388: A história da família Ulma deve ser conhecida em todo o mundo

 

– “… O plano alemão para o extermínio total dos judeus – terrível no seu carácter desumano, mecânico, quase industrial – teve de ter em conta estes factos.

Não difere, em nada, da tentativa de extermínio do povo ucraniano perpetrado por um russonazi psicopata terrorista que se julga um deus para decidir quem vive e quem morre, sem que a justiça caia em cima dele!

🇵🇱 OPINIÃO

Uma Bíblia gasta e amarelada, aberta na página da parábola do Bom Samaritano, com o título desta passagem marcado com uma linha vermelha e uma anotação manuscrita: “SIM!” – É precisamente esta imagem que surge diante dos meus olhos cada vez que o meu pensamento volta ao Museu da Família Ulma dedicado aos polacos que salvaram os judeus durante a Segunda Guerra Mundial, na cidade de Markowa, no sul da Polónia.

O referido exemplar das Sagradas Escrituras pertencia ao casal Józef e Wiktoria Ulma. Eram agricultores polacos que na sua casa abrigaram oito compatriotas judeus: Saul Goldman com os seus quatro filhos, Gołda Grünfeld e Lea Didner com uma filha pequena. Pouco antes do amanhecer a 24 de Março de 1944, os gendarmes alemães invadiram a quinta dos Ulma em Markowa.

Fuzilaram no local os judeus escondidos e os seus protectores. Não só assassinaram Józef Ulma e a sua mulher Wiktoria, que estava grávida, mas também os seus seis filhos pequenos.

A ocupação alemã nazi, o Holocausto e as atrocidades em massa contra os polacos são um assunto extremamente importante e ainda doloroso que atravessa a história do meu país.

O destino da família Ulma foi partilhado por muitos dos meus compatriotas. No dia 24 de Março de cada ano celebramos um feriado: o Dia Nacional em Memória dos Polacos que Salvaram os Judeus sob a ocupação alemã.

Antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Polónia tinha uma comunidade judaica muito grande, uma das maiores da história do país.

Durante séculos, os judeus desejaram instalar-se no nosso país, que eles próprios denominaram com uma palavra fácil de pronunciar: Polin, traduzida de hebraico como “aqui descansarás”.

Desfrutavam de paz e de oportunidades de desenvolvimento na Polónia, e a nossa capital, Varsóvia, no final da década de 1930, era o segundo centro de população judaica no mundo, a seguir de Nova Iorque.

Como polacos, temos orgulho de que no dia 10 de Setembro de 2023 a família Ulma – os nossos compatriotas – tenha sido incluída nas fileiras dos Beatos da Igreja Católica. A importância deste evento vai além da dimensão religiosa. Foi também uma homenagem aos heróis que personificam os ideais mais elevados da Humanidade.

O plano alemão para o extermínio total dos judeus – terrível no seu carácter desumano, mecânico, quase industrial – teve de ter em conta estes factos. Por esta razão, na Polónia ocupada, os nazis alemães criaram fábricas de morte: os campos de extermínio para onde também eram transportados judeus de outros países conquistados pelo Terceiro Reich.

Além disso, a Polónia foi famosa durante séculos como um país tolerante, um país onde a cultura e as relações sociais eram moldadas por valores cristãos.

Portanto, as autoridades de ocupação alemãs esperavam encontrar resistência às suas acções criminosas. Por isso ameaçaram matar cada pessoa na nossa terra que tentasse oferecer qualquer tipo de apoio a um judeu escondido.

No entanto, apesar desta temível sanção, milhares de judeus polacos receberam apoio para salvar as próprias vidas. Eram ajudados a fugir do gueto, recebiam lugares secretos para se esconder, comida, dinheiro e documentos falsos.

Os historiadores continuam a reconstruir o curso dos acontecimentos dramáticos daqueles anos. Até à data, mais de 7 mil polacos, incluindo Wiktoria e Józef Ulma, já receberam o título de Justos entre as Nações do Instituto Yad Vashem, com sede em Jerusalém.

Neste venerável grupo de Justos, os polacos constituem o maior grupo nacional. As autoridades polacas e as instituições estatais continuam os seus esforços para homenagear dignamente estes heróis silenciosos e muitas vezes anónimos, particularmente aqueles que pagaram a generosidade e bravura com as próprias vidas.

Como polacos, temos orgulho de que no dia 10 de Setembro de 2023 a família Ulma – os nossos compatriotas – tenha sido incluída nas fileiras dos Beatos da Igreja Católica.

A importância deste evento vai além da dimensão religiosa. Foi também uma homenagem aos heróis que personificam os ideais mais elevados da Humanidade.

