365: Os sem-abrigo e o jogo do empurra

 

– Mas ainda existem ingénuos neste país que (palavra inventada) acreditam nas “patranhices” dos políticos? Todos eles, sem excepção, de uma ponta a outra do Parlamento?

🇵🇹 OPINIÃO

Recuámos tão atrás quanto os meios digitais nos permitem para analisarmos as declarações políticas sobre os sem-abrigo. Desde 2015 que a nossa busca se revelou profícua em afirmações de protagonistas políticos sobre a urgência de acabar com os sem-abrigo em Portugal.

António Costa, em 2015, então Presidente da Câmara de Lisboa, manifestava a necessidade de “devolver dignidade aos sem-abrigo”.

O tema foi estando presente, sucessivamente, na agenda mediática, com afirmações do socialista Vieira da Silva, então responsável máximo no ministério da Solidariedade, quando falava da “integração dos sem-abrigo na sociedade”.

Marcelo Rebelo de Sousa foi, mais tarde, o paladino deste combate no conveniente período natalício de 2018 quando afirmava que “estar em cima da realidade social dos sem-abrigo era muito importante”.

Pois bem! Vejamos então os resultados, actuais, desta sucessiva prosápia política.

Em 2018, números de Lisboa, havia 2473 cidadãos sem um tecto para dormirem. Em 2022, ainda na capital, existiam 3138. O número dos sem-abrigo em 2021, em todo o país, era de 9604, sendo que um terço “vive” em Lisboa.

A mesma Lisboa onde, em 2022, o número de pessoas sem-abrigo ascendia aos 394. Para constatar esta realidade basta, aliás, percorrer algumas ruas da cidade.

O orçamento dedicado ao assunto, apesar de ter aumentado ao longo dos anos, tem-se revelado, manifestamente, insuficiente. Em 2022, em Lisboa, foram gastos 5,7 milhões de euros com a protecção dos sem-abrigo. Em 2019 esse valor tinha sido de 1,6 milhões de euros, tendo ascendido aos 4,2 milhões de euros em 2021.

Com este panorama ficámos surpreendidos com a notícia da situação de braço de ferro que existe entre o Governo e a Câmara de Lisboa a propósito de necessidade de encontrar, em Lisboa, um espaço alternativo para albergar, provisoriamente, os sem-abrigo que vivem, actualmente, no Quartel de Santa Bárbara em Arroios.

Nesta velha unidade militar da GNR, em boa hora, vão ser construídos 240 fogos de renda acessível, pelo que o espaço deverá ser desocupado até 30 de Setembro.

Para o efeito, Carlos Moedas pediu ao Executivo de António Costa a cedência de um espaço que recebesse (repito, provisoriamente) os sem- abrigo do Quartel de Santa Bárbara. A resposta, sob a forma de um rotundo não, veio da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

Ó vida! Mas será que no dimensionado património imobiliário de Estado não haverá um espaço para receber (digo outra vez, provisoriamente) os sem-abrigo do Quartel de Santa Bárbara? Então Sra. ministra? Procurou bem?

A Sra. ministra acha mesmo que responder à Câmara de Lisboa “que a situação dos sem-abrigo é da responsabilidade das entidades locais” é uma resposta que se dê para uma questão desta gravidade?

É no mínimo lamentável que, para um assunto com esta sensibilidade social, não exista um patamar de entendimento entre a Câmara de Lisboa e o Governo.

Já sabemos que pactos de regime e plataformas de entendimento não é coisa que esteja no ADN dos partidos que nos representam. Mas caramba! Trata-se de dar um tecto a concidadãos nossos que dele necessitam.

Talvez não seja má ideia, então, a Sra. ministra Ana Mendes Godinho reler o discurso de tomada de posse do primeiro-ministro António Costa em Outubro de 2019, quando este prometeu uma “maioria de diálogo. De diálogo parlamentar, político e social”.

E, assim, colocar em prática este salutar princípio político que António Costa fez questão de escolher para o solene momento da sua tomada de posse.

Esta questão dos sem-abrigo é, deste modo, uma excelente oportunidade para materializar as promessas políticas do Governo e acabar com o jogo do empurra numa questão tão prioritária como dar um tecto a quem precisa dele.

DN
António Capinha
01 Setembro 2023 — 00:19


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364: E depois da dinastia Bongo?

 

🇵🇹 OPINIÃO

Há algumas dúvidas sobre a idade do novo homem-forte do Gabão, mas seja 48 anos, 49 ou até 50, é certo que o general Brice Olingui Nguema nunca conheceu um presidente do seu país que não fosse um Bongo, primeiro Omar e depois Ali, afastado agora do poder depois de uma vitória eleitoral denunciada como fraudulenta.

Apesar de toda a incerteza gerada pela acção do chefe da guarda presidencial, houve festejos da população, a maioria muito provavelmente desapontada com os resultados de 55 anos de dinastia Bongo, período tão longo que quase se confunde com a história do Gabão, independente de França desde 1960.

Não é caso único o Gabão como república dinástica. Os Assad estão no poder na Síria desde 1971, os Kim na Coreia do Norte desde 1945, uma sucessão que vai já num neto.

