🇬🇧 OPINIÃO
Quando Edmundo, um apanhador de lixo do Peru, apanhou a covid-19, ele teve de fazer um empréstimo bancário para pagar a sua ida à clínica. Muitos dos seus colegas também adoeceram e, posteriormente, endividaram-se, procurando desesperadamente empréstimos, gastando as suas economias e vendendo terras e pertences para pagar por cuidados de saúde e medicamentos prescritos.

© Thony Belizaire / AFP
Trabalhadores informais como Edmundo (o seu nome foi alterado para manter a privacidade), ou recicladores, como são conhecidos na América Latina, prestam um serviço público essencial ao reciclar resíduos sólidos em localidades urbanas.
Da cidade de Nova Iorque a Bangkok, eles contribuem para as economias locais e nacionais, melhoram a saúde pública e promovem a sustentabilidade ambiental.
Mas embora trabalhadores informais como esses apanhadores de lixo representem a maioria da força de trabalho global, eles não têm seguro saúde, pensões ou qualquer forma de protecção social.
Nos últimos anos, muitos viram os seus rendimentos serem eliminados pelos confinamentos da covid-19 e pelas interrupções da cadeia de abastecimentos e pressões inflacionarias associadas. Muitos estão com dificuldades financeiras e enfrentam ameaças constantes à sua saúde, segurança e meios de subsistência.
A natureza precária do emprego informal, juntamente com as condições de trabalho muitas vezes perigosas, deixa os trabalhadores informais particularmente vulneráveis a riscos de saúde.
Mas, apesar da sua maior exposição a lesões e doenças, muitos desses trabalhadores lutam para arcar com os custos crescentes dos cuidados de saúde.
Sem cobertura financeira adequada, muitas vezes são forçados a pagar do próprio bolso consultas médicas, remédios e viagens para clínicas e hospitais.
Uma sondagem recente com trabalhadoras no domicílio no Cambodja feita por Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing (WIEGO) e HomeNet Cambodia constatou que as despesas de saúde são a razão mais comum pela qual trabalhadores informais se endividam.
Da mesma forma, em Nagaland, na Índia, o custo de uma única visita a uma clínica equivale a três semanas do rendimento típico de uma trabalhadora doméstica.
Entre esses trabalhadores, 70% tiveram de fazer um empréstimo para financiar a última consulta médica; uma parcela semelhante disse que os altos custos directos os forçaram a adiar cuidados de saúde cruciais.
Os recentes desenvolvimentos políticos oferecem poucas razões para optimismo. Apesar dos aumentos iniciais das despesas públicas durante os estágios iniciais da pandemia, a guerra na Ucrânia e as pressões inflacionarias desencadearam uma nova onda de medidas de austeridade.
De acordo com um relatório recente da Rede Europeia sobre Dívida e Desenvolvimento (EURODAD), 16 governos – sete no mundo em desenvolvimento e nove em países de altos rendimentos – estão actualmente a considerar cortes nas despesas com saúde. Da mesma forma, espera-se que a maioria dos países de rendimentos médios corte as despesas do governo.
E quase 90% dos empréstimos da era pandémica concedidos pelo Fundo Monetário Internacional a países como o Nepal e a Nigéria estavam condicionados à implementação de medidas de austeridade.
Para alcançar uma recuperação económica global equitativa, devemos rejeitar as falsas promessas e os resultados falhos da austeridade orçamental e investir em cuidados de saúde acessíveis e de alta qualidade para todos.
A actual onda de austeridade põe em perigo a saúde física e mental dos trabalhadores mais vulneráveis do mundo. Estudos mostraram que os programas de ajuste estrutural do FMI exacerbaram as desigualdades em saúde no Sul Global, onde vive a maioria dos trabalhadores informais.
Dado que mulheres e meninas, que representam uma grande parcela dos trabalhadores pobres, muitas vezes carregam o peso dessas medidas, o actual impulso de austeridade também tem implicações de longo alcance para a igualdade de género.
Mas a austeridade não é necessária nem inevitável. Ao aumentar os impostos sobre as empresas e os ultra-ricos, combater a corrupção financeira e reestruturar a dívida soberana, os governos poderiam continuar a financiar serviços públicos essenciais.
Não há razão para permitir que os que estão no topo da pirâmide económica obtenham lucros recordes enquanto os que estão na base arcam com o fardo das crises económicas, de saúde e sociais.
As crises de saúde e dívida que assolam os trabalhadores informais estão interligadas e reforçam-se mutuamente.
Embora a economia informal represente 35% do PIB dos países de baixos e médios rendimentos, em média, e represente a maioria dos empregos não agrícolas em países como a Índia e a Tailândia, aqueles que trabalham lá não são reconhecidos como os principais interessados que poderiam ajudar a impulsionar uma recuperação global.
Além disso, o actual debate político ignora a ameaça que as políticas de austeridade representam para milhões de meios de subsistência em todo o mundo.
Mas o facto é que as nossas economias dependem do bem-estar colectivo de dois mil milhões de trabalhadores informais, muitos dos quais lutam sob o peso dos crescentes custos da saúde.
Líderes políticos e decisores de políticas de desenvolvimento devem abordar com urgência a crise da dívida de saúde antes que ela fique fora de controlo.
Para alcançar uma recuperação económica global equitativa, devemos rejeitar as falsas promessas e os resultados falhos da austeridade orçamental e investir em cuidados de saúde acessíveis e de alta qualidade para todos.
Christy Braham, Coordenadora de Saúde dos Trabalhadores em Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing, é bolsista do Atlantic Fellow for Health Equity na Universidade George Washington.
© Project Syndicate, 2023.
D.N.
Christy Braham
07 Abril 2023 — 22:50
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published in: 6 meses ago