51: Dizer a verdade ao doente

 

🇵🇹 OPINIÃO

Se a conversa política pudesse ser medida como o vento, dir-se-ia que vem aí furacão. As mensagens, ou soundbites, como é chique chamar-lhes, rugem como fogo para atordoar o adversário e exacerbar as diferenças.

Em debate, cada oponente arremessa a sua disparidade de critérios, e os chavões ensaiados ficam a flutuar como revólveres fumegantes, no intervalo entre um telejornal e o do dia seguinte, enquanto o trovejar abafa qualquer possibilidade de escuta.

Dramatizar, é claro, entretém, diverte e parece que dá audiências, ainda que a vizinhança, que aproveitou o 1.º de Maio para mondar a horta e plantar tomateiros, já manifeste fastio por tais telenovelas.

No ar, esvoaçam boas e más notícias, sendo certo que os mensageiros são treinados para escolher aquelas em que é o homem que morde o cão.

Quantos às boas, as últimas estimativas do INE revelam que Portugal, para além de ser o país que mais cresceu (2,5%) na zona euro face ao trimestre anterior, registou também o terceiro maior crescimento (1,6%) do PIB em termos homólogos — um desempenho positivo, que se deve sobretudo ao aumento significativo das exportações, que registaram um aumento nominal de 13,3%, face ao mesmo período de 2022.

Acresce que a inflação está a descer pelo sexto mês consecutivo, recuando agora para 5,7%, e que o desemprego registado em Março (306.157 pessoas) foi o valor mais baixo dos últimos 30 anos, quando comparado com outros meses de Março.

Consoladores, os indicadores macroeconómicos rapidamente serão incorporados na cartilha da maioria parlamentar e, como se vê, de boas notícias nem estamos mal.

Isto, no dia em que entram em vigor novas leis laborais, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, um dos pilares do programa eleitoral que há um ano deu maioria absoluta ao PS para governar.

Há indicadores económicos positivos, sim, mas descendo do altar dos números gordos para o mundo real onde a economia tem rosto, a má notícia é que os salários estão a perder terreno.

Acontece que, descendo do altar dos números gordos para o mundo real onde a economia tem rosto, a má notícia é que os salários perdem terreno e, a consolidar-se esta tendência, vai agravar-se a estrutura de desigualdades em Portugal, onde mais de um em cada 10 não ganham o suficiente para sair da pobreza.

O mais recente estudo sobre a evolução dos salários da OCDE confirma a forte queda do poder de compra dos portugueses no último ano, em média superior a 3,5%, a mais notável queda do poder de compra num único ano desde a crise de 2008.

Esta desvalorização salarial encoberta — que significa também desvalorização do trabalho — faz recair sobre as famílias a maior fatia dos custos da inflação, tendo em conta a evolução dos lucros empresariais.

Custos, aliás, que se somam também aos que resultam do agravamento das taxas de juro sobre as hipotecas para habitação.

É urgente, pois, mobilizar todos os recursos públicos disponíveis para inverter o empobrecimento e diminuir as desigualdades, o que implica aumentar os salários de quem trabalha por conta de outrem.

Os acordos colectivos registados nos últimos meses não permitem prever uma recuperação imediata, pois ainda estão abaixo da inflação.

Por outras palavras: se a tendência actual continuar, os salários não apenas não recuperarão o terreno perdido, como continuarão a perder poder de compra, o que faz prever um agravamento significativo da conflitualidade social.

Os dados estão aí, e desenham um panorama inquietante que requer acção política decisiva e de choque, antes que seja tarde de mais.

Antigamente não era costume transmitir aos enfermos a gravidade dos seus males. Evitavam-se as piores palavras, e a morte na ignorância era preferida à agonia consciente.

Foi tempo. Hoje, acredito que todos preferimos a crueza, a verdade. E o diagnóstico que enfrentamos não dará descanso ao governo, que faria bem em escutá-lo.

Jornalista

D.N.
Afonso Camões
02 Maio 2023 — 00:25


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48: Os cães ladram e a caravana passa

 

🇵🇹 OPINIÃO

Nunca, como agora, senti que este ditado popular de origem árabe se ajustasse tanto à realidade nacional. Passar os olhos pelas capas dos jornais, ouvir os alinhamentos dos noticiários televisivos e da rádio ou espreitar alguns dos sites de notícias transporta-nos para uma espécie de histeria, como se, num jardim zoológico, tivessem soltado todas as feras e anunciado o fim do mundo.

Mas depois, arrumamos o jornal, desligamos o computador ou a televisão, calamos a rádio e damos de frente com o país verdadeiro, a viver e a trabalhar com normalidade numa economia que, soubemos esta semana, é a que cresce mais na Europa.

Nesta normalidade, há problemas que são os mesmos do Reino Unido, da França, da Itália ou da Espanha. E os outros. Razão pela qual, como diz o ditado, apesar dos latidos caninos, a caravana não pode parar.

Tem de andar para a frente, algo que suspeito não estar nos propósitos, pelo menos imediatos, de muitos daqueles que querem abertas as grades do zoo.

Dois exemplos. Na sessão da Assembleia da República em que discursou o presidente do Brasil, assistimos à performance de uma espécie de grupo parlamentar de uma espécie partido que nasceu em torno de uma espécie de líder e que resolveu ofender um chefe de Estado que visitava Portugal a convite do nosso Presidente da República.

A cena foi abjecta: um grupelho, que Miguel de Sousa Tavares, no seu podcast, adjectivou de “feios, arruaceiros e maus”, de cartaz em punho, a faltar ao respeito ao país, na Casa da Democracia, em directo, a cores e em pleno dia 25 de Abril.

A caravana do crescimento vai passando, porque, por muito que as agendas ocultas – com rabo de fora – não gostem, faz aquilo que há a fazer, acrescentando valor e apontando à prosperidade.

Num segundo caso, um adjunto do Ministério das Infra-estruturas resolveu ter protagonismo e transformar umas notas, que terá alegadamente rabiscado durante uma reunião com a CEO da TAP, em documento oficial crítico, merecedor de divulgação pública.

Não há memória de algo semelhante. Na dinâmica do episódio, o dito adjunto terá feito uma incursão à Rambo, para se apossar do computador que, bem se vê, não era seu. Gerou uma ruidosa onda noticiosa. Li num jornal o seu percurso.

Está lá tudo: trajecto pelos gabinetes, formações académicas salteadas, onde não falta o “inconseguimento” da moda – o doutoramento por concluir -, e o ziguezague político-partidário. Uma espécie que popula os gabinetes políticos, cujo curriculum inspira pouca confiança.

Com os cães a ladrar, o que faz o país real? A resposta é quase irónica: cresce. Saímos à rua e vemos as pessoas a trabalhar, a consumir, a sorrir, os estudantes a entrar e sair das escolas com a alegria de sempre, as empresas a laborar, a facturar e a exportar, os restaurantes sem lugar à sexta, ao sábado e até à quinta, enfim, toda uma normalidade que contrasta com a catástrofe anunciada pelos interesses que não são do país.

A caravana do crescimento vai passando, porque, por muito que as agendas ocultas – com rabo de fora – não gostem, faz aquilo que há a fazer, acrescentando valor e apontando à prosperidade.

A medida do desempenho da caravana foi estes dias apresentada pelo INE. A inflação voltou a recuar em Abril, cifrando-se agora nos 5,7%, quando em Março era de 7,4%.

