🇵🇹 OPINIÃO
Um dicionário comum de língua portuguesa diz-nos que “humanizar” é sinónimo de tornar humano, dar ou ganhar atributos humanos, passando também por tornar compreensivo, bondoso, sociável.
Na saúde, o seu significado remete-nos à capacidade e possibilidade de compreender as necessidades de todas as pessoas, de empatizar com elas, de as entender em determinado contexto e na sua individualidade, de actuar resolvendo ou minimizando as suas vulnerabilidades.
Esta humanização exige conhecimento, estratégia, planeamento, avaliação e investimento. Note-se que falo em saúde e não em cuidados de saúde.
Numa primeira instância, pensamos em tornar humanos os processos de interacção e relação com os utentes (beneficiários directos) e as suas famílias.
É assim que aprendemos nos cursos que fazemos: empatizar com o doente, ser capaz de o escutar, de o entender, de lhe prestar os cuidados de que necessita, que nem sempre são os que pede.
Respeitar a sua autonomia, cuidar a comunicação verbal e não verbal, respeitar a dignidade e singularidade de cada um.
Ir mais longe e garantir a continuidade dos cuidados de saúde, facilitar o acesso, facultar adequadas condições de atendimento.
É de facto tudo isto, e já é tanto, mas há mais. Proponho que, a par, se aposte em humanizar a interacção e relação com as outras pessoas que não são beneficiários directos da prestação de cuidados de saúde, como por exemplo os profissionais de saúde.
Como são tratados? Com que dignidade? Que condições de trabalho têm? Que retorno lhes é dado? E continuemos neste racional.
Cuidar dos gestores em saúde, dos fornecedores, dos restantes stakeholders que interagem com o sistema de saúde nos seus variados níveis. Cuidar dos beneficiários indirectos dos cuidados que prestamos. Tanto para fazer!
De forma sistematizada, a proposta é que a humanização seja pensada a três níveis — na relação directa com a pessoa, nos aspectos estruturais das entidades do sector da saúde e nas suas dinâmicas organizacionais.
Assim sendo, o sistema de saúde que aposta na humanização cuida a pessoa: i) na relação directa que tem com ela; ii) nos aspectos estruturais das entidades onde se prestam cuidados de saúde (primários, secundários e terciários); iii) nos modelos de gestão que assume.
Quer isto dizer que a proposta é um modelo centralizado na pessoa, sendo esta não apenas o beneficiário directo dos cuidados de saúde, mas todo aquele que interage com e no sistema.
Esta dinâmica impacta em todo o sistema e creio que tem potencial para o desenvolvimento do ingrediente fundamental para que o modelo seja sustentável: relações de confiança.
Esta perspectiva de humanização da saúde deve ser começada a trabalhar desde os bancos da faculdade e de forma transversal às diversas profissões da saúde.
Os currículos académicos deveriam integrar não apenas a humanização com o olhar direccionado ao utente, mas contemplar the whole picture do sistema de saúde.
Tantas vezes ouvimos dizer que a transformação digital distanciou as pessoas na saúde. O enfermeiro já mal olha para o utente pois está focado no monitor de um computador; o médico nem se levanta da secretária e faz as perguntas, escrevendo as respostas num teclado; são pedidos exames e os diagnósticos são feitos com base em relatórios e não no toque, no olho clínico. A digitalização trouxe distância e frieza, desumanizou. Não tem por que ser assim!
Numa perspectiva de humanização da saúde, a transformação digital deve ser rentabilizada ao serviço do cuidar — porque existem mais recursos desta natureza, os profissionais podem alocar mais tempo à relação e interacção com as pessoas (todas aquelas de que temos falado) e entre si.
Mas isto educa-se, aprende-se… a liberdade na utilização das ferramentas digitais com foco na humanização, outro tema para outro artigo.
Humanizar a saúde implica o que disse há parágrafos: conhecimento, estratégia, planeamento, avaliação e investimento.
A tomada de decisão deve ir por este caminho, depois planeá-lo estrategicamente, seguido do desafio da implementação com tudo o que traz consigo.
Foco nas pessoas, numa abordagem pessoal, institucional e de modelo de governo. O impacto será não apenas no fortalecimento da relação com a pessoa, mas do sistema.
A não esquecer: somos, cada um de nós, agentes e alvo de humanização.
Directora do Programa de Gestão das Organizações Sociais da AESE Business School
D.N.
Cátia Sá Guerreiro
08 Maio 2023 — 00:23
Web-designer, Investigador
e Criador de Conteúdos Digitais
published in: 5 meses ago