393: Brasília e a sobrevivência animal

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🇧🇷 OPINIÃO

Antes de dormirem, os esquilos da Sibéria tomam um aconchegante banho numa poça de urina de cobra para afastarem eventuais predadores noturnos. Para evitarem infeções, às vezes mortais, as girafas têm o hábito, tão humano, de tirar macacos (ou meleca, no Brasil) do nariz.

Porém, por razões práticas, não usam as patas. E sim a língua. Os sapos do Sri Lanka são mais longevos do que os vizinhos, segundo pesquisadores, por viverem, protegidos e aquecidos, nas fezes dos elefantes.

Os bebés ornitorrincos sobrevivem graças ao suor das mães transformado em leite. No deserto, até os abutres sofrem com as queimaduras solares, sobretudo, nas patas, a parte do corpo menos protegida pelas penas. Sem protetor solar à mão, defecam sobre elas.

O que tem uma coluna versada na política brasileira a ver com os exemplos mais repugnantes de sobrevivência animal? Acertou: tudo. Quem tende a sentir nojo, repulsa, náusea ou asco com facilidade tem bom remédio, não ande na selva, nem caminhe por Brasília.

Exemplo: na semana passada, o presidente Lula da Silva demitiu Ana Moser, uma ministra independente e competente do Desporto, para colocar André Fufuca no cargo. Fufuquinha, como lhe chamam, é protegido de Arthur Lira, o presidente da Câmara dos Deputados que, em troca das verbas agora à disposição deste prodígio de 34 anos, dará luz verde às votações consideradas prioritárias pelo Governo na casa.

Autor da frase “Se Jesus fosse presidente do Brasil aliava-se até com Judas”, Lula sabe que desde a redemocratização, em 1988, o recorde de deputados eleitos por um partido – o PFL, em 1998 – foi 106, num universo de 513, isto é, cerca de 20% do total.

Portanto, mesmo os maiores fenómenos de popularidade no Brasil, como ele, votado por mais de 60 milhões em 2022, têm de recorrer a (muitos) outros partidos para obter maioria na Câmara dos Deputados.

Quem tende a sentir nojo, repulsa, náusea ou asco com facilidade tem bom remédio, não ande na selva, nem caminhe por Brasília.

Por outro lado, como no país a tradição do pluripartidarismo é acompanhada pelo sistema de representação proporcional com listas abertas, muitas dessas formações tendem a ser uma soma de indivíduos sem direção partidária forte nem identificação programática clara.

Dito por outras palavras, um número generoso de parlamentares, segundo os cientistas políticos em torno de 150 ou 200, são interesseiros profissionais, como Fufuquinha, a quem o Governo, se quiser ter maioria na Câmara, aprovar projetos, enfim, governar, é obrigado a recorrer.

Collor de Mello caiu não apenas por profunda incompetência, mas por ter sido largado por esses oportunistas, a quem mais tarde se convencionou chamar de Centrão. Presidentes tampão, como Itamar Franco e, depois, Michel Temer, eram expoentes do Centrão.

Fernando Henrique Cardoso passa metade dos livros de memórias a lamentar ter de lidar com o Centrão. Lula, que na Oposição demonizava as negociatas com o Centrão, quando chegou ao poder institucionalizou uma mesada para o saciar. Dilma Rousseff, que não engolia o Centrão, foi derrubada por ele. E Jair Bolsonaro, que em campanha chamava o Centrão de “ladrão”, tornou-se o maior dos seus cúmplices por – cá está – instinto de sobrevivência.

O instinto que leva Lula, de volta ao Planalto, a abraçar, aos sorrisos, gente que em circunstâncias normais ele deveria desprezar.

Mas, voltando à natureza, há um animal que, para sobreviver a períodos de escassez, tem um estômago capaz de comportar e digerir quase 50% do seu peso: é a lula.

Jornalista, correspondente em São Paulo

DN
João Almeida Moreira
14 Setembro 2023 — 00:13


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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