência do contexto relacional mais próximo, e pelas condições ambientais e culturais.

Quando as nossas convicções funcionam, em dor ou em alegria, conduzimos a nossa vida. São organizadoras, porque nos informam como nos comportar, e também porque nos dão algo essencial: sentido.

E quando não funcionam? Sentimos que perdemos a nossa auto eficácia. E assim perdemos contacto com aspectos essenciais: segurança, confiança, sensação de qual o caminho a percorrer. Na falta destes, perdemos a esperança.

O que antes era sentido como claro e evidente, torna-se agora num novelo de confusões, que conduz a um sentimento de estar perdido em terras desconhecidas.

A vida é muito dinâmica. O jogo permanente que ocorre, entre os acontecimentos da minha história e as minhas crenças, não garante que estas últimas funcionem sempre de forma eficaz.

É da ordem do natural que, mesmo em fase avançada de vida, eu possa sentir que os meus pontos de referência, que sempre conheci e me deram segurança, percam essa capacidade de organizar o meu mundo.

É natural, mas quando acontece, estranho e assustador. Pode ser nestes momentos que precisamos de alguns elementos essenciais para restabelecer a ordem das coisas.

Quando encontramos um lugar que nos proporciona segurança, uma conexão humana, emocionalmente vivida, e que faculta a empatia e a escuta sem julgamento, lançamos as sementes fundamentais para que a pessoa se possa restabelecer.

De forma muito comum, e este é um aspecto crucial, a reformulação e o repor da ordem das coisas, de nós mesmos, ocorre pela activação de recursos, cognitivos e emocionais, que são nossos.

E voltamos a encontrar equilíbrio, quando repomos os nossos pontos de referência. Ora com novas respostas, ora com respostas adaptadas.

Director Clínico ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida

D.N.
Daniel Sousa
19 Abril 2023 — 14:35


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