🇵🇹 OPINIÃO
Quem gosta de teatro político teve esta quarta-feira um dia em cheio.
No extremo oriente da Rússia, no cosmódromo de Vostochny, a 1500 km a norte de Vladivostok, os comediantes foram Vladimir Putin e Kim Jong Un.
Uma parelha muito especial: um antigo oficial do KGB da era soviética, político habilidoso que se transformou ao longo de vinte e três anos no déspota autocrático do seu país, um estratega manipulador que vê o mundo à antiga, de modo imperial e reaccionário; do outro lado, um louco extravagante, que controla um país empobrecido que é simultaneamente uma espécie de campo de detenção colectiva, uma caserna imensa, cheia de oficiais de opereta vergados pelo peso das medalhas e do medo, e um paiol com rastilho curto e vários tipos de armas, incluindo as nucleares e os mísseis balísticos. Foi um encontro entre dois ditadores que são uma ameaça muito séria para a paz internacional.
Mais perto de nós, em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, Ursula von der Leyen também esteve em cena. Falou com optimismo de uma Europa democrática.
Fez um balanço positivo dos quatro anos que já passou à frente da Comissão Europeia e desafiou-nos a sonhar num futuro feito de grandes projectos e de novos Estados-membros, numa Europa alargada, se a Hungria e outros o permitirem.
Não disse se será candidata a um segundo mandato, em Junho do próximo ano, mas não fechou nenhuma porta. Foi uma maneira prudente de nos lembrar que tudo pode acontecer, neste tempo imprevisível que vivemos. Tem, no entanto, uma grande probabilidade de ser reeleita, se for candidata.
A maneira como respondeu à crise da pandemia, a coesão que conseguiu construir perante a invasão russa na Ucrânia, a aproximação com Washington e a maneira como trata a rivalidade comercial com a China e também com as grandes multinacionais americanas da área digital são cinco dos grandes trunfos que tem na manga.
Já Putin e Kim não precisam de falar do seu futuro político. Estão convencidos que têm impérios para mil anos. Em Vostochny falaram sobretudo da cooperação militar.
A Rússia pode ajudar nas áreas do nuclear e da conquista do espaço, que são duas obsessões de Kim. E a Coreia do Norte pode fornecer munições, obuses e outras peças de artilharia, embora os russos hesitem quanto à precisão desse material.
Mas o encontro tinha sobretudo várias dimensões políticas: mostrar que a Rússia e a Coreia do Norte se podem entender sozinhas, sem a intermediação da China, de quem não querem ser vassalos; que a Rússia poderá estar pronta a vetar, no Conselho de Segurança da ONU, qualquer renovação das sanções contra Pyongyang, quebrando assim a unanimidade que tem existido entre os membros permanentes, a não ser que os países ocidentais adoptem uma postura mais branda no seu relacionamento com Moscovo; e finalmente, os russos querem assinalar que a sua escalada do conflito com o Ocidente pode levá-los a incitar Kim Jong Un a cometer uma loucura bélica na sua parte do mundo. Isso levaria os EUA a virar toda a sua atenção para o nordeste da Ásia, deixando a Ucrânia para trás, em termos de apoio.
Regressando à Europa, o discurso de Ursula von der Leyen tinha outro tipo de preocupações. Ela e o seu grupo do centro-direita, o Partido Popular Europeu, de que o PSD e CDS-PP são membros, querem voltar a ganhar as eleições de 2024 para o Parlamento Europeu.
Para o conseguir, é preciso concentrar os discursos nas prioridades que preocupam os cidadãos da UE. Por isso, von der Leyen passou uma boa parte do seu tempo a falar em três temas que considera mobilizadores.
O primeiro respeita à economia, ao custo de vida, ao desemprego jovem e à concorrência vinda da China. Inclui igualmente a chamada revolução digital. Foi, no entanto, demasiado abstracta.
Não aprendeu com os presidentes americanos, que quando mencionam esses assuntos, contam uma ou duas estórias de pessoas reais, para ilustrar o problema. O segundo foi sobre o clima e a ambição no domínio das energias renováveis.
E o terceiro tratou da imigração, uma problemática que poderá tirar votos à direita e transferi-los para a extrema-direita. Esta é uma questão lateral no caso português, mas primordial na maioria dos países membros.
Por isso, dois dos grandes desafios da Europa passam pela luta contra a xenofobia e os radicais de direita. Na verdade, os próximos tempos devem ter como prioridades travar esses extremistas e o seu padrinho político, Vladimir Putin.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU
DN
Victor Ângelo
15 Setembro 2023 — 00:39
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 2 semanas ago