É o sexto mês consecutivo de descida em Portugal. A economia, no primeiro trimestre deste ano, surpreendeu pela positiva, com um crescimento do PIB muito acima do esperado.

Avançou 1,6% face ao trimestre anterior, e 2,5% face ao trimestre homólogo do ano passado. Lidera a Europa, a qual, por sua vez, está a crescer mais do que os Estados Unidos.

Por tudo isto, muitos dizem que cão não puxa caravana.

Professor catedrático

D.N.
José Mendes
30 Abril 2023 — 07:00


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47: O que vale um telefonema chinês?

 

🇵🇹 OPINIÃO

Divulgada pelo lado ucraniano e confirmada pelos chineses, a primeira primeira chamada telefónica de Xi Jinping a Volodymyr Zelensky desde a invasão russa de Fevereiro de 2022 tem óbvio significado político, mesmo que, para já, seja difícil imaginá-la como ponto de partida para algo específico, nomeadamente um plano de paz aceitável tanto para Kiev, como para Moscovo. Durante algum tempo, tudo indica, serão as armas a falar mais alto.

É certo que desde que as tropas russas entraram em território ucraniano, as grandes esperanças de ver uma mediação efectiva recaíram logo sobre a China, dado o seu peso político e económico. Mas também se percebeu que Pequim olharia primeiro para os interesses nacionais, antes de qualquer envolvimento.

A guerra trouxe algumas benesses teóricas à China, tanto geopolíticas (uma aliada Rússia isolada e, por isso, cada vez mais dependente, um temporário alívio da pressão americana no Pacífico), como económicas (acesso privilegiado ao petróleo e gás russos, a preços de amigo); e também desvantagens, como uma tensão global que prejudica muito a economia de uma potência que é hoje a primeira exportadora mundial.

Passados 15 meses sobre o início da guerra, a China parece, assim, ainda não ter revelado a sua estratégia final, para tentar ganhar no máximo de frentes.

Pode dar já como adquirida a subalternização da Rússia durante alguns anos; também se afirma como líder de um Sul Global, que não esconde a sua hostilidade à supremacia americana; mas falta-lhe definir um modo de coexistência com o Ocidente e os Estados Unidos em especial, de modo a proteger uma economia que vive da globalização, e prevenir incentivos ao independentismo em Taiwan.

Uma paz na Europa mediada pela China traria sempre um grande capital de prestígio ao país. O conjunto de propostas divulgado por Xi a coincidir com uma visita a Vladimir Putin no mês passado, em Moscovo, é demasiado vago para ser visto como um plano de paz e foi tão rejeitado pelo Ocidente, apoiante da Ucrânia, como aplaudido pela Rússia.

Mas não deixa de ser revelador que, mesmo sem entusiasmo pelas propostas conhecidas de Pequim, Zelensky nunca tenha deixado de desafiar Xi a ouvir mais o lado ucraniano, isto apesar das declarações de amizade do presidente chinês ao homólogo russo e da aliança sino-russa.

O telefonema é um sinal de que Xi vê Zelensky como incontornável, goste ou não Putin, mesmo que o momento para negociações não seja ainda o certo, por vontade de Kiev e Moscovo, que confiam ambas na capacidade de fazer a diferença no campo militar e recusam cedências.

A recente normalização de relações entre a Arábia Saudita e o Irão depois de mediação de Pequim, foi um êxito para Xi e motiva-o para mais. Obter a paz entre ucranianos e russos é, porém, um desafio de outra magnitude. Aguardemos pelos desenvolvimentos, para sabermos o que vale um telefonema chinês.

Director adjunto do Diário de Notícias

D.N.
Leonídio Paulo Ferreira
27 Abril 2023 — 00:02


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46: O mal francês

 

🇵🇹 OPINIÃO

Que se passa com França? – é a pergunta que por estes dias acorre ao espírito de muita gente pelo mundo fora. Com o país a ferro e fogo, Macron foi até à China e veio de lá cheio de ideias.

No avião de regresso, após uma reunião de seis horas com o seu homólogo Xi, deu uma entrevista ao Politico em que, repetindo o que dissera logo à chegada a Pequim, afirmou que a China lhe dera provas do seu “compromisso com a integridade territorial e a soberania das nações”.

Dias depois, em entrevista à TF1, o embaixador chinês em Paris negou de forma cortante a soberania dos Estados ex-soviéticos (“não há nenhum acordo internacional que materialize o seu estatuto de países soberanos”).

O Quai d”Orsay reagiu com “consternação” às declarações do diplomata chinês, mas o mal estava feito e malfeito: por um lado, e com a brutalidade habitual, Pequim não hesitara, e logo pela voz do seu embaixador em Paris, em desdizer pública e estrondosamente aquilo que o chefe do Estado francês, num gesto de boa vontade e de main tendue, afirmou à sua chegada a Pequim; por outro lado, e mais decisivamente, Emmanuel Macron saiu deste episódio fazendo uma monumental e internacional figura de palhaço, imagem tristemente espalhada urbi et orbi e que mostra bem as desditas que sofrem todos quantos, como ele, Lula e outros, pretendem afirmar-se como “vozes alternativas” aos dois blocos em rivalidade crescente: a China, de um lado; a América, do outro.

Na verdade, seria bonito e belo, útil e necessário, que na cena internacional existissem, de facto, actores independentes e equidistantes, capazes de servirem de moderadores e árbitros, de chamarem os outros à razão e ao bom senso, de lhes mostrarem que o mundo não é, nem tem de ser, uma terra a preto e branco, asperamente binária, ferozmente dividida entre dois grupos apenas, de amigos e inimigos.

Simplesmente, tragicamente, a França e a Europa, ou o dito “Sul global”, teimam em não perceber o seguinte: no palco internacional, não basta reclamar um papel para logo entrar em cena.

Nesse mundo feito de lobos, só dominado pela força, para se ser um actor credível e respeitado é necessário ter poderio económico e militar, mostrar um empenho sério, financeiramente dispendioso e custoso, em matéria de Defesa e de Forças Armadas.

Ou seja, e em síntese, França e o resto da Europa não podem andar a dizer aos quatro ventos que querem ter uma “voz autónoma” e “independente” no concerto das nações enquanto continuam a depender do escudo protector da América, que paga o orçamento da NATO (ou uma sua parcela significativa) e que agora está custeando, muito mais do que a França, uma guerra travada no coração da Europa.

Questão que coloca uma outra: com o seu país em chamas por causa de uma tímida reforma da idade de reforma, que espaço ou margem terá Macron para convencer os seus concidadãos a gastarem mais com a Defesa e as Forças Armadas? E, na ausência desse investimento, que outras humilhações surgirão?

Desde há muito – desde o general de Gaulle, pelo menos – que os políticos franceses, de tempos a tempos, fazem afirmações em tudo idênticas às produzidas pelo presidente Macron ao regressar de Pequim.

As suas palavras foram iguaizinhas, sem tirar nem pôr, àquelas que, por exemplo, Dominique de Villepin, então ministro dos Negócios Estrangeiros, proferiu na ONU em Fevereiro de 2003, pouco antes da desastrada e desastrosa invasão do Iraque.

Com a habitual panache gaulesa, Villepin começou por proclamar que falava em nome de “um velho país” e de “um velho continente”, em óbvia alfinetada aos Estados Unidos, terra que, em seu entender, era recém-chegada à civilização e ao mundo, uma espécie de nouveau riche nos refinados salões da cultura e da diplomacia.

