398: Observadores no Donbass. Não há pior cego do que aquele que não quer ver!

 

– Ainda tenho esperança que o PZP passe a partido do táxi como antigamente foi o CDS e que hoje nem isso é.

🇵🇹 OPINIÃO

Manuel Pires da Rocha é um cidadão português, professor de violino numa escola pública, membro da Direcção do Sindicato dos Professores da Região Centro.

É, portanto, alguém que se insere no tecido social português, vive em Portugal, país que é uma democracia ocidental, e por cá faz a sua vida com a liberdade de se inserir num partido que tem representação parlamentar.

Sabe, por experiência própria, o que são eleições livres, conhece a liberdade de imprensa. O sindicato de que é membro tem toda a liberdade de reunião e associação.

Pode exigir, criticar o governo e as restantes instituições da nosso edifício democrático, manifestar-se, produzir informação livre. O cidadão Manuel Pires da Rocha, antigo membro da Brigada Vitor Jara, tem garantias democráticas de toda a protecção da sua pessoa, da sua família e dos seus bens.

Sabe que um agente de uma qualquer polícia não lhe entra pela casa dentro sem um mandado de busca, emitido por um juiz. Tem consciência, também que, em Portugal, não há polícia política que lhe vigie e condicione o pensamento.

Que o direito de se manifestar é respeitado e ninguém o vai prender ou violentar por a sua organização sindical decidir ir protestar frente à residência do primeiro-ministro ou às portas do Palácio de Belém.

Não, ninguém o envenena, não cai, misteriosamente, de nenhuma varanda, nem aparece enforcado em condições indecifráveis.

Moral da história: Manuel Pires da Rocha, membro da comissão concelhia do Coimbra do PCP vive a sua vida, calmamente, e insere-se num país da Europa Ocidental, membro da União Europeia e pertencente ao bloco defensivo da NATO.

Manuel Pires da Rocha, juntamente, com o sérvio Srdjan Perisic, o indonésio Fauzan Al Rashid, e Natalie Yamb, dos Camarões, foram os cidadãos convidados como observadores às “eleições” desencadeadas pelo Kremlin nas quatro regiões ucranianas, ilegalmente, ocupadas do Donbass, nomeadamente, Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporíjia.

Na sua singular tarefa de “observação” nenhum dos quatro perspicazes observadores se lembrou do massacre praticado pelas tropas russas no teatro de Mariupol, na região de Donetsk, onde se encontravam dezenas de crianças e grávidas e, no chão, no exterior, estava escrita a palavra “crianças”, na esperança que as tropas russas as poupassem às bombas.

Na sua azáfama de “observação” nas “eleições” no Donbass, nenhum dos quatro deu conta das irregularidades e fraudes registadas no “processo eleitoral” por outros observadores, estes independentes.

Dos quatro, nenhum se apercebeu das deportações ilegais e forçadas registadas no Donbass. Não repararam nas intimidações, na violação dos direitos humanos.

Não lhes foi dito que Kherson é uma região ucraniana que está, parcialmente, ocupada pela Rússia e que, isso, é mais do que suficiente para anular qualquer hipótese de credibilidade destas “eleições”?

Ninguém falou a Manuel Pires da Rocha e aos seus três companheiros de vigília eleitoral, da prática de funcionários russos que fizeram visitas ao domicílio acompanhados por soldados armados forçando os cidadãos a irem votar.

Não, pelos vistos tudo isto passou ao lado de Manuel Pires Rocha e dos seus três outros compagnons de route.

Bem, pelo contrário, no Donbass, Manuel Pires da Rocha só viu democracia e uma “atmosfera de liberdade”. Disse ele, em declarações a um jornal russo, que ” se pudesse descrever o que está a acontecer (no Donbass) escolheria a palavra “esperança”.

Pois é! Talvez Manuel Pires da Rocha e os três companheiros “observadores ” necessitem, com urgência, de uma consulta oftalmológica.

A sua “visão” deve estar de tal modo comprometida, que até o Partido Comunista, talvez num sibilino exercício de hipocrisia política, fez questão de se distanciar, ao afirmar que a presença de Manuel Pires da Rocha, no Donbass, foi ” totalmente alheia a qualquer decisão do PCP”.

Na verdade, não há pior cego do que aquele que não quer ver.

