🇵🇹 OPINIÃO
Sentia una extraña tristeza
como si el crepúsculo
cayese sobre mi vida
Ramón del Valle Inclán,
Sonata de Otoño
Com as mudanças climáticas em curso, estamos a perder a suave melancolia do outono, das chuvas breves e das folhas mortas, dos longos soluços e dos violinos sem tempo. Vivemos entre ondas de calor sufocantes e chuvadas torrenciais, e resmungamos entre dentes “já não há estações”.
E mesmo que tenhamos compreendido as terríveis verdades que a Ciência nos comunica dia a dia, em nada ou quase nada vemos modificar-se o estado de coisas e, apesar das lutas que em todo o mundo se levantam contra o sistema que nos leva à destruição, os poderes políticos reconhecem, mas contornam o problema, ou assumem meras medidas de mitigação.
Não sei bem, é claro, que medidas deveriam ser tomadas. Apenas me assusta que a Ciência mais confiável e credível nos faça um apelo a que respondemos com tão pouca força e convicção.
Há uma coisa só que a História nos ensinou: o processo de evolução e transformação das sociedades humanas é deveras lento e totalmente imprevisível.
O caminho do progresso não leva necessariamente a um mundo melhor, mas oferece-nos utensílios e modelos que nos dão uma visão mais apurada e rigorosa do mundo que nos rodeia e aumentam a nossa capacidade de intervir sobre ele.
O atraso moral dos nossos cérebros, porém, não acompanha esta evolução ou utiliza-a para os seus jogos primários de poder.
Com as mudanças climáticas em curso, podemos estar a perder o sabor e a melancolia do outono. E, no entanto, ele vive e viverá para além de nós.
A nossa esperança, ao contrário do ideal das passadas gerações, está na imprevisibilidade dos acontecimentos e não em quaisquer leis alegadamente científicas que leiam por nós na bola de cristal do futuro.
Esperar não é, contudo, ficarmos sentados a ver o tempo passar, é lutar “por quanto nos pareça a liberdade e a justiça ou. mais que qualquer delas. uma fiel dedicação à honra de estar vivo” (Jorge de Sena) e não nos reduzirmos à passividade para que tudo nesta sociedade nos convida e chama.
Todas as lutas contra a redução e instrumentalização da nossa humanidade num campo de forças digital e matemático, seja a submissão da nossa economia e dos nossos trabalhadores aos algoritmos sem surpresa dos poderes e interesses financeiros, seja o desaparecimento dos livros e da leitura das nossas escolas, seja a extinção progressiva do ensino das Artes e das Humanidades, todas as lutas que tenham por fim contrariar e sabotar este mecanismo perverso de desumanização, todas essas lutas nos são essenciais para podermos sobreviver como Humanidade.
As guerras actuais mostram, porém, que as nossas decisões e as nossas emoções estão desfasadas dos problemas que nos ameaçam e que continuamos a travar guerras de conquista e de anexação, idênticas às dos séculos passados.
Interrogamo-nos até, os mais imaginativos, se a Inteligência Artificial que criámos não terá vindo ao mundo para substituir e dominar os nossos cérebros ainda reptilianos.
Mas se perdêssemos aquilo que nos destrói, a pulsão de morte, a vontade de guerra, este desejo febril de vencer, não perderíamos ao mesmo tempo o sentimento da beleza, os sabores do outono, a música de Mozart? E entenderíamos o poeta John Keats quando nos diz que “a thing of Beauty is a joy for ever“?
Com as mudanças climáticas em curso, podemos estar a perder o sabor e a melancolia do outono. E, no entanto, ele vive e viverá para além de nós. E nenhuma Inteligência Artificial será capaz de o entender e o saborear, no meio de tantas chuvadas e ondas de calor…
Diplomata e escritor
DN
Luís Castro Mendes
12 Setembro 2023 — 01:21
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 1 semana ago