🇵🇹 OPINIÃO
Muitas das principais decisões governativas passam ao largo das preocupações (ou das ocupações) da maioria dos portugueses. Alienados pela tentacular indústria do futebol e pelas perigosas e estupidificantes redes sociais, no nosso país as decisões de hoje, e que farão o dia seguinte, não são verdadeiramente discutidas. A democracia perde sentido quando as pessoas ignoram o que os seus governantes decidem.
Vêm estas palavras a propósito do que se prepara depois de o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior ter possibilitado a passagem das universidades a fundações públicas.
O Governo não hesita, agora, em mercantilizar o Ensino Superior à luz dos contratos-programa de desenvolvimento. Através dos fundos regionais e das Comissões de Coordenação e de Desenvolvimento Regional (CCDR), as instituições privadas passam a pagar universidades e politécnicos.
Ao contrário do que o Governo propagandeia, esta medida não irá fortalecer “o papel das Instituições de Ensino Superior” no desenvolvimento das regiões onde se encontram, mas transformar as Universidades em meras instituições serventuárias dos poderes empresariais que venham a estabelecer-se nesta ou naquela região.
O Estado retira-se da sua função investidora e protectora, demite-se de financiar as universidades: pagará 1/3 do valor dos contratos-programa, deixando para instituições privadas os outros dois terços.
É grave tudo isto porque o que daqui se infere é que não haverá, a breve trecho, qualquer independência de universidades e politécnicos relativamente à produção de conhecimento. Os interesses privados irão ditar o fim de certos cursos considerados dispensáveis – as Humanidades e as Artes, obviamente.
Num quadro de formação de jovens que serão meros assalariados ao serviço das empresas privadas, que Ensino Superior será este, fiel a um só fim: o suposto lucro que certos cursos irão garantir? Que resposta deram o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos? Uma resposta tíbia, sem verdadeira indignação e sem denunciar o que essa decisão significa em termos de corrupção dum ideal de conhecimento e de Ensino verdadeiramente Superior.
Com efeito, o Governo, adepto do provinciano pensamento gestor, fascinado com as “últimas novidades” da digitalização e das tecnologias, no afã de estar sempre “up to date”, esquece-se, e em particular a Tutela, que não existe universidade digna desse nome quando ao conhecimento universal prefere o saber imediato.
O que é grave nisto tudo é o que não me tenho cansado de denunciar: a instauração definitiva de um modo de pensar e de agir que despreza as Humanidades e as Artes, nomeadamente a Literatura, a Filosofia, a História e a Música. Estas são as áreas do conhecimento em que as empresas privadas dificilmente irão apostar.
As Artes e as Letras estão do lado da inquietação, da sensibilidade e da erudição, do questionamento e da dúvida, isto é, de tudo o que é contrário à lógica instrumental, literal e maquinal das reformas educativas que cortam a direito em tudo o que exija tempo, ponderação, espera. E nesta época embrutecida, quem poderia esperar 20 anos para ver os resultados duma educação independente e culta?
Em Portugal governa-se para o já. O amanhã não existe. Os que viverão aqui em 2043 não contam. Mas daqui, de 2023, olhando para 2003, vemos bem o emburrecimento a que chegámos depois de 20 anos de políticas educativas erradas.
Sem as Humanidades, sem pensamento, sem independência, sem sensibilidade, que futuro? Quando o Deus-dinheiro tudo manda, o que é a Universidade?
Sugestão de Leitura:
Livro a necessitar de reedição urgente, estes ensaios de António Ramos Rosa vieram a lume em 1962 na prestigiosa colecção da Livraria Moraes Editora O Tempo e o Modo, onde igualmente se tinham publicado ensaios de Jorge de Sena e de Manuel Antunes.
Com textos escritos entre 1959 e 62, inicialmente publicados em suplementos literários e revistas da especialidade, o que é importante neste livro em 2023? Para além do que nos ensina quanto à poesia de autores como Casais Monteiro, Jorge de Sena, Alexandre O”Neill, Pedro Tamen, Herberto Helder e José Gomes Ferreira, Ramos Rosa tem nos ensaios A Poesia e o Humano, Poesia e Espontaneidade Criadora, O Poeta e o Homem Autêntico e Humano e ainda O Poema, sua génese e significação peças de enorme actualidade já pela denúncia dos totalitarismos e paternalismos que ameaçam a liberdade livre de que falou Rimbaud, já porque, analisando poesia, o poeta-crítico, mostra como contra a alienação a palavra imaginante é arma poderosa.
Professor, poeta e crítico literário.
DN
António Carlos Cortez
23 Agosto 2023 — 00:01
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 1 mês ago