Jornalista

DN
António Capinha
15 Setembro 2023 — 00:39


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 1 semana ago

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397: O grotesco e o íntimo, parelha de sucesso

 

🇵🇹 OPINIÃO

Quando, por volta do ano 2000, surgiu na televisão o Big Brother, com grande comoção nacional, ainda não sabíamos que toda uma era de grotesco posto em público se inaugurava. Na altura estava a trabalhar como guionista para um programa da RTP2, o que me alertava especialmente para o que se passava na televisão.

E pôr nos écrans do país aquilo que até então era do foro da intimidade, numa experiência social televisionada, foi efectivamente uma rotura com uma sociedade de bons costumes, aparente, a mesma que, poucos anos antes, havia cancelado um programa de Herman José por supostamente apoucar a história nacional, com imenso humor, inteligente, mas que, pouco tempo depois, via embevecida cenas de sexo entre desconhecidos em prime time.

Desde então, em Portugal e por todo o mundo, a atração pelo íntimo e pelo grotesco tornaram-se quase a regra em televisão. Até porque esta, pressionada pelas plataformas de streaming e pelo demais mundo com base na Internet, se tornou uma espécie de serviço universal mínimo de companhia, competindo, pelo grotesco e pelo íntimo, com toda a partilha privada que somos convidados a colocar em público. Com uma dose de elitização elevada, claro: quem pode pagar mais, por conteúdos melhores, fá-lo.

Sem grande exaustividade, encontramos hoje na oferta televisiva, contando com os canais por cabo, conteúdos, para além de Big Brothers diversos e suas declinações, que oferecem voyeurismo ao longo das 24 horas sobre pelo menos cirurgias estéticas mamárias, problemas e deformações podológicas, condições médicas dermatológicas, assédio nas redes sociais e usurpação de identidades, acidentes dramáticos de aviação, supostos namoros e casamentos brancos – essencialmente para a obtenção da nacionalidade norte-americana ou da possibilidade de aí viver -, a vida de obesos mórbidos, exploração de crianças de 6 e 7 anos em concursos de beleza, namoros de desespero pressionados para um casamento, avaliações de corpos nus, deformações físicas diversas e as suas épicas correcções médicas, competições basais de ciúme e soft porn entre grupos de jovens sempre seminus e usualmente idiotas, etc.

Há que acrescentar à leveza e ao cansaço de Lipovetsky e de Byung-Chul Han, seguramente a atracção e a rentabilização do grotesco e do íntimo como traços do nosso colectivo de hoje.

Sim, apreciamos a ludificação e o consumo, a ligeireza e a aparente rapidez de tudo, a simplicidade em alternativa ao mais demorado e exigente.

E vivemos, não obstante, exaustos, alimentados a antidepressivos, ansiolíticos e álcool e a feedbacks nas redes. Mas também estamos viciados no consumo do supostamente privado, não apenas de famosos, o que era um clássico histórico, mas também de pessoas banais.

No fundo, a nossa própria intimidade, que é glosada em público por duplos de nós mesmos, já que nem todos estamos em condições de criar canais no OnlyFans, onde possamos mostrar o corpo e dizer obscenidades a troco de dinheiro.

Este fim da intimidade, que manifestamente vivemos, pode ser apenas uma consequência natural e necessária das últimas duas décadas, quando a Internet começou a mudar tudo. Talvez assim venha a ser apelidada, dentro de um século, quando a história se fizer para este tempo.

Terá coisas positivas, naturalmente, como a liberdade de discussão sobre temas que estavam aprisionados, com custos diversos, privados e públicos. Mas o fim da intimidade, e a devoção pelo grotesco, trazem também um grau elevado de eliminação do pudor – e isso tem consequências políticas, para a comunidade.

O discurso político que faz apelo ao grotesco, ao até aqui indizível, aquilo que ficava preso à mesa após o copo excessivo, está na rua. Não estamos aqui já a falar apenas de quistos cuja extirpação é televisionada: estamos a falar do despudor em aviltar grupos de pessoas, da legitimação para invadir instituições públicas, da possibilidade de usar linguagem, ou seja, manifestações de poder, que representam mentiras ou mero aproveitamento abusivo em direcção ao poder.

E isso é o drama, o drama que se segue após o anterior. Depois da estética e do gosto, supostamente privados, pode sempre sucumbir o público.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

DN
Miguel Romão
15 Setembro 2023 — 00:39


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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396: Ursula von der Leyen e, noutro universo, Vladimir Putin e Kim Jong Un

 

🇵🇹 OPINIÃO

Quem gosta de teatro político teve esta quarta-feira um dia em cheio.