Também no Azerbaijão os Aliev governam desde 1993. E por estranho que pareça, dinastias políticas em repúblicas nem sequer são automaticamente sinónimo de ditaduras: na Índia, a maior democracia do mundo, Rahul Gandhi ainda hoje tenta chegar a primeiro-ministro, cargo que foi do pai, Rajiv, da avó, Indira, e do bisavô, Jawaharlal Nehru.

E os Estados Unidos já tiveram dois Adams presidentes, e também, não há muitos anos, dois Bush, mas em nenhuma das situações a Casa Branca passou de pai para filho directamente.

Num mundo em que reis e imperadores vão desaparecendo a ritmo acelerado, e em que raramente uma república volta a ser uma monarquia (Espanha é um caso excepcional), esta lógica das dinastias políticas não deixa de ser bizarra, mesmo que tenha sempre explicações, desde o convívio precoce com o ambiente político até o herdar de apoios que eram do pai, da mãe, do marido ou da mulher (sim, também existem os viúvos que se tornam líderes, como Sirimavo Bandaranaike no Sri Lanka, primeira primeira-ministra no mundo, ou o marido da assassinada Benazir Bhutto, que foi presidente do Paquistão).

Nas actuais monarquias, há algumas em que o papel do chefe de Estado é só simbólico, como no Reino Unido ou nos Países Baixos, um excepcionalismo baseado nos laços de sangue aceite pela maioria da população.

Também há monarquias, como em Marrocos, em que o rei tem um papel-chave para a estabilidade política e a coesão nacional, e, portanto, um poder que é bastante superior aos dos monarcas europeus.

E, claro, há monarquias como as do Golfo Pérsico onde os reis ainda mandam tanto como noutros séculos os congéneres mandavam um pouco por toda a Europa.

Portanto, por muito que se estranhe as dinastias, sobretudo as republicanas, o golpe contra Bongo tem de ser visto sobretudo no quadro da revolta contra uns resultados eleitorais falsificados, da fragilidade de um presidente que nunca recuperou totalmente de um AVC, e das desigualdades num país que é uma potência petrolífera, mas nunca se livrou da corrupção e tem visto a percentagem de pobres aumentar.

Que soluções tem, porém, o general Nguema para o Gabão? Pôr fim a uma dinastia não significa que tivesse de assumir a Presidência. E se o pretexto para derrubar Bongo foi o apego cego deste ao poder ao ponto de promover a falsificação eleitoral, então que papel vai ser atribuído ao candidato da Oposição, Albert Ondo Ossa?

Haverá novas eleições em breve? Com Nguema candidato ou cedendo o lugar aos civis?

Director adjunto do Diário de Notícias

DN
Leonídio Paulo Ferreira
01 Setembro 2023 — 00:02


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363: Bolsonaro, polícia e intestinos

 

🇧🇷 OPINIÃO

Ainda antes da posse como presidente da República, Jair Bolsonaro encarou um primeiro grande escândalo: a descoberta, durante investigação policial às contas de vereadores do Rio de Janeiro, de que o gabinete de Flávio Bolsonaro empregava funcionários-fantasmas, cujos salários caíam nos bolsos do primogénito. A prática, replicada nos gabinetes do pai e dos irmãos, gerou ganhos milionários.

Debaixo de fogo, Bolsonaro deu entrada logo na semana seguinte num hospital para se submeter a uma cirurgia para “retirada da bolsa de colostomia”, em decorrência, segundo o comunicado oficial da Presidência, da facada sofrida em campanha.

Quatro anos depois, já evacuado do Palácio da Alvorada, o agora ex-presidente é pivô de outro escândalo: a Presidência transformou-se num balcão de venda de joias, oferecidas por Governos do Médio Oriente ao Brasil, cujo lucro, em dinheiro vivo, cai nos bolsos de Bolsonaro. A prática, segundo especialistas em diamantes, gerou novos ganhos milionários.

Sob pressão, Bolsonaro internou-se num hospital de São Paulo “para exames, ainda decorrentes do atentado, no sistema digestivo, tráfego intestinal, aderências, hérnia abdominal e refluxo”, escreveu um assessor de imprensa, por acaso também convocado pela polícia a prestar depoimento sobre o caso das joias.

Bolsonaro sofre de Síndrome de Münchausen, a doença psiquiátrica em que o paciente, de forma deliberada e contínua, simula sintomas de doenças para desviar atenções? Ou é exagero encontrar relação entre as operações policiais e as operações intestinais?

Os factos respondem. Em setembro de 2019, queimadas da Amazónia colocaram Bolsonaro debaixo do fogo da opinião pública mundial; dias depois, lá entrava ele no hospital para correção de “hérnia” por culpa da facada.

Em setembro de 2020, a revista Crusoé noticiou que o operacional do caso dos funcionários-fantasma depositou cheques na conta de Michelle, à época primeira-dama. Nem os jornais haviam chegado às bancas e já Bolsonaro retirava “cálculo na bexiga” no hospital.

Em julho de 2021, bastou a CPI da Covid revelar que Bolsonaro recusara adquirir vacinas dos maiores laboratórios globais, mas aceitara comprá-las de um escritório de vão de escada, com suspeitas de corrupção no Governo, para o presidente, com soluços há 11 dias, ser internado para tratar de “obstrução intestinal”.

Em janeiro de 2022, um dilúvio na Bahia matou 25 brasileiros, mas Bolsonaro não se dignou a interromper as férias. Criticado por todos os lados, engasgou-se com um camarão, segundo assessores, e lá foi tratar de “nova obstrução intestinal”.