Acrescentou Villepin que o seu país, a França, tinha consigo a sabedoria e a experiência, forjadas durante séculos, que conhecera já muitas “guerras, ocupações, barbaridades”, esquecendo-se de mencionar, por um lado, que muitas dessas selvajarias foram perpetradas pelos próprios franceses e, por outro, que, da última vez que França fora ocupada e sujeita à barbárie, acabou sendo libertada por tropas vindas do outro lado do Atlântico, mais precisamente da América.

© Vítor Higgs / DN

As palavras de Dominique de Villepin, e agora as de Emmanuel Macron, fazem parte de uma atitude muito vulgar em França, a “obsessão anti-americana” de que falou Jean-François Revel num ensaio famoso, hoje esquecido.

Com isso não se quer dizer, obviamente, que tudo quanto venha da América é formidável e positivo, ou que a Europa se deva submeter aos diktats de Washington, tantas vezes asnáticos, tantas vezes erráticos.

Trata-se, isso sim, de perceber que o anti-americanismo francês, que tem servido de matriz e padrão para muitos outros anti-americanismos pelo mundo fora, é uma atitude cultural e política bem mais recente do que julgamos, pois até à 2.ª Guerra Mundial, de um modo geral, as relações entre os dois países eram cordiais e amistosas, patentes na oferta da Estátua da Liberdade à América, em sinal da gratidão de Napoleão III.

Paradoxalmente, ou talvez não, o anti-americanismo gaulês surgiu pelo facto de terem sido os americanos a libertar França do jugo nazi: como tão bem nos explicam Anthony Beevor e Artemis Cooper em Paris Após a Libertação (Bertrand, 2019), e, antes deles, não tenhamos receio de citá-los, Dominique Lapierre e Larry Collins em Paris Já Está a Arder?, o general de Gaulle conseguiu a proeza de desfilar nos Campos Elísios e, com tremenda coragem, entrar na Notre-Dame como vencedor de uma guerra que a França… perdera.

Os Aliados terão ajudado à construção dessa lenda, apostando a custo em Charles de Gaulle como aquele que melhor poderia dominar o avanço dos comunistas e o resvalar de França para esfera de influência de Estaline, mas tudo não passa de uma fábula, pois, gostemos ou não, a França foi libertada por outros, não se libertou sozinha – e só por milagre, patranha e façanha pôde figurar no pós-guerra como triunfadora da 2.ª Guerra e ganhar assento no Conselho de Segurança das novas Nações Unidas.

Para conseguir tal intento – e esse é o grande mito fundador da IV e da V Repúblicas francesas – houve que camuflar, por um lado, o extenso e profundo colaboracionismo de milhares ou milhões de gauleses com os alemães; e, por outro, de sublinhar o indubitável heroísmo dos partisans da Resistência, engrandecendo, do mesmo passo, a intrepidez, a audácia e o patriotismo de Charles André Joseph Marie de Gaulle, que tivera a coragem e o génio de desobedecer aos seus superiores, fugir para Londres e de lá emitir célebres e patrióticas alocuções radiofónicas (aos microfones da BBC…).

O general teve o talento de mobilizar uma nação inteira para este gigantesco processo de encobrimento e de auto-ilusão, difundido para o mundo e para a História, e através do qual, num tremendo esforço de amnésia colectiva, houve que esquecer três verdades vergonhosas: primeiro, que França tinha sido, uma vez mais, invadida e ocupada pelos alemães, repetindo o desastre de 1870; segundo, que existiu uma passividade generalizada e até um ardente colaboracionismo ante a ocupação nazi, patente em Vichy e em Pétain, mas também no carácter claramente minoritário dos que ousaram juntar-se à Resistência (numa atitude bem contrastante, diga-se, daquela que agora ocorre com os ucranianos); em terceiro lugar, França tinha de fazer esquecer que fora incapaz de se libertar por si própria e que, quando de Gaulle desfilou em Paris, em Agosto de 1944, fê-lo amparado pelos americanos, só a custo convencidos a redireccionar tropas para a capital francesa, a qual nem fazia parte dos seus planos iniciais de combate.

Para restaurar o orgulho nacional ferido, havia que esquecer, portanto, o invasor germânico, o colaboracionismo autóctone e o aliado yankee e, na construção deste mito (ou desta “narrativa”, como agora se diz), era essencial um enorme trabalho de desmemória, por um lado, e de auto-glorificação colectiva, por outro.

Esforço que Charles de Gaulle liderou como ninguém, pois a sua personalidade e pose a isso tão bem se prestavam, e que encontra eco, entre tantos outros momentos, nas palavras tonitruantes com que, em Dezembro de 1964, André Malraux recebeu os restos mortais de Jean Moulin no Panteão Nacional – o célebre “Entre ici, Jean Moulin, avec ton terrible cortège…” -, numa cerimónia, de resto, meticulosamente encenada para exaltar a grandeur de la France e, com ela, favorecer os objectivos políticos do general-presidente (no ano seguinte, em 1965, iriam realizar-se eleições presidenciais, De Gaulle necessitava de sinalizar alguma aproximação à esquerda e, sobretudo, de responder às críticas dos membros do Club Jean Moulin, como Daniel Cordelier, François Mitterrand e Servan-Schreiber, que jamais se cansavam de falar no “golpe de Estado” que o levara ao poder em 1958).

Ao mesmo tempo, De Gaulle tirava França da estrutura militar da NATO, reconhecia o governo de Mao Tsé-Tung, atacava os EUA num périplo pela América Latina, visitava Moscovo, onde hoje tem uma estátua, inaugurada em 2005 por Jacques Chirac.

Apesar dos encontros e desencontros da IV e da V Repúblicas, o anti-americanismo enraizou-se na cultura política francesa, tornou-se um dos seus mais poderosos elementos identitários e unificadores, tanto à direita como à esquerda, seja entre os reaccionários nostálgicos da vieille France, conservadora e autêntica (o pays réel, de que falava Maurras), seja entre os comunistas, os quais agiram, como sempre, como quinta coluna de Estaline, lançando a pomba branca de Picasso e o movimento “pela paz”, favorável aos soviéticos (o seu líder, Frédéric Joliot-Curie, receberia em 1950 o Prémio Lenine da Paz), e atacando tudo quanto cheirasse a invasão cultural americana, do cinema à Coca-Cola.

Em Paris Após a Libertação, Anthony Beevor e Artemis Cooper contam que, na imprensa do PCF do pós-guerra, a beberagem yankee era apresentada como uma droga letal, tal qual também Salazar pensava, numa curiosa convergência entre a sua visão arcaica do mundo e a dos comunistas.

“Todas as tardes, uma carrinha da Coca-Cola pára à entrada da Place des Innocents, no 1.er arrondissement; o motorista distribui garrafas às crianças, que não estão acompanhadas e que consomem a bebida no local”, dizia um jornal do PCF em tom alarmista e alarmado, como se descrevesse uma operação clandestina da CIA ou do Pentágono.

O sentimento anti-americano persiste nos nossos dias e, se não o percebermos, não conseguiremos compreender de todo a política internacional do nosso tempo, pois, no fundo, é esse sentimento que, entre outros factores, explica muitas decisões absurdas da Europa: a abertura em excesso à China de Xi Jinping (a quem Portugal vendeu a sua rede eléctrica…), o malfadado gasoduto do Nordstream e a dependência energética face à Rússia de Putin.