A história do seu martírio – que nos comove e, ao mesmo tempo, inspira é um extraordinário testemunho de amor aos nossos próximos – deveria ser conhecida em todo o mundo. Queremos que transforme os corações das pessoas e que seja um modelo de abertura e solidariedade para com os outros.

Presidente da República da Polónia

DN
Andrzej Duda
12 Setembro 2023 — 01:21


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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387: Sonata de outono

 

🇵🇹 OPINIÃO

Sentia una extraña tristeza
como si el crepúsculo
cayese sobre mi vida

Ramón del Valle Inclán,
Sonata de Otoño

Com as mudanças climáticas em curso, estamos a perder a suave melancolia do outono, das chuvas breves e das folhas mortas, dos longos soluços e dos violinos sem tempo. Vivemos entre ondas de calor sufocantes e chuvadas torrenciais, e resmungamos entre dentes “já não há estações”.

E mesmo que tenhamos compreendido as terríveis verdades que a Ciência nos comunica dia a dia, em nada ou quase nada vemos modificar-se o estado de coisas e, apesar das lutas que em todo o mundo se levantam contra o sistema que nos leva à destruição, os poderes políticos reconhecem, mas contornam o problema, ou assumem meras medidas de mitigação.

Não sei bem, é claro, que medidas deveriam ser tomadas. Apenas me assusta que a Ciência mais confiável e credível nos faça um apelo a que respondemos com tão pouca força e convicção.

Há uma coisa só que a História nos ensinou: o processo de evolução e transformação das sociedades humanas é deveras lento e totalmente imprevisível.

O caminho do progresso não leva necessariamente a um mundo melhor, mas oferece-nos utensílios e modelos que nos dão uma visão mais apurada e rigorosa do mundo que nos rodeia e aumentam a nossa capacidade de intervir sobre ele.

O atraso moral dos nossos cérebros, porém, não acompanha esta evolução ou utiliza-a para os seus jogos primários de poder.

Com as mudanças climáticas em curso, podemos estar a perder o sabor e a melancolia do outono. E, no entanto, ele vive e viverá para além de nós.

A nossa esperança, ao contrário do ideal das passadas gerações, está na imprevisibilidade dos acontecimentos e não em quaisquer leis alegadamente científicas que leiam por nós na bola de cristal do futuro.

Esperar não é, contudo, ficarmos sentados a ver o tempo passar, é lutar “por quanto nos pareça a liberdade e a justiça ou. mais que qualquer delas. uma fiel dedicação à honra de estar vivo” (Jorge de Sena) e não nos reduzirmos à passividade para que tudo nesta sociedade nos convida e chama.

Todas as lutas contra a redução e instrumentalização da nossa humanidade num campo de forças digital e matemático, seja a submissão da nossa economia e dos nossos trabalhadores aos algoritmos sem surpresa dos poderes e interesses financeiros, seja o desaparecimento dos livros e da leitura das nossas escolas, seja a extinção progressiva do ensino das Artes e das Humanidades, todas as lutas que tenham por fim contrariar e sabotar este mecanismo perverso de desumanização, todas essas lutas nos são essenciais para podermos sobreviver como Humanidade.

As guerras actuais mostram, porém, que as nossas decisões e as nossas emoções estão desfasadas dos problemas que nos ameaçam e que continuamos a travar guerras de conquista e de anexação, idênticas às dos séculos passados.

Interrogamo-nos até, os mais imaginativos, se a Inteligência Artificial que criámos não terá vindo ao mundo para substituir e dominar os nossos cérebros ainda reptilianos.

Mas se perdêssemos aquilo que nos destrói, a pulsão de morte, a vontade de guerra, este desejo febril de vencer, não perderíamos ao mesmo tempo o sentimento da beleza, os sabores do outono, a música de Mozart? E entenderíamos o poeta John Keats quando nos diz que “a thing of Beauty is a joy for ever“?

Com as mudanças climáticas em curso, podemos estar a perder o sabor e a melancolia do outono. E, no entanto, ele vive e viverá para além de nós. E nenhuma Inteligência Artificial será capaz de o entender e o saborear, no meio de tantas chuvadas e ondas de calor…

Diplomata e escritor

DN
Luís Castro Mendes
12 Setembro 2023 — 01:21


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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386: Subsídios para o encarecer da habitação

 

🇵🇹 OPINIÃO

Antes de discutirmos se devemos ou não seguir a Dinamarca e o Canadá e obstaculizar a compra de casas por não-residentes, que tal pararmos de lhes despejar dinheiro em cima para as encarecerem?