Em março de 2022, descobriu-se que o ministro da Educação, pastor evangélico, e mais dois pastores íntimos do presidente só soltavam verbas do ministério para prefeitos que aceitassem presenteá-los com barras de ouro. Por coincidência, a facada de três anos e meio antes voltou a fazer das suas e Bolsonaro foi parar ao hospital com “desconforto abdominal”.

Já este ano, na madrugada de 9 de janeiro, o ex-presidente foi internado no AdventHealth Celebration, em Orlando, para onde escapara para não entregar a faixa a Lula, com “dores abdominais”. O internamento ocorreu horas depois de ver acólitos seus invadirem e depredarem a Praça dos Três Poderes ao vivo nas TV do mundo todo.

Deliberado ou coincidência? Como costuma dizer Carlos Bolsonaro, o 02, nas redes sociais: “Tire as suas próprias conclusões.”

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
31 Agosto 2023 — 00:23


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362: Uma bizarria no meio da UE

 

🇵🇹 OPINIÃO

Durante mais de duas décadas, a contar a partir de 1981, o mapa da União Europeia, então chamada CEE, mostrava uma Grécia isolada dos restantes membros, o que durou mesmo depois das adesões de Portugal e Espanha em 1986, da Suécia, Finlândia e Áustria, em 1995, e até do grande alargamento a Leste em 2004, com dez novos países.

Passou finalmente a haver continuidade na UE quando a Roménia e a Bulgária entraram, em 2007, o que significou que foram 26 anos de bizarria geográfica. A Grécia, país de muitas ilhas, não é uma ilha.

Hoje, há outra bizarria geográfica no mapa da UE. Não falo da ausência da Noruega lá no ocidente escandinavo, nem da excepcionalidade da Suíça mesmo entre França e Alemanha, nem sequer do insular Reino Unido, pois estarem fora da construção europeia é opção desses países.

Falo sim dos Balcãs Ocidentais, ex-repúblicas jugoslavas, e ainda a Albânia, que ambicionam ser Estados-membros, mas não o são.

“Penso que os Balcãs Ocidentais já deviam estar na UE há algum tempo. Estão localizados geograficamente no meio da UE, rodeados por países do bloco, não estão fora da União Europeia.

Houve agora uma reunião em Atenas por ocasião do 20.º Aniversário da Cimeira da UE que decidiu que os países dos Balcãs deviam entrar na União num passo acelerado. Isso teve lugar há 20 anos e pouca coisa aconteceu desde então.

Nós ficaremos especialmente agradados com a entrada dos Balcãs Ocidentais, e penso que lhes deve ser dada a oportunidade de se moverem mais rapidamente, especialmente um país como a Macedónia do Norte, que já demonstrou um empenho verdadeiramente forte, assim como os outros países.

Acho que os Balcãs Ocidentais devem ser tratados como um projecto separado e que lhes deve ser dada prioridade e, só depois, ser considerado um maior alargamento”, declarou o antigo presidente esloveno Danilo Türk em entrevista ao DN.

Se pensarmos que a Eslovénia foi, em 2004, o primeiro país oriundo da Jugoslávia a entrar na UE e que, como tal, ajudou à sua prosperidade e, sobretudo, à consolidação da democracia, esta opinião de Türk, um diplomata muito ligado à ONU e até ex-candidato a seu secretário-geral, ganha especial relevo. A integração na UE é uma vantagem para cada novo Estado individualmente e uma vantagem para o continente na hora de defender a paz.

Claro que há critérios a ser cumpridos, mas uma entrada dos Balcãs Ocidentais na UE seria certamente uma ajuda para que tensões como as que opõem a Sérvia ao Kosovo ou, entre si, as entidades que constituem a Bósnia-Herzegovina se mantivessem dentro do razoável, até porque com a invasão da Ucrânia pela Rússia a durar desde o inverno de 2022 a Europa não quer ter de lidar com mais conflitos.

Estive no início deste verão na Sérvia. É evidente que grande parte da população ambiciona fazer parte da família europeia, não só pelas promessas de um futuro melhor, mas também para ultrapassar os fantasmas do passado, tão presentes nos Balcãs. E por vocação civilizacional, acrescente-se, com destaque no caso dos sérvios.

Manter as portas fechadas a estes países, por muito que de repente seja importante debater o trio Ucrânia-Moldávia-Geórgia, só serve para debilitar o campo europeísta e gerar ressentimento contra a UE.

Olhemos, para aprender a lição, para o que se passou com a Turquia, apesar das diferenças nos processos de candidatura.

Director adjunto do Diário de Notícias

DN
Leonídio Paulo Ferreira
31 Agosto 2023 — 00:02


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361: O preconceito aceite e permitido

 

“… Qualquer pessoa com 50 anos já é para a sociedade, e para o mercado de trabalho sem cunhas, alguém descartável e que não serve. É hoje bastante visível o desprezo como as camadas mais velhas da população são tratadas nos serviços públicos, como são tratadas nos transportes, como são tratadas nos restaurantes, como são tratadas até pelos próprios filhos e netos. Há um total desprezo e preconceito da sociedade portuguesa perante os nossos velhos.