Tal sentimento ficou exemplarmente demonstrado há um par de anos, quando, em Agosto de 1999, os agricultores da Confédération Paysanne, liderados por Joseph “José” Bové, decidiram destruir um ou vários restaurantes da cadeia MacDonald”s, símbolos do imperialismo yankee e da intragável fast-food.

Na altura, os protestos dirigiram-se contra a Organização Mundial de Comércio, em batalhas travadas em Seattle ou na França profunda.

Contudo, não houve grande clamor – aliás, clamor nenhum – quando, anos volvidos, em Dezembro de 2001 (simbolicamente, pouco depois dos ataques terroristas de Nova Iorque), a República Popular da China aderiu à OMC, o facto histórico mais decisivo para compreendermos o tempo que hoje vivemos, Trump incluído.

Quem ler Regresso a Reims, o relato autobiográfico de Didier Eribon (Dom Quixote, 2019), perceberá os efeitos políticos da desindustrialização europeia: com o fecho da fábrica em que trabalhava, o pai de Didier, um comunista da linha dura, ultra-conservador, homofóbico e xenófobo, nacionalista até à medula, transitou sem problemas para a Front Nacional, a única força política que dava voz ao seu ressentimento contra as elites corruptas.

Mitterrand faria o resto na promoção da extrema-direita (com a qual, de resto, sempre se deu muito bem) e, em 1986, para enfraquecer o centro gaullista, introduziu a representação proporcional, dando um impulso decisivo para a ascensão do partido de Le Pen.

O anti-americanismo gaulês surgiu pelo facto de terem sido os americanos a libertar França do jugo nazi (…). Para restaurar o orgulho nacional ferido, havia que esquecer, portanto, o invasor germânico, o colaboracionismo autóctone e o aliado yankee e, na construção deste mito (ou desta “narrativa”, como agora se diz), era essencial um enorme trabalho de desmemória, por um lado, e de auto-glorificação colectiva, por outro.

Naquela sua luta anti-EUA, José Bové foi louvado como um “David contra Golias”, palavras da época. Francis Fukuyama chamou-lhe “a única coisa que realmente mexe a França”, e aquele agricultor de cachimbo e bigodes à Astérix tornou-se um herói nacional instantâneo, amado à esquerda e à direita, sobretudo, ou acima de tudo, pelo que representava na defesa intransigente da “autenticidade” gaulesa contra a invasão de capital estrangeiro, leia-se americano.

É comovente – e até louvável, até certo ponto – o apreço que os franceses dedicam aos seus produtos nacionais, sobretudo agrícolas, encarados como expressão de uma identidade secular ameaçada pelas tenebrosas e desumanas forças de um “progresso” sem nome e sem rosto.

Não por acaso, numa das sua muitas boutades, o general de Gaulle disse um dia ser impossível governar um país com 246 variedades de queijo, frase que caiu no anedotário, mas que encerra uma verdade bem funda: a extrema dificuldade em conciliar tradição e modernidade numa nação tão orgulhosa da sua História, mas ao mesmo tempo tão ambiciosa e sedenta de um lugar de destaque num mundo em acelerada mudança, cada vez menos ocidental e europeu; um grande país com muitos países dentro, agora mais diverso ainda, devido à imigração e ao islamismo em flecha; uma terra feita de extremos, avessa a moderações e consensos, que oscila entre o máximo absolutismo do poder e o eterno revolucionarismo da rua. A juntar a tudo isso, uma grande tradição de violência, seja do Estado contra os cidadãos, seja dos cidadãos contra o Estado.

Na noite de 17 de Outubro de 1961, a França democrática massacrou entre 150 a 300 argelinos no coração de Paris, numa razia organizada pelo prefeito da polícia Maurice Papon, um homem com fundas culpas no Holocausto.

Muitos cadáveres foram lançados ao Sena nessa noite sangrenta e vergonhosa, a “Batalha de Paris” que muitos tentam esquecer e que, em 2011, Nicolas Sarkozy recusou assinalar.

As afirmações snobes de Dominique de Villepin, que atrás se citaram, dão o mote de abertura a um dos melhores livros que conheço sobre França e os franceses, chamado How the French Think, An Affectionate Portrait of an Intellectual People (Penguin, 2015), de Sudhir Hazareesingh, professor em Oxford.

No discurso de Villepin na ONU, no qual o MNE francês fez tiradas grandiloquentes sobre o papel da comunidade internacional – e do seu país, claro – como “guardiã de um ideal” ou “guardiã de uma consciência”, e em que falou de “responsabilidades imensas” e de uma “enorme honra”, Hazareesingh detecta vários caracteres do style français: a verve retórica e a masculinidade sedutora; o apelo à razão e à lógica cartesianas, assente em oposições binárias (conflito vs. harmonia; egoísmo vs. interesse comum; moralidade vs. poder); o apelo a uma sabedoria antiga, ancorada em séculos de experiências traumáticas e dolorosas; um optimismo subliminar, assente na convicção inabalável da superioridade de França face às demais nações.

O “pensamento francês” clássico, chamemos-lhe assim, o de Pascal e Descartes, desenvolve-se a partir de uma incessante busca de limpidez e clareza, de precisão verbal e mental, de apreço por noções abstractas e gerais ou, se quisermos, de conceitos a partir das quais se deduzem, por inferência lógica, as soluções para todos e quaisquer problemas.

Entre esses conceitos, e só para nomear alguns, encontram-se noções como monarquia, razão, vontade geral, proletariado, nação, patriotismo, tradição, inclusão, que os franceses discutem à exaustão, pois atribuem-lhe um significado quase sacral e metafísico, julgando serem essenciais para o governo das suas vidas e para a obtenção da felicidade humana.

Ao mesmo tempo, há em França uma enorme paixão pelo holismo, que leva os franceses a tomarem e abordarem os problemas na sua totalidade, ao invés de se concentrarem nas suas manifestações contingentes.

É a essa luz, diz-nos Sudhir Hazareesingh, que um filósofo como Michel Lacroix, por exemplo, é capaz de explicar o seu patriotismo a partir, e cita-se, de um “entendimento ontológico da francesidade”.

É a essa luz que devemos entender o carácter sacrossanto da tríade liberdade-igualdade-fraternidade ou a atracção fatal pelo verbo e pela palavra. Todos os anos, realiza-se em La Charité-sur-Loire, sob os auspícios de Erik Orsenna, um Festival du Mot, o “Festival da Palavra”, tal o amor dos gauleses pelo verbo, por paroles, paroles, paroles.

Nas vésperas do Dia-D, e preparando o Desembarque na Normandia, as autoridades militares inglesas distribuíram pelos soldados um manual de instruções sobre como deveriam lidar com os nativos.

Num dos pontos desse manual dizia-se: “Muito mais do que nós [britânicos], os franceses apreciam uma boa discussão intelectual. É frequente pensarmos que dois franceses estão a ter uma querela violenta na rua, quando, na verdade, se encontram ambos a debater apenas uma qualquer questão abstracta.”

Um estranho país, em suma, caricaturado, talvez em excesso, pelos anglo-saxónicos (leia-se o hilariante A Year in the Merde/Um Ano em França, de Stephen Clarke), onde os empregados de café entretêm os clientes com longas dissertações sobre o estado do tempo ou a metafísica.

O verbo, aliás, dá para tudo, até para justificar o injustificável: quem duvide, veja o modo inconcebível como, na série Quarto 2806, da Netflix, o socialista Jack Lang, ex-ministro da Cultura, justifica os crimes sexuais de Dominique Strauss-Kahn com base na sua “virilidade” e na sua “galanteria” (as quais, pelos vistos, legitimavam a violação de uma empregada de hotel em Nova Iorque…).

