400: Travamos (algumas) rendas, mas não as portagens?

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– “… Com um valor de inflação previsto de 6,9% (índice para 2024), as rendas subiriam 2,3%+ 2% = 4,3%, e não 6,9%. E mesmo assim isto seria pesadíssimo para um inquilino médio, para quem a renda representa quase sempre acima de 40%, ou até mais, do rendimento disponível.

Para todos aqueles que se encontram na sua zona de conforto socioeconómico, sem terem de andar a contar os cêntimos até ao dia do pagamento do ordenado ou da pensão de reforma – e isto para quem os recebe -, a quem sobram dias do mês ao valor recebido, seria excelente que pensassem um pouco na desumanidade de certo tipo de afirmações proferidas para todos aqueles que lutam diariamente pela sua sobrevivência e dos seus familiares. No meu caso, a renda representa 81% do meu rendimento de pensionista e não resido em nenhum condomínio privado ou prédio de luxo. Gostaria de vê-los no mesmo patamar do meu e ouvir depois o seu ganir…

🇵🇹 OPINIÃO

Não há comparação entre o bem de primeira necessidade, uma habitação, e o de segunda necessidade – deslocarmo-nos de carro. E no entanto… esta conclusão é bastante simplista porque os custos de transporte contaminam todas as actividades do país – da alimentação às exportações, passando pelos milhões de pessoas esmagadas pelas SCUT Sócrates e outras vias onde a única estrada viável passou a ser paga. Entretanto, ambas sofrem com a inflação, mas a resposta é muito diferente. Faz sentido?

Começando pelas rendas: por mais que doa aos proprietários, parece evidente que se as rendas tivessem subido 10% no início deste ano e que se em 2024 subissem 6,9% – como o indicador prevê – muita gente ficaria sem casa.

Este risco começa, aliás, a aparecer no horizonte para muitas pequenas e médias empresas, vítimas de custos de escritórios, lojas e armazéns, também eles inflacionados à boleia de factores que quase nada determinam no imobiliário: energia e alimentação.

Como as rendas de comércios e serviços não são congeladas, contribuem decisivamente para uma inflação transversal de preços em todos os produtos.

Agora repare-se: anda o Banco Central Europeu a subir taxas para baixar a inflação; esta massa monetária gera lucros recordes na banca, parqueia-a em circuitos improdutivos, suprimindo-a ao investimento e desencadeando desemprego e crise; no entanto, em simultâneo, os Estados legitimam índices automáticos anuais de reposição de preços que voltam a puxar a inflação para cima em actividades rentistas.

E estas exigem o direito inexpugnável a serem compensadas por uma inflação que, em grande parte, não sofrem – como se fosse o mercado a funcionar.

Vamos admitir que um proprietário (ou um fundo de investimento) gasta 1/3 do seu rendimento total em despesas alvo de inflação. Seria normal que a subida da renda compensasse isso + os 2% da subida da Euribor.

Com um valor de inflação previsto de 6,9% (índice para 2024), as rendas subiriam 2,3%+ 2% = 4,3%, e não 6,9%. E mesmo assim isto seria pesadíssimo para um inquilino médio, para quem a renda representa quase sempre acima de 40%, ou até mais, do rendimento disponível.

Entretanto, se isto é verdade no mercado imobiliário, é-o ainda de forma mais evidente em muitas actividades de custos “tabelados”, como é o caso das portagens.

Os lucros-extra trazidos pela inflação são na casa das centenas de milhões de euros, porque a actividade é a mesma, mas as concessionárias só são afectadas por aumentos nos salários dos funcionários e algumas matérias-primas (que representam quase sempre menos de 1/3 da estrutura de custos destas empresas) e pela subida dos juros.

Uma vez mais, nenhuma razão existe para dar à Brisa, Globalvia, Portvias, etc., um aumento equiparado ao da inflação. Já no ano passado, o Governo limitou as portagens a um aumento de 4,9%, mas o Governo pagou por todos nós 140 milhões extra. As concessionárias, magnânimas, “perdoaram” 2% de inflação.

A pergunta, este ano, volta a ser a mesma: por que se obriga os senhorios a ter quase 0% de aumentos e se garante aos concessionários das estradas o direito a receberem 100% de reposição? Porque têm contratos? Mas os senhorios também têm contratos…

Os sábios da Economia ainda só descobriram a penicilina dos juros para esta doença. É o que se conhece como técnica para um ataque inicial. Mas como insistem neste único antídoto durante largo tempo, acabam por matar o doente.

Ou, pelo menos, a amputar-lhes membros essenciais para recuperarem a seguir. Já vimos este filme e não acabou bem.

Jornalista

DN
Daniel Deusdado
17 Setembro 2023 — 01:52


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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One thought on “400: Travamos (algumas) rendas, mas não as portagens?

  1. “… Com um valor de inflação previsto de 6,9% (índice para 2024), as rendas subiriam 2,3%+ 2% = 4,3%, e não 6,9%. E mesmo assim isto seria pesadíssimo para um inquilino médio, para quem a renda representa quase sempre acima de 40%, ou até mais, do rendimento disponível.”

    Para todos aqueles que se encontram na sua zona de conforto socioeconómico, sem terem de andar a contar os cêntimos até ao dia do pagamento do ordenado ou da pensão de reforma – e isto para quem os recebe -, a quem sobram dias do mês ao valor recebido, seria excelente que pensassem um pouco na desumanidade de certo tipo de afirmações proferidas para todos aqueles que lutam diariamente pela sua sobrevivência e dos seus familiares.

    No meu caso, a renda representa 81% do meu rendimento de pensionista e não resido em nenhum condomínio privado ou prédio de luxo. Gostaria de vê-los no mesmo patamar do meu e ouvir depois o seu ganir…

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