Verdade nua e crua, não só de agora, mas de há muitos anos atrás. Bravo!!!

🇵🇹 OPINIÃO

Todos os preconceitos são inaceitáveis. Pelo simples facto que magoam alguém. E isso é razão suficiente para que nenhum preconceito seja aceite. Todos temos preconceitos e quem diz o contrário está a mentir.

Até porque muitos deles são irracionais. Cabe a cada um de nós puxar pela racionalidade e reprimir ideias feitas e injustas sobre grupos de pessoas.

E temos evoluído, nem sempre à velocidade que desejaríamos, no sentido de reduzir manifestações de preconceito, bem como a opinião pública tem evoluído no sentido de condenar cada vez mais qualquer manifestação de preconceitos. Ou melhor, de alguns dos preconceitos que se têm instituído como mais inaceitáveis.

O problema é que há preconceitos, cada vez mais banalizados, que não têm a mesma atenção. E há um deles que está a crescer, que se tem institucionalizado e de que ninguém fala: o idadismo.

O preconceito contra as pessoas mais velhas, sobretudo num país como Portugal, bastante envelhecido, é uma das maiores chagas da nossa sociedade.

E não é necessário ser septuagenário ou octogenário. Qualquer pessoa com 50 anos já é para a sociedade, e para o mercado de trabalho sem cunhas, alguém descartável e que não serve.

É algo bastante grave que se tem acentuado na mesma proporção de que ser-se jovem é automaticamente sinónimo de todas as qualidades e méritos.

A linguagem das entidades oficiais também não tem ajudado. Há uma preocupação grande com as dificuldades dos mais jovens, seja na habitação, seja para encontrar um primeiro emprego, seja nos baixos salários.

E são preocupações justas. O problema é que não se vê a mesma atenção das entidades oficiais com a larga maioria da população, que é mais velha, que não tem voz.

É hoje bastante visível o desprezo como as camadas mais velhas da população são tratadas nos serviços públicos, como são tratadas nos transportes, como são tratadas nos restaurantes, como são tratadas até pelos próprios filhos e netos. Há um total desprezo e preconceito da sociedade portuguesa perante os nossos velhos.

Claro que com estes casos não se gastam horas e horas de debates nos canais de informação. Não há uma página de jornal sobre o tema. Não é um preconceito que tenha a visibilidade do racismo, da xenofobia, da homofobia ou da misoginia. Mas mata.

Não é por acaso que este preconceito é o causador do isolamento cada vez maior dos nossos mais velhos. Não é por acaso que aceitamos como correcto despejar octogenários em lares até ao fim das suas vidas.

Também grave é que o idadismo está a provocar uma divisão na sociedade. Em que pessoas de gerações distantes já mal conseguem comunicar entre si. Em que uns e outros, não se entendendo, vivem numa guerra surda. E isto causa problemas bem mais graves do que ter uma sociedade envelhecida.

Até porque é muito possível, tenhamos nós governantes à altura, aproveitar a experiência e o saber dos mais velhos para desenvolver o país. A sociedade que tem de saber adaptar-se à nova realidade.

Infelizmente, nem os governos estão a saber lidar com uma população envelhecida, como ainda por cima o preconceito perante os mais velhos tem crescido sem que ninguém os defenda.

Presidente do movimento Partido Democrata Europeu
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

DN
Tiago Matos Gomes
30 Agosto 2023 — 22:54


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360: A lição vinda do nata

 

🇵🇹 OPINIÃO

Não resisto ao apelo do Café de Nata situado na zona de South Kensington, que sei ser uma das várias lojas que a marca tem em Londres. Além do nome, são múltiplas as referências a Portugal na decoração, de Amália a Pessoa, do Galo de Barcelos ao eléctrico amarelo lisboeta.

E sem dúvida de que comi um belo pastel de nata, certamente bem melhor do que alguns que já provei em cafés de Lisboa.

Encontrar pastéis de nata à venda mundo fora, seja nos supermercados de países onde a comunidade portuguesa é grande ou em restaurantes com pretensões de mostrar o melhor da gastronomia nacional, deixou de ser novidade.

E não faltam artigos de jornal a contar o sucesso deste exemplo da doçaria portuguesa, capaz de cativar em Londres, Nova Iorque, Varsóvia ou até em Tóquio (no Japão, o sucesso do pastel de nata até terá sido facilitado pela fama do castela, bolo de inspiração portuguesa feito naquelas terras desde há meio milénio).

Mas nem sempre foi assim, e houve até uma era em que, como me aconteceu em Macau, comi uma egg tart, de aspecto parecido ao pastel de nata, mas sabor muito aquém. Não é fácil conseguir o equilíbrio perfeito entre aquela massa folhada e o creme delicioso.

Ora, se falamos em eras, então, em relação ao pastel de nata, há um antes e um depois de uma intervenção de Álvaro Santos Pereira, em Janeiro de 2012, em Lisboa, quando era ministro da Economia. A conferência chamava-se Made in Portugal e a organização era do DN.

E recordo-me perfeitamente da risada que se ouviu no Tivoli-Jardim quando, para falar da necessidade de internacionalizar os produtos portugueses, o ministro deu o exemplo do pastel de nata, produto de grande potencial.

Santos Pereira doutorou-se em Economia numa universidade canadiana e desde cedo foi um emigrante, não o típico trabalhador braçal, mas aquele de tipo intelectual que noutras épocas diríamos um estrangeirado.