Não admira, pois, que tenha sido em França, mais do que em qualquer outro lugar, que se tenha firmado a noção de “intelectual público”, na sequência do Affaire Dreyfus ou até antes disso.

É enorme, de facto, a proeminência que alguns savants ou vedetas do espírito alcançam em terras gaulesas, convidados diariamente pelas televisões para se pronunciarem sobre tudo e mais alguma coisa, em programas de “debate” que duram horas e horas.

De novo, De Gaulle: quando, no Verão de 1968, Sartre foi detido por desobediência nas manifestações de Paris, o presidente reprovou o gesto, dizendo “nunca se prende Voltaire”.

Acontece, porém, que o estatuto mítico de que gozam os intelectuais não tem sido bom, nem para eles, nem para a França, que há muito sabe – e tem dilacerante consciência disso – que perdeu uma larguíssima parte da sua influência cultural num mundo que, devido à Internet, é cada vez mais anglófono e anglicizado.

Há dias, tive uma experiência curiosa, em parte dolorosa: por causa de um texto que escrevi sobre Boris Vian, para servir de prefácio ao seu Manual de Saint-Germain des Près, tive de trocar alguma correspondência com os titulares dos seus direitos de autor.

De França, da velha França, mandaram-me mensagens em inglês, imagine-se, e assim prosseguiu a conversa electrónica de parte a parte, em mais um eloquente sinal dos tempos e insofismável indício do déclinisme francês.

É também sintomático que, na actualidade, o intelectual francês de mais nomeada e fama, aquele que melhor capta as taras da sua pátria, seja um homem como Michel Houellebecq.

Como é sintomático que, mesmo um intelectual de primeira grandeza como Marcel Gauchet, quando chamado a analisar o malheur français, seja incapaz de ir muito além da espuma dos dias e do comentário de actualidade, como sucede no seu livro de entrevistas Macron, les leçons d”un échec. Compreendre le malheur français II (Éditions Stock, 2021).

Também entre nós os intelectuais se manifestam, seja no extremo da esquerda, seja no da direita. No Facebook, dizem-me, Raquel Varela saudou as ostras bretãs e os desacatos de rua, afirmando que estes últimos são, no fundo, uma reivindicação pelo direito a todos comerem ostras (como ela, uma privilegiada do marisco), o que é seguramente legítimo, mas ambientalmente arriscado.

Na outra ponta do espectro, Jaime Nogueira Pinto, ao escrever no Observador (Ventos de França, 22/4/2023), entreviu, e bem, nas manifestações presentes e no caos reinante a chance há muito aguardada para Marine Le Pen alcançar finalmente o Eliseu.

É nisso que deveriam pensar os que agora incendeiam França e a invadem de lixo, no perigo mais do que evidente de uma chegada da extrema-direita ao poder, o que será um desastre para a democracia na Europa e no mundo, pois Marine não é Meloni, nem a França é a Itália.

Para o meu amigo Ricardo Soares de Oliveira
que há dias, indo arguir um doutoramento à Sorbonne,
mal conseguiu entrar no edifício, tal o lixo acumulado em seu redor.

Historiador.
Escreve de acordo com a antiga ortografia.

D.N.
António Araújo
30 Abril 2023 — 07:00


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45: Aeroporto Margem Sul: 8 mil milhões em causa

 

🇵🇹 OPINIÃO

Imaginemos que as duas grandes alternativas na construção de um aeroporto tinham uma diferença de custo de oito mil milhões. Isto seria relevante?

A questão parece absurda, mas o problema é real. Nos 10 principais critérios da Comissão Técnica Independente (CTI) para escolher o novo aeroporto, nenhum é sobre o custo.

Vejamos os critérios:
1 – Proximidade em quilómetros.
2 Infra-estrutura existente ou planeada.
3 – Área de expansão.
4 Capacidade de movimentos/hora.
5 – Conflitos com espaço aéreo militar.
6 – Riscos naturais.
7 – População afectada.
8 – Áreas naturais e corredores migratórios.
9 – Existência de Estudos de Impacto Ambiental.
10 – Importância estratégica para a Força Aérea.

Com base nesta chave de avaliação revelada na quinta-feira passada, deixo aqui algumas interrogações sobre as fases seguintes.

1

A Comissão Técnica já deu indicações de querer apontar para uma solução de um só aeroporto (na Margem Sul) e não o Portela + 1. É uma decisão arriscada e à revelia dos players e do mercado.

Desde logo, a Câmara de Lisboa nunca disse (Medina, Moedas) se quer ou não a Portela. E já agora, os hoteleiros, se pudessem decidir, escolheriam o Lisboa + 1 – veja-se as declarações do líder de um dos principais grupos nacionais, o Vila Galé.

Fazer da Portela um aeroporto de jactos privados ou apenas para algumas low-cost, como parece indicar preliminarmente a CTI, é o pior de dois mundos. Nem área verde nem utilidade estratégica.

Mas mais: menos de um mês depois do governo ter dado ordem à ANA para gastar 300 milhões na ampliação da Portela, a CTI dá um sinal diferente: é para deitar abaixo. Ora, a ANA vai meter 300 milhões numa obra que demorará dois a três anos até estar pronta, para funcionar a seguir apenas alguns anos mais?

2

O futuro da TAP é indiferente para a CTI? Mudar para um só aeroporto em vez de Portela+1, retira ainda mais valor na venda que está em curso e condena-a a uma companhia pequena. Além disso, retira força a Lisboa enquanto destino turístico de estadia curta.

Pior: quanto mais próximo e em concorrência com Madrid estiver o nosso aeroporto da Margem Sul, mais os espanhóis tentarão torpedeá-lo desde o minuto zero.

Começando por adiar ad infinitum a alta velocidade Lisboa-Madrid. Vamos gastar outras centenas de milhões para um Lisboa-Elvas?

3

Só há duas propostas privadas em cima da mesa – e isto devia fazer pensar os especialistas da CTI. A ANA é a concessionária e já disse que não gasta mais do que 500 milhões na expansão da Portela e até 800 milhões no Montijo.

Ora, sendo o Montijo uma obra impossível, e custando Alcochete (obra e acesso) os tais oito mil milhões, os franceses – donos da ANA – já disseram que não pagam.

Portanto, paga o Orçamento e a subida exponencial das taxas aeroportuárias, num encarecimento significativo dos nossos custos individuais para sair e voltar de Portugal, fora a perda de competitividade para o turismo.

A alternativa Santarém, surgindo do Grupo Barraqueiro e anunciado como a “custo zero para o Estado”, deveria entrar seriamente na equação pela rapidez de execução (quatro anos) e rápido alívio da Portela.

E sobretudo porque em Santarém a Linha do Norte já lá está. Só falta planear o trajecto da alta velocidade Lisboa-Braga, fazendo passar via Santarém, – é uma opção de rota, nem sequer é um custo extra.

4

O território é decisivo nesta questão. Desde logo, o impacto ambiental na Margem Sul, muralha ambiental de Lisboa. Um aeroporto transfere da Margem Norte para a Margem Sul o hinterland aeroportuário, num impacto desmedido para um território ainda preservado.

Depois, o desequilíbrio do país: em quatro aeroportos em Portugal continental, três estarão a Sul do Tejo – Margem Sul, Beja e Faro. (Aliás, um aeroporto em Alcochete/Rio Frio ficaria a escassos 130 km de Beja. Deitam-no abaixo)?