No extremo oriente da Rússia, no cosmódromo de Vostochny, a 1500 km a norte de Vladivostok, os comediantes foram Vladimir Putin e Kim Jong Un.

Uma parelha muito especial: um antigo oficial do KGB da era soviética, político habilidoso que se transformou ao longo de vinte e três anos no déspota autocrático do seu país, um estratega manipulador que vê o mundo à antiga, de modo imperial e reaccionário; do outro lado, um louco extravagante, que controla um país empobrecido que é simultaneamente uma espécie de campo de detenção colectiva, uma caserna imensa, cheia de oficiais de opereta vergados pelo peso das medalhas e do medo, e um paiol com rastilho curto e vários tipos de armas, incluindo as nucleares e os mísseis balísticos. Foi um encontro entre dois ditadores que são uma ameaça muito séria para a paz internacional.

Mais perto de nós, em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, Ursula von der Leyen também esteve em cena. Falou com optimismo de uma Europa democrática.

Fez um balanço positivo dos quatro anos que já passou à frente da Comissão Europeia e desafiou-nos a sonhar num futuro feito de grandes projectos e de novos Estados-membros, numa Europa alargada, se a Hungria e outros o permitirem.

Não disse se será candidata a um segundo mandato, em Junho do próximo ano, mas não fechou nenhuma porta. Foi uma maneira prudente de nos lembrar que tudo pode acontecer, neste tempo imprevisível que vivemos. Tem, no entanto, uma grande probabilidade de ser reeleita, se for candidata.

A maneira como respondeu à crise da pandemia, a coesão que conseguiu construir perante a invasão russa na Ucrânia, a aproximação com Washington e a maneira como trata a rivalidade comercial com a China e também com as grandes multinacionais americanas da área digital são cinco dos grandes trunfos que tem na manga.

Já Putin e Kim não precisam de falar do seu futuro político. Estão convencidos que têm impérios para mil anos. Em Vostochny falaram sobretudo da cooperação militar.

A Rússia pode ajudar nas áreas do nuclear e da conquista do espaço, que são duas obsessões de Kim. E a Coreia do Norte pode fornecer munições, obuses e outras peças de artilharia, embora os russos hesitem quanto à precisão desse material.

Mas o encontro tinha sobretudo várias dimensões políticas: mostrar que a Rússia e a Coreia do Norte se podem entender sozinhas, sem a intermediação da China, de quem não querem ser vassalos; que a Rússia poderá estar pronta a vetar, no Conselho de Segurança da ONU, qualquer renovação das sanções contra Pyongyang, quebrando assim a unanimidade que tem existido entre os membros permanentes, a não ser que os países ocidentais adoptem uma postura mais branda no seu relacionamento com Moscovo; e finalmente, os russos querem assinalar que a sua escalada do conflito com o Ocidente pode levá-los a incitar Kim Jong Un a cometer uma loucura bélica na sua parte do mundo. Isso levaria os EUA a virar toda a sua atenção para o nordeste da Ásia, deixando a Ucrânia para trás, em termos de apoio.

Regressando à Europa, o discurso de Ursula von der Leyen tinha outro tipo de preocupações. Ela e o seu grupo do centro-direita, o Partido Popular Europeu, de que o PSD e CDS-PP são membros, querem voltar a ganhar as eleições de 2024 para o Parlamento Europeu.

Para o conseguir, é preciso concentrar os discursos nas prioridades que preocupam os cidadãos da UE. Por isso, von der Leyen passou uma boa parte do seu tempo a falar em três temas que considera mobilizadores.

O primeiro respeita à economia, ao custo de vida, ao desemprego jovem e à concorrência vinda da China. Inclui igualmente a chamada revolução digital. Foi, no entanto, demasiado abstracta.

Não aprendeu com os presidentes americanos, que quando mencionam esses assuntos, contam uma ou duas estórias de pessoas reais, para ilustrar o problema. O segundo foi sobre o clima e a ambição no domínio das energias renováveis.

E o terceiro tratou da imigração, uma problemática que poderá tirar votos à direita e transferi-los para a extrema-direita. Esta é uma questão lateral no caso português, mas primordial na maioria dos países membros.

Por isso, dois dos grandes desafios da Europa passam pela luta contra a xenofobia e os radicais de direita. Na verdade, os próximos tempos devem ter como prioridades travar esses extremistas e o seu padrinho político, Vladimir Putin.

Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

DN
Victor Ângelo
15 Setembro 2023 — 00:39


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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