Provavelmente quando visitava Lisboa não deixava de se surpreender pelas filas de turistas à porta dos Pastéis de Belém, os mais famosos dos pastéis de nata, fruto de segredos conventuais de séculos passados. E viu aquilo que nós todos víamos, mas não soubemos interpretar como ele.

Ali estava algo para Portugal vender ao mundo, ainda por cima o país que com os Descobrimentos mudou a forma de a humanidade comer e deixou legado, e falo só dos doces, como o tal castela (ou kasutera) em Nagasaki, o rasogolla e o sandesh em Calcutá e no Bangladesh ou o foy tong na Tailândia.

Como ministro, Santos Pereira não foi bem-sucedido e não por culpa do elogio do pastel de nata. Era o terrível tempo da troika. Depois foi para a OCDE, onde se tornou economista-chefe.

Mais do que sublinhar ele ter tido razão antes de tempo, e teve, é importante aprender a lição do que significou aquele riso de parte da classe empresarial e as declaração políticas jocosas nos dias seguintes, destacadas nos jornais.

Até se criticou o ministro por falar supostamente do óbvio, de que qualquer café de emigrantes portugueses tinha pastel de nata, quando o que se pretendia era ir além do mercado da saudade.

Em Londres até há muitos portugueses, mas quem vi a deliciar-se no Café de Nata era de várias geografias.

Santos Pereira deu-nos uma lição a todos. Não devíamos esquecer que por vezes as boas ideias são as mais simples.

Tão simples – e tão tentadoras de imitar no sucesso quando ele finalmente acontece – que agora quando viajamos e vemos aqui e acolá imitações mal conseguidas do nosso nata já podemos perceber o que indigna os italianos quando viajam e vêem por todo o lado a sua gastronomia, ou antes, algo que diz ser comida típica italiana.

Director adjunto do Diário de Notícias

DN
Leonídio Paulo Ferreira
29 Agosto 2023 — 00:02


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359: Melancolia de fim de férias

 

🇵🇹 OPINIÃO

Somos crianças feitas
para grandes férias.
Ruy Belo

O tempo ameaça chuva, as noites estão frias e húmidas, sabemos entender estes sinais que nos mandam dizer adeus às férias.

A melancolia desta época atravessa todas as conjunturas da nossa vida, independentemente do que nos espera ao regressar à vida normal.

Nunca me custou propriamente voltar ao posto no estrangeiro ou ao gabinete em Lisboa que me esperava, pois no tempo em que eu estava em funções sentia no início do ano lectivo (sempre contei os anos em anos lectivos) aquele mesmo entusiasmo pela novidade que na escola me fazia cobiçar em cada regresso às aulas os novos livros de estudo.

Podia agora na volta encontrar dificuldades e incompreensões, atritos e vexames, intrigas e derrotas: apesar de tudo isso, que é o fardo de qualquer ser humano em sociedade, não perdi nunca o entusiasmo por esta ideia de recomeçar, de poder encontrar o novo (le vierge, le vivace et le bel aujourd”hui, Mallarmé) nas tarefas e encontros de cada dia do ano de trabalho que começava.

Confessar que gosto da minha profissão, agora que estou na disponibilidade, parecerá estranho a todos os que se queixam, com razão, das condições do seu trabalho.

Não posso negar que se vem juntar a esta melancolia do fim das férias a saudade do tempo em que às férias se seguia a viagem, mais ou menos longa, para o posto, fosse Paris ou Nova Deli.

Agora regresso a casa em Lisboa e preparo-me para alguns compromissos assumidos para este trimestre. Tenho de admitir que já não espero o novo com aquele entusiasmo com que abria os livros escolares no princípio de cada ano.

Envelhecer é sempre reduzir expectativa e a resistência ao envelhecimento está numa programação activa das nossas capacidades e possibilidades, que possa manter vivas as nossas esperanças.

A melancolia do fim de férias é a tradução da angústia da irreversibilidade do tempo que passa. Para quem há quase quarenta anos vem para a mesma praia, há uma ilusão anual de negação do tempo, onde todos os tempos são um só e vivem e revivem no mesmo momento.

A criança que levamos pela mão já não é a filha, é agora a neta, mas o caminho é o mesmo e toda a realidade que nos cerca grita que somos eternos.

Não somos. Mas ao desfazer-se no fim das férias esta ilusão de eternidade assalta-nos a melancolia de voltar a um tempo medido e cronometrado, que mais nos aproxima do nosso fim.

Também nos persegue um resto de culpabilidade, porque embora as férias devessem ser a libertação de todas as nossas obrigações, a verdade é que tudo o que projectei escrever e não escrevi, todos os livros que trouxe para ler e não li, me pesam na consciência.

A melancolia do que não fizemos nas férias tenta então sobrepor-se a todas as grandes e banais memórias de alegria de que estes dias foram feitos e que vieram conferir a estas férias a sua promessa implícita de felicidade.

Os que amam a Beleza/ não têm bem-estar nem família, proclamava Mário de Sá Carneiro.

Talvez a Beleza e a Poesia tenham fugido de mim, ao ver-me no meio deste reencontro familiar, que cada ano se repete, numa ilusória denegação da finitude. Ou talvez a preguiça, que cresce com a idade, tenha acreditado assentar de vez arraiais.