Por fim, um aeroporto de Lisboa também é um aeroporto nacional. E se, por ferrovia, Lisboa-Margem Sul (imaginemos que Alcochete, aproximadamente a 50 km) ficaria a 20 minutos de comboio do centro da capital, Santarém dista 30 a 35 minutos, apesar dos 85 km.

Só que Santarém deixa Coimbra a 130 km de um aeroporto, Leiria e Nazaré (surf) a 90 km, e dá uma nova centralidade a Mafra e Torres Vedras sem que Lisboa seja prejudicada por isso – porque há a Portela. Além de que Fátima é quase ao lado – e estima-se que mais de um milhão de turistas passem pelo santuário anualmente.

A margem de crescimento para o turismo no Centro seria exponencial. Ou queremos crescer sem limite sempre na capital e, por via disso, rebentar de vez com Lisboa? O impacto do crescimento vai ser estudado?
5
Passam os meses e, além da TAP, voltamos sempre à herança Pedro Nuno Santo e a Hugo Mendes – neste caso, ao anúncio extemporâneo de que fariam, não um, mas dois aeroportos, Montijo e Alcochete. Uma coisa à Sócrates. E talvez continuemos no mesmo mindset, apesar do que acabamos por passar na última década.

Porque tudo parece indicar que aí vamos nós rumo à fatal atracção pelo abismo de um investimento público faraónico, que nunca fica nem ao preço nem no prazo anunciado. E isto com o aval das melhores mentes do país.

Jornalista

D.N.
Daniel Deusdado
30 Abril 2023 — 07:00


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44: Da defesa europeia, da sua liderança e dos seus desafios cruciais

 

🇵🇹 OPINIÃO

Jens Stoltenberg termina o seu mandato em Setembro, e creio que Josep Borrell tem como ambição ser o próximo Secretário-geral da NATO. As suas recentes declarações sobre a China parecem mostrar mais vontade de agradar a Washington que realismo político.

Por exemplo, propor que as marinhas europeias patrulhem com regularidade o Estreito de Taiwan não tem pés nem cabeça.

Não existe essa capacidade na União Europeia: apenas a França, a Alemanha e os Países Baixos poderiam de vez em quando enviar uma fragata para a região, mas isso não teria qualquer peso na região, nem está nos planos desses países. Serviria tão somente para irritar os chineses, sem qualquer efeito dissuasivo.

Borrell sabe que os americanos querem um líder na NATO que tenha uma visão mais ampla do papel da organização e que reconheça que a China acabará por constituir uma ameaça fundamental para os interesses ocidentais.

Washington vê a China como o desafio determinante, e global, nos próximos anos. Quer, por isso, que a aliança com a Europa partilhe a mesma visão.

Mas para além da falta de meios militares, os países europeus devem enfrentar ameaças na sua vizinhança, bem mais à porta de casa: a Rússia de Vladimir Putin e dos que na Rússia pensam como ele; a instabilidade no Médio Oriente e no Grande Sahel; e o terrorismo importado de sociedades onde impera um radicalismo fanático anti-ocidental. Esses são os três vectores que devem orientar a defesa europeia.

Também é verdade que os países europeus estão muito longe de atingir uma autonomia eficaz em matéria de defesa. Quando se fala do reforço da soberania europeia, é mais fácil pensar em termos económicos que militares.

A UE é uma potência económica e comercial e pouco mais que um gatinho assanhado em matéria de defesa. Para mais, esta é uma área que fractura a coesão entre os estados-membros.

Os países do leste da UE, mormente a Polónia e os Bálticos, não acreditam na defesa da Europa sem a ajuda em força dos EUA.

Estão a ver isso quando olham para a situação na Ucrânia: sem o envolvimento americano, a sua coordenação, as suas informações de inteligência e os seus recursos militares não teria existido resistência capaz à violência vinda do Kremlin.

A Ucrânia seria hoje um território apagado do mapa, uma periferia do imperialismo russo. Emmanuel Macron, quando insiste no afastamento da Europa em relação aos EUA, está errado se a mensagem disser respeito a questões de defesa.

Neste momento não há condições para tal. E, realisticamente, essa situação irá continuar por muitos mais anos. A UE não tem num horizonte previsível condições para ser uma potência militar.

Deveria ter, mas não tem: são muitos séculos de rivalidades entre as nações e uma opinião pública que não entende, por falta de lideranças adequadas, a importância da união e da integração no domínio da defesa.

Entre nós, por muito que Borrell fale sobre o que deve ser a nossa política perante a China – uma política do pau e da cenoura -, a sua hipótese de eleição como cabeça civil da NATO é muito baixa. Os estados-membros deverão procurar alguém mais jovem e sobretudo que tenha sido chefe de governo ou de Estado.

Também se fala de Ursula von der Leyen, mas penso que preferirá continuar à frente da Comissão Europeia, um posto que oferece mais poder e muita autonomia. Sanna Marin, que foi até há pouco primeira-ministra da Finlândia, é uma candidata com alguns apoios.

Mas não são suficientes, por várias razões: o país tem uma longa fronteira com a Rússia, o que pode transformar esse facto num impedimento absoluto; Marin é muito jovem e a sua experiência política é relativamente pouca, não tendo chegado para ganhar as eleições gerais que tiveram lugar no início deste mês.

Penso que seria relevante, para além de ter como próximo Secretário-geral um antigo líder nacional, eleger alguém do sul ou da parte ocidental da Europa. A NATO não pode pensar apenas nos perigos que vêm do Leste. A próxima cimeira, a 11 e 12 de Julho em Vilnius, terá de ter isso em conta.

E eleger um Secretário-geral, uma mulher de preferência, que seja mais do que um eco dos EUA. Sobretudo, um eco superficial, alheio aos interesses europeus, quando se trata de falar da China.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

D.N.
Victor Ângelo
28 Abril 2023 — 00:27

 


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43: Celebrar o acessório. Esquecer o essencial

🇵🇹 OPINIÃO

Quando os saudosos militares saíram à rua na madrugada de 25 de Abril de 1974 levavam consigo três D para resolver. Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.

Foi, relativamente, fácil resolver os dois primeiros. Com a democratização a PIDE caiu, a censura foi embora e eu posso hoje escrever, livremente, o que penso sem que o lápis azul me trave o pensamento. No segundo D, Descolonizar, as colónias ganharam a sua independência e os povos dos novos países a sua liberdade.

Em Portugal, ainda no cumprimento do primeiro D, edificaram-se as necessárias instituições e o país entrou no leque dos países democráticos. Mais tarde, sobre a batuta política de Mário Soares, Portugal juntou-se ao clube da União Europeia.

Tínhamos, então a ambição de ganharmos não apenas uma cadeira em Bruxelas e Estrasburgo para os políticos sentarem o traseiro, mas sim conquistarmos pulso económico e edificarmos o terceiro D – de Desenvolver.

Infelizmente este terceiro D ficou para trás e hoje somos um país na cauda da Europa.

De 2000 a 2019 a economia portuguesa estagnou e registámos um crescimento médio anual de apenas 0,5%, afastando-nos de países que a partir de 2004 aderiram à EU, como a Irlanda, Malta, Polónia e Eslováquia.

Isto é o essencial da política portuguesa e era isto que devíamos ver discutido no 25 de Abril de 2023.

Mas não! O que esteve na agenda política do parlamento foi a abstrusa presença de Lula da Silva nas celebrações do 25 de Abril, um clamoroso erro do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, e a inqualificável atitude do Chega.