O custo da separação (uns para Viena, outros para Paris e Bruxelas, dos quatro só uma filha em Portugal) virá dar alimento novo à melancolia. A solidão da escrita irá medir forças com a sedução da preguiça. E assim continuamos e continuaremos.

Diplomata e escritor

DN
Luís Castro Mendes
29 Agosto 2023 — 00:35


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358: O jogo das cadeiras

 

– De todos os putativos nomes abaixo mencionados, para exercerem a próxima  Presidência da República Portuguesa, apenas o nome do Almirante Gouveia e Melo será o mais indicado em todos os aspectos. Os restantes nomes são tralha política gasta, sem qualquer valor para assumir esse cargo.

🇵🇹 OPINIÃO

Ganha o jogo quem ficar sentado no final. A cada ronda, há sempre menos uma cadeira. E há sempre um candidato eliminado. O jogador que fica de pé e não consegue, a tempo, um lugar na cadeira, acaba eliminado.

Ao falar do tema das presidenciais e ao assumir, finalmente, que pode ser candidato a Belém, Marques Mendes sabe exactamente o que está a fazer.

Faltam dois anos e meio e, nestas coisas de candidaturas a Belém, os tabus não são bons conselheiros. Desta vez, a Direita deveria fazer uma espécie de primárias, que não existem em Portugal.

Ou, então, um jogo das cadeiras. Se houve alturas na história em que, na área de não esquerda, eram escassos os presidenciáveis, este é um momento em que acontece exactamente o contrário.

Marques Mendes, Durão Barroso, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Pedro Santana Lopes são os putativos candidatos, uma mão-cheia de possibilidades para quem não quer votar nas várias esquerdas.

Mendes parte à frente e com vantagem – quando chegar a eleição, estará há mais de uma década no horário nobre, aos domingos (quando é que já vimos isto e o que aconteceu ao outro senhor que esteve mais de uma década no horário nobre aos domingos), com uma legião de seguidores cujas audiências demonstram que são fiéis.

Aliás, a putativa candidatura de Marques Mendes é o segredo mais mal guardado da política portuguesa. Na universidade de verão, ao assumir pela primeira vez que essa candidatura pode acontecer, Mendes deu o tiro de partida.

Pode ser um tema, como diria António Costa, que “não interessa” aos portugueses. Mas decerto que é um tema que não vai sair da actualidade. Marques Mendes tomou a iniciativa e com isso obriga os outros potenciais candidatos a saírem da toca ou, em alternativa, a criarem tabus.

Não seria um mau exercício de cidadania e de experiência social se a Direita fizesse mesmo umas primárias para as próximas presidenciais..

Não seria um mau exercício de cidadania e de experiência social se a Direita fizesse mesmo umas primárias para as próximas presidenciais. Claro que os proto-candidatos vão deixar que esse trabalho de eliminação e de probabilidades de eleição acabe por ser feito pelas sondagens e pelas indicações que forem dando.

Mas seria clarificador se, todos os que pensaram em ser candidatos, se assumissem e, depois disso, que se sujeitassem a um escrutínio prévio dos cidadãos. Não o farão, mas era uma forma interessante e clara de encontrar um candidato. Como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos.

Talvez Durão Barroso não esteja para se maçar com uma candidatura; talvez Pedro Passos Coelho não tenha nem vontade, nem perfil para Belém, embora muitos gostassem de o ver lá.

Talvez Portas chegue à conclusão de que não ganharia essa eleição e talvez Pedro Santana Lopes, apesar da vontade e do desejo, entenda que é uma batalha que já não vale a pena travar.

E, se todos estes talvez se conjugarem, Marques Mendes está sozinho na pista. E cedo, bem cedo.

Faltam dois anos e meio para as eleições presidenciais e o mandato de Marcelo caminha para o fim. Como nos últimos seis meses está impedido de utilizar o poder de dissolução, a relevância política do actual presidente termina daqui a dois anos.

Que país vamos ter daqui a dois anos? Que abertura haverá da sociedade para pensar em quem pode vir a ser o próximo presidente? Como se vai mover o jogo de bastidores entre os cinco possíveis candidatos à direita?

E, já agora, que repercussões pode este tema ter à Esquerda, com as candidaturas já pré-admitidas de Gouveia e Melo e Augusto Santos Silva? E, depois de duas décadas de presidentes de direita, há ainda espaço para um presidente desta área política?

Sem ser grande novidade nem particularmente afirmativa, a disponibilidade de Marques Mendes fez levantar todas estas questões. Está aberto o jogo das cadeiras. Mas, já se disse, no final, só há lugar para um. O que fica com a última cadeira.

Jornalista

DN
Pedro Cruz
29 Agosto 2023 — 00:17


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António Victorino d’Almeida: “Eu sou Esquerda, mas agora já não sei onde está. Estamos a viver um período de… canhotismo”

 

– Fã deste senhor desde há décadas.

🇵🇹 MÚSICA // 🎶 MAESTRO VICTORINO

10 perguntas à queima-roupa, 10 respostas na ponta da língua. Nesta rubrica, o DN desafia personalidades a comentar assuntos quentes do país e do verão. Hoje é a vez deste compositor, pianista e maestro português.