Neste 25 de Abril de 2023 o Chega registou a sua primeira grande derrota nas ruas e no hemiciclo. No hemiciclo porque, com um protesto mal- educado e pueril, o Chega provocou a unidade de todos os restantes partidos na condenação de uma atitude irresponsável que deixa todos os portugueses envergonhados.

Os 339.659 portugueses que se fazem representar no parlamento através do Chega devem pensar, maduramente, neste episódio e retirarem daí as suas conclusões. Acham mesmo que este partido, um dia, está preparado para governar?

E uma derrota, também, nas ruas, porque depois de ter anunciado uma manifestação de muitos milhares de pessoas, o Chega não juntou mais de 200 cidadãos em protesto contra a presença de Lula na Silva na AR.

Tudo isto são episódios políticos à margem do que seria fulcral discutir. O nosso atraso económico, a pobreza de cerca de 3 milhões de portugueses que não têm o essencial para viver.

Um 25 de Abril que aconteceu com professores acampados a dormir no Rossio, a aguardar uma resposta do Governo que, inexplicavelmente, não acontece.

O silêncio do governo e de António Costa perante os constrangimentos da sociedade portuguesa começa a ser incómodo.

O primeiro-ministro surge para assinalar a descida do IVA na tabuleta dos preços dos supermercados, mas nada diz sobre a manifesta descoordenação de ministros do seu governo em coisas tão estranhas como um parecer que primeiro não podia ser entregue por razões de Estado, depois não existia, em seguida era uma questão semântica e chegou, finalmente, às mãos da Comissão de Inquérito da TAP sabe-se lá em que formatação.

Aproxima-se o 1.º de Maio de 2023. Esperemos que neste dia surjam contributos mais importantes e decisivos para que Portugal e os portugueses e os partidos políticos que os representam comecem a discutir o que é essencial e esqueçam o acessório.

Está por cumprir o terceiro D de Abril. O de Desenvolver, que deve reunir todas as nossas energias, dando um futuro sustentável a Portugal e ao seu povo.

Enquanto todos os partidos políticos e os agentes empresariais e sociais não o fizerem Abril não estará completo. E teremos falhado, colectivamente, no que era um dos principais desígnios do 25 de Abril de 1974.

É necessário começar a discutir o essencial e esquecer o acessório. Ainda não foi isso que aconteceu neste 25 de Abril de 2023.

Jornalista

D.N.
António Capinha
28 Abril 2023 — 00:23


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42: Eu, mentalidade menor, contribuinte maior, me confesso

 

🇵🇹 OPINIÃO

Foi notícia nas últimas semanas que a Câmara Municipal de Coimbra decidiu atribuir um financiamento de cerca de meio milhão de euros à empresa privada responsável pela organização de um espectáculo de 4 dias na cidade, de uma filarmonia estrangeira, no próximo mês de Maio.

Fê-lo, nos seus próprios termos, segundo publicou, porque, dada essa realização, “Coimbra foi aplaudida e invejada por todos!

Foi um enorme êxito para Coimbra! Pelos vistos, algumas mentalidades menores ficaram incomodadas com este espectacular conseguimento para Coimbra” (sic). Como é sabido, Mogofores e Ançã estavam também na corrida.

O fado destes autarcas é, segundo discurso directo, “a organização regular de eventos que atraiam milhares de visitantes a Coimbra e afirmem Coimbra como uma cidade cool e musical a nível nacional e internacional” (sic).

O evento em causa, já que, como nestes justificados um pouco de história, mas non troppo, cai sempre bem, visa naturalmente dar “mais sentido à construção do estádio para o Euro 2004”.

E, afiança a edilidade, esses auditores implacáveis, “os promotores não têm lucros milionários”. “Mas também é preciso interiorizarmos que sem lucros não há empresas nem empregos.

Ou é necessário recordar porque que é que a União Soviética, pobre e falida, ruiu como um frágil castelo de cartas?”. Houvesse Coldplay em 1957, e autarcas com esta visão, estava a Laika a ser lançada ao espaço e ruiria imediatamente, aproveitando essa distracção menor, esse brutal baralho de cartas vermelho que atemorizava o mundo livre e impedia a promoção de concertos em que a burguesia podia pagar, em liberdade, o seu ingresso nas estrelas, à sua escala e com a possibilidade de repeteco imediato, logo no dia seguinte.

Não quero retomar a sucessão de estudos, rankings e avaliações de cariz científico que a Câmara Municipal de Coimbra cita no seu comunicado, para essencialmente demonstrar que quando as pessoas compram bilhete para ir ver um evento num local tendem a gastar algum dinheiro nesse período e nesse local. Esse é o seu argumento e não o consigo contrariar.

Eu próprio, quando vou a um sítio, costumo lá efectivamente passar algum tempo de vida e a citada Oxford Economics não me consegue demonstrar o contrário.

Adiantam também que o preço médio do quarto num hotel na cidade nesses dias é de 300 euros e que “há apartamentos e alojamentos locais ao dobro e ao triplo”, o que parece ser um excelente negócio para a hotelaria de Coimbra, e naturalmente para o mercado paralelo de dormidas e águas quentes e frias, e deve ser verdade.

Não sei se está completamente em linha com as nossas preocupações mais recentes com habitação permanente a preços que as pessoas possam pagar, mas, aos primeiros acordes de “Viva la vida”, as certezas tornam-se subitamente, por magia, mais difusas.

Não me entendam mal: eu quero mesmo que Coimbra, tal como outras cidades, se levante do seu marasmo económico e social e que quebre os seus glass ceilings, aprisionada que está por uma estrutura de tipo mafioso, aprimorada há décadas, senão há séculos, mitómana, gananciosa e opressora desde logo de qualquer autocrítica inconveniente.

Mas tenho muitas dúvidas se é dever das autoridades não eclesiásticas financiar empresas cujo negócio é ou deveria ser manifestamente lucrativo e usar dinheiros públicos, de todos, para que os coimbrinhas e afins possam ouvir, a poucos metros de sua casa, os Coldplay, quando podiam ouvir tranquilamente, com a sua família não comunista, por exemplo, a RFM, no recato do seu lar.

No entanto levei em momento certo a estocada final, ainda no mesmo comunicado. Aprendi, em estilo de dúvida metódica: “Que grandes concertos tivemos em Coimbra em 8 anos socialistas e comunistas? Apenas o Andrea Bocelli, em plena época de pandemia COVID 19, que juntou 26000 pessoas em dois concertos, metade de um único concerto dos Coldplay”.

A ser verdade, e não duvido, é absolutamente esmagador. Em 8 anos – e “anos socialistas e comunistas”, que significam cerca de 760 anos do nosso calendário gregoriano -, apenas o Andrea Bocelli?

Caramba! Que dichote para a cidade! Faleci – e, comigo, qualquer dúvida, qualquer indignação, qualquer vestígio de bifana inesperado na camisa às 3 da manhã na Praça da República. 26 mil pessoas para ouvir o Andrea Bocelli? É obra.

De facto, socialistas e comunistas, capazes de congregar 26 mil almas para ouvir o Andrea Bocelli, mesmo em Coimbra, mesmo em pandemia, são seres muito perigosos, criminosos por tendência, a erradicar e de vez.

As pessoas, em desespero, são capazes de tudo, é o que se comprova. Haja dinheiro, público de preferência, para finalmente educar o gosto e pagar os finos, que isto há gente doida capaz até de ir ver o Bocelli. E a Coimbra!