Estado da Cultura?
Ora bem, Portugal ainda tem uma grande e secular cultura, e essa cultura secular felizmente é imune a percevejos, imune a tudo o que sejam vírus e bicharocos desagradáveis e tal. E, portanto, eu insisto sempre em dizer que nasci num país que tem uma grande cultura, e tem. Se se refere ao estado de uma coisa a que chamam cultura, actualmente, eu não tenho nada a dizer, porque é a mesma coisa que fazer um comentário sobre uma formiga, pronto, é uma formiga, anda ali.

Peça Musical que goste muito e a que volte sempre.
Isso há muitas, muitas. É que eu não lhe queria mentir. Eu podia inventar aqui uma e dizer-lhe a Valsa de Ravel, ou o Dáfnis e Coelho de Ravel, ou sei lá, mas assim é um bocado complicado. Sendo honesto a responder, é consoante as situações. Tem havido ultimamente situações em que eu tenho ouvido muito Bach e Jacques Brel, por exemplo. Portanto, ouço de tudo, consoante a situação em que estou. Agora, dizer-lhe realmente que há uma música que é a minha preferida, não. Estava a mentir descaradamente.

© Paulo Alexandrino / Global Imagens

Música pimba.
Não tenho nada contra a música pimba. Também tem a sua organização, mas não me importa. Até acho piada ao Quim Barreiros. Se me perguntasse se eu ouço, isso é outra história. Mas posso ouvir em condições específicas. Acho que num Arraial, no Minho, está tudo certo. Não há nenhuma razão para não se pôr música pimba. E já agora que ponham boa, porque há boa, dentro do estilo: há o bom, há o mau e há o péssimo.

Esquerda ou Direita?
Eu sou Esquerda. Agora já não sei onde é que ela está, portanto, não sei. Tanto é que nós estamos a viver um período de… a palavra não existe, mas de canhotismo,. Não se percebe nada. E quando se quer perceber, é pior.

© Paulo Alexandrino / Global Imagens

Um desígnio para Portugal?
Ter uma capital. Todos os países têm, por que é que Portugal não há de ter? Porque Lisboa não é uma capital, não é. Não é agora. Lisboa não tem comparação com qualquer outra capital europeia que eu conheço. Não tem ópera. Tem um concertozeco por semana lá na Gulbenkian. Mas é uma cidade sem concertos, sem ópera, sem museus. Não me venha cá convencer de que o Museu Gulbenkian é um museu. É um museuzinho, é uma coisinha, que ali está. Mas o que são 20 ou 30 quadros?. Há um, não sei como é que chama, de arte contemporânea, que tem espaços de três metros entre cada quadro, que é para preencher o espaço. É impossível. Vamos depois para outras coisas. As pessoas não lêem. Não lêem. Acabou-se. O que é que há em Lisboa em termos culturais? Porque uma capital tem de ser a capital da cultura. E esta capital não cumpre. Não cumpre minimamente. Chega-se à noite e se eu quero ir a um sítio… Queria ouvir jazz e não há.

Uma viagem que o marcou?
Foram duas, a Roma. Uma foi com a minha filha: ia lá tocar com a orquestra dela – eram miúdos da escola dela e eu levei a minha mulher e o meu pai. E foi uma viagem em que eu não fui trabalhar, o que era uma coisa raríssima, quase caso único. E foi o caso do convite de um amigo de Elvas, o Luís Zagalo. E a verdade é que eu conheci o Papa. Quando digo Papa, é este Papa. E realmente é uma figura incrível, fascinante, de facto. É um revolucionário. É um revolucionário que está dentro de um Exército. Obviamente tem de respeitar X regras desse Exército, porque senão põe-no fora e deixa de ter força. É apenas alguém a pregar no deserto. Assim, como é Papa, as coisas que ele diz, eles não gostam de ouvir, mas têm de as ouvir.

© Paulo Alexandrino / Global Imagens

Novos talentos na Música.
Isso aí é uma maravilha. Portugal tem tanto jovem músico com talento. Absolutamente extraordinários. E muitos, e muitos. Há um amigo meu que está a fazer um programa que organiza coisas. O Miguel Leite, que organiza, quando pode, concertos em vários sítios e, em Valença, tem lá levado jovens músicos portugueses, com uma qualidade incrível: pianistas, flautistas, harpistas…

E noutros estilos?
Já não se passa o mesmo – e é pena, porque eu sou a favor de vários estilos de música, de várias espécies de música – na música pop, que está nas ruas da amargura, e faz falta. E depois dizem que não gosto de música pop. Não, desculpe, eu não gosto é de má música. E coisas em que estão apenas ali uns sujeitos, a ganir, claramente. Sempre a mesma nota, sempre no mesmo tom… E as pessoas a sentirem-se obrigadas a dar saltinhos. Porque parece mal se não derem pulinhos…

© Paulo Alexandrino / Global Imagens

Sonho por cumprir?
Tenho muitos. A vida não muda de estatuto pelo facto de os anos passarem. Por exemplo, eu não ouvi 80% da música que escrevi. Tem-se tocado muita coisa minha, mas eu escrevi antes muito mais. Por exemplo, a minha primeira ópera. Acabei de escrever agora uma ópera. Aos 83 anos, por acaso, não é assim uma coisa de muito juízo, mas encomendaram-me uma ópera e eu aceitei – escrevi a ópera e penso que vai ser feita em Dezembro: é uma coisa sobre a Constituição da República. É assim um bocado romanceado, como é a ópera. Mas a minha primeira ópera, sobre o Camões, eu estou à espera há 51 anos

O que é o melhor da vida?
O melhor da vida é poder-se gostar dela. E isso é uma coisa que está a ser infamemente recusada às pessoas. Eles chegam pela televisão, até já cheguei a contar, em 20 segundos eles utilizam 10 vezes a palavra jovem. É demais, a que propósito. As pessoas novas fazem parte da vida, como as velhas, como as do meio, como as crianças, todas fazem parte da vida.