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

D.N.
Miguel Romão
28 Abril 2023 — 00:17

 


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41: Namorar a extrema-direita

 

🇵🇹 OPINIÃO

Sempre prontos a criar um incidente e a desrespeitar seja quem for para fazer algum escândalo que os levem às televisões, os deputados do Chega voltaram a fazer das suas.

Desta vez interrompendo com insultos e pateadas o discurso do Presidente do Brasil, democraticamente eleito para substituir Jair Bolsonaro, o negacionista das vacinas que o Chega tanto admira.

O episódio só não assumiu maior gravidade – e nas relações entre países o insulto a chefes de Estado é coisa séria – porque o presidente da Assembleia da República esteve à altura das difíceis circunstâncias, repreendendo veementemente esses deputados por não se comportarem com “a urbanidade, cortesia e educação que é exigida a qualquer representante do povo português” e “porem vergonha no nome de Portugal”.

As intervenções de Augusto Santos Silva, que colocou um limite claro à insolência e má-educação dos deputados da extrema-direita, mereceram aplausos de pé da esmagadora maioria dos deputados, bem como das altas figuras do Estado, de chefes militares a presidentes dos tribunais superiores.

De forma surpreendente para muitos, mesmo para os deputados do seu partido que se juntaram à ovação geral, Luís Montenegro continuou sentado na sua cadeira, mantendo-se silencioso, sem aplaudir e de semblante fechado.

Em vez de mostrar apoio ao presidente da Assembleia da República, quando este resgatava a dignidade do Parlamento, Montenegro preferiu assinalar a sua proximidade ao Chega.

Aqueles que tinham ficado aliviados com as declarações recentes do presidente do PSD a tentar demarcar-se do Chega, terão ficado novamente preocupados.

Poderá alguém confiar que com Luís Montenegro não haverá acordo com a extrema-direita? Afinal, não é a primeira vez que dá o dito pelo não dito nesta matéria.

Após tantas ambiguidades e contradições, para o líder do PSD ser credível relativamente à relação com o Chega, seria necessário que fizesse algo com significado concreto.

Quem pode acreditar que rejeitará qualquer aliança ou acordo com o Chega para alcançar o governo se mantém um acordo exactamente nesses moldes para o governo dos Açores? Acaso os Açores não são Portugal? Que confiança podem os portugueses ter, se faz o contrário do que diz?

Acresce o problema da falta de sentido de Estado. Ao não aplaudir o discurso do presidente brasileiro (que fez inquestionavelmente um bom discurso, que poderia ser subscrito por qualquer democrata de esquerda ou de direita), Montenegro colocou-se na posição de político extremista e não de líder de uma oposição respeitável.

Quase a fazer um ano sobre a sua eleição para líder do PSD, o que vale a Luís Montenegro é a novela mediática dos casos e casinhos, a guerra na Ucrânia, que não acaba, e a inflação que não baixa mais rapidamente. Por isso o escrutínio sobre o seu mandato não é maior.

Alguém sabe quais as suas propostas, projectos, planos para o país? Claro que não. Como um balão, se estiver quente, sobe nas sondagens; se estiver frio, desce. Mas não deixa de estar apenas cheio de ar.

17 valores
Chico Buarque

Dramaturgo, poeta, romancista, compositor, intérprete, é um artista maior. Recebeu esta semana o Prémio Camões.

Talvez tenha sido a única boa decisão de Bolsonaro: ao não ratificar a atribuição do prémio a Francisco Buarque de Holanda, permitiu que fosse entregue em Portugal. Com atraso, mas em Portugal, na véspera do 25 de Abril.

Foi bonita a festa, pá!

Eurodeputado

D.N.
Pedro Marques
27 Abril 2023 — 00:17

 


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40: Escola em Crise?

 

🇵🇹 OPINIÃO

Conto baseado
em eventos verídicos)

Era uma vez uma jovem, chamada Emília, de 12 anos de idade, que frequentava o 7.º ano do 3.º ciclo do Ensino Básico, em 2019/2020, na Escola oficial de Vila Real, bem perto da residência de seus pais.

Emília era muito feliz na Escola. Gostava das instalações e do ambiente. Tanto os professores como o pessoal auxiliar tinham elevado prestígio junto da população e, naturalmente, também dos alunos.

As aulas eram animadas e a Educação Física era praticada em ginásio devidamente equipado. A organização escolar era regida por regras democráticas, que todos apreciavam e aceitavam com confiança.

Emília, desde as primeiras aulas em Outubro constrói uma intensa amizade com a sua colega de turma Tânia. Ambas tinham a mesma idade e gostos convergentes.

Conversavam constantemente durante os recreios, ao almoço e depois, já em casa, não resistiam em trocar mensagens de telemóvel. Muitas vezes passavam os fins de semana, alternadamente, ora em casa de uma, ora de outra. Sempre inseparáveis.

Eis senão quando, muito longe, na China, uma nova doença infecciosa emergira. Não demorou muito tempo a saltar a famosa Grande Muralha e a provocar epidemias em todos os continentes.

Era uma infecção respiratória que podia evoluir gravemente. A pandemia gerou medo em todos os países do mundo, incluindo em Portugal.

Por esta razão, o Presidente da República e o primeiro-ministro apressaram-se a decretar um conjunto de medidas de excepção no âmbito do Estado de Emergência.

As escolas foram encerradas, tal como os estabelecimentos de Actividades de Tempos Livres (ATL). O ensino normal foi interrompido.

Emília e Tânia prosseguiram a amizade entre elas, mesmo inevitavelmente afastadas.

Como previsto passaram de ano para o 8.º. Agora, as duas frequentam o 9.º ano do 3.º ciclo. Por esta razão, o Ensino Básico aproxima-se do final. Uma e outra têm boas notas, apesar das frequentes interrupções, primeiro devidas à pandemia e, depois, aos problemas resultantes das lutas sindicais dos professores, agravadas por diversas carências inexplicáveis.

Emília e Tânia irão, assim, terminar o 9.º ano. Seguir-se-á, portanto, o Ensino Secundário a fim de frequentarem os 10.º, 11.º e 12.º anos, antes da Universidade.

Porém, inesperadamente, são confrontadas com uma situação que irá separa-las daí em diante. Os pais de Tânia resolveram inscrever a filha em colégio privado para a afastar da crise permanente das falhas pedagógicas, enquanto que, por falta de meios, os pais da Emília não têm a mesma possibilidade.

Os rendimentos da família de Tânia permitem essa mudança para a escola privada, mas os recursos dos pais de Emília não são suficientes para a transferir para o ensino privado.

Moral da história – em 5 pontos à consideração de governantes e deputados:

1 – As políticas sociais conduzidas pelo governo não asseguram, comprovadamente, a qualidade do Ensino Público Básico e Secundário.

2 – É urgente reconhecer que a paz social assume importância vital em toda a comunidade escolar e, por isso, é inaceitável prolongar as negociações com sindicatos.

3 – O rendimento familiar não deve ser gerador de desigualdades entre o ensino oficial e privado. As oportunidades de aprendizagem têm de estar ao alcance de todos.

4 – É inadiável o desenvolvimento de políticas para robustecer o Estado Social.

5 – Antes de tudo, há que reduzir iniquidades.

Ex-director-geral da Saúde
franciscogeorge@icloud.com

D.N.
Francisco George
26 Abril 2023 — 00:33


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