© Paulo Alexandrino / Global Imagens

DN
Maria João Martins
26 Agosto 2023 — 00:10


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 4 semanas ago

 

 

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356: Da espingarda ao satélite

 

🇵🇹 OPINIÃO

Recordo-me de ler um dia uma entrevista ao historiador João Paulo Oliveira e Costa e este dizer: “Vou ao Japão e vejo estátuas aos portugueses desde Tanegashima até Quioto.”

Se Quioto é referida por ser a tradicional capital japonesa (Tóquio só recebeu o imperador em 1868), já Tanegashima surge pela sua localização no extremo sul do arquipélago, mas também por causa do extraordinário contacto de civilizações que ali aconteceu em 1543.

Esqueça o veneziano Marco Polo e o tangerino Ibn Batuta, grandes exploradores dos séculos XIII e XIV, respectivamente. Ambos foram até à China, à qual Polo chamou de Cataio.

Mas ninguém antes dos portugueses (há vários nomes possíveis para os pioneiros, até Fernão Mendes Pinto) foi à terra que o mercador veneziano, tendo dela ouvido falar, chamou de Cipango. Chegados como mercadores, os portugueses foram os primeiros europeus a pôr pé no Japão e isso mudou o país.

Não é por acaso que Tanegashima ganhou o epíteto de ilha das espingardas, uma das novidades tecnológicas que os portugueses levaram aos japoneses e que estes, mostrando notável génio, não se limitaram a copiar, aperfeiçoando-as.

Vítor Sereno, embaixador de Portugal em Tóquio, publicou há dias no Facebook uma fotografia sua em Tanegashima a propósito da visita que fez para assinalar os 480 anos dessa descoberta mútua.

Uma outra foto, também no Facebook da embaixada, mostra o nosso diplomata a visitar a Jaxa, a agência espacial japonesa, cujo principal centro é ali na ilha.

Se pensarmos que há menos de 500 anos os portugueses levaram a Tanegashima o primeiro exemplo de técnica moderna e hoje ali está o símbolo do mais avançado que a tecnologia japonesa é capaz de fazer, nomeadamente ao nível de desenvolvimento de satélites, é impossível não imaginar que uma indescritível, mas fascinante, correia de acontecimentos sucedeu entre 1543 e 2023.

As tais estátuas de que falava um dos nossos historiadores que melhor conhece a presença portuguesa no Japão são a prova de que no arquipélago é valorizado o legado vindo do pequeno país do extremo ocidental da Europa.

Claro que a primeira influência científica no Japão foi a chinesa, também os holandeses tiveram um papel importante durante os 200 anos que o arquipélago se fechou ao mundo (reacção ao sucesso do cristianismo levado pelos missionários portugueses) e, por fim, toda a Europa e os Estados Unidos inspiraram os japoneses no seu processo de modernização a partir de meados do século XIX, mas o contributo português, por pequeno que seja, é indesmentível. Luís de Almeida, cirurgião e, mais tarde, missionário jesuíta, foi o primeiro a praticar a medicina ocidental no Japão, onde abriu um hospital.

Um dia, num artigo na revista Science, o agora imperador emérito Akihito, também fez referência ao contributo português, que durou até à expulsão em meados do século XVII.

Numa entrevista ao DN já este verão, Vítor Sereno mostrou-se convicto de que a permanente atracção dos japoneses por Portugal, onde instalaram ao longo dos anos várias empresas, não é já só pela história e até se encontra num momento em que se pode concretizar em mais comércio e mais investimentos, pois, por exemplo, “há um interesse claro por parte dos empresários japoneses em projectos relacionados com energias renováveis”.

Também no Facebook, ontem, data dos 480 anos da chegada dos portugueses ao Japão, o embaixador Makoto Ota lembrou o dia 25 de Agosto de 1543 e afirmou que, “nesse momento, ambos os povos deram início a um período de profícuas trocas comerciais e culturais, cujas influências têm perdurado, positivamente, até aos dias de hoje”.

Que a terceira maior economia mundial – pátria de gigantes tecnológicos com a Toyota, a Mitsubishi, a Mitsui ou a Sony – veja Portugal como um país das oportunidades é excelente, ainda mais se o interesse se centrar nos sectores mais avançados.

E ficamos assim tanto a ganhar, afinal o Japão é o terceiro país que anualmente mais patentes científicas regista, só atrás da China e dos Estados Unidos, mas com muito menos população e sobretudo com um território muito mais pequeno, o que significa que o milagre japonês, lá longe, continua.

Director adjunto do Diário de Notícias

DN
Leonídio Paulo Ferreira
26 Agosto 2023 — 00:02


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 4 semanas ago

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