Por estes dias recebi um email de um tal Sam a perguntar se estou a pensar reformar-me. Ora o Sam, que por qualquer motivo empreendeu que não sou europeia, quer-me informar sobre quais os melhores “visas” europeus para reformados. E, de acordo com o link que me disponibiliza, é mesmo o do país onde vivo. Portugal, fico a saber, alcança 7,83 pontos em 10. Motivos?

Além do sol, das praias e do vinho, mais o custo de vida “razoavelmente baixo” e o nível de paz (estamos no top mundial dos países mais seguros e pacíficos) – o costume, portanto – parece que, o que me surpreendeu, a percentagem de população com mais de 65 anos é outra vantagem.

Não explicam porquê, mas se calhar os reformados querem conviver com outros idosos (mesmo pobrezinhos), ou não gostam de ver muita gente nova aos pulos a fazer barulho.

O que certificam é que, mal-grado tanta gente de idade e portanto a precisar de mais cuidados de saúde, “uma das facetas mais relevantes” das vantagens portuguesas é (quem diria?) o nosso sistema de saúde, “entre os melhores do mundo”.

E diz o site em causa, “Where can I live“(“Onde posso viver”): “Para reformados, isto significa o acesso a serviços médicos, instalações e profissionais de primeira, a uma fracção do custo praticado nos EUA.”

A poupança nestes cuidados de saúde providenciados pelo país com base nos impostos dos residentes é tanto mais atractiva quando o prospectivo residente estrangeiro (neste caso americano, pelos vistos) reformado também tem ao seu dispor um belíssimo benefício fiscal: “O esquema de residente não habitual oferece vantagens significativas para os reformados.

Embora mudanças em 2020 as tenham diminuído em parte, as taxas de imposto aplicáveis são ainda assim muito mais baixas que em vários países europeus ocidentais.”

Indeed, ó Sam: a taxa passou de zero para 10%, o que ainda é muito bom. Como frisava em 2021 o articulista João Antunes, da Ordem dos Contabilistas Certificados, no Jornal de Negócios, enquanto que um residente português com uma pensão anual de 15 mil euros (com o valor bruto de 1071 euros/mês, líquido de 950) tem uma taxa de tributação efectiva de cerca de 11,3%, um residente não habitual que aufira uma pensão de 48 mil euros paga apenas, durante dez anos a partir da obtenção desse estatuto, 10% (isto se não o tiver obtido até 31 de Março de 2020; nesse caso, paga zero de imposto até fazer uma década – era esse o regime em vigor desde 2009).

E não vamos sequer comparar com o que paga de imposto um residente habitual que aufira uma pensão anual de por exemplo 30 mil euros, para não ficarmos mal dispostos.

Mesmo sem enchermos isto de contas, porém, reflictamos um pouco: uma vez que vários países da Europa têm regimes deste tipo – Portugal não está sozinho nesta coisa de fazer saldos fiscais a estrangeiros pensionistas – deve haver alguma vantagem.

E deve estar explícita em algum lado, por exemplo no preâmbulo do decreto-lei n.º 249/2009 de 23 de Setembro, que criou cá tal possibilidade.

Vejamos: “A crescente projecção de Portugal no cenário mundial obriga a uma reflexão profunda sobre as orientações negociais nas relações económicas internacionais, sendo, nesta perspectiva, imperioso que seja delineada uma estratégia fiscal global assente nos actuais paradigmas da competitividade.”

Tais paradigmas, continua o texto (muito chato, diga-se), implicam que “os instrumentos de política fiscal internacional devam funcionar como factor de atracção da localização dos factores de produção, da iniciativa empresarial e da capacidade produtiva no espaço português.” Muito bem. E que tem isso a ver com pensionistas? À primeira vista, nada.

Porém, como sublinha, a propósito deste decreto-lei, um estudo de 2022 sobre tributação, estava-se em plena crise económico-financeira mundial – a atracção de investimento estrangeiro, inclusive em imobiliário, surgia como primordial.

Parece impossível visto daqui, mas até 2013 o mercado imobiliário nacional afundou, com os preços a descerem a pique. Trazer pensionistas endinheirados para Portugal, acenando-lhes com zero impostos, era mais uma forma de o Estado subsidiar o sector e ressuscitar a economia.

A questão que se tem de colocar é a que ponto faz algum sentido, com a actual crise habitacional – que dura há pelo menos cinco anos – manter esta medida, que em 2022 custou, englobando os benefícios fiscais a todos os residentes não habituais, e não apenas aos pensionistas, 1.507,9 milhões de euros (subindo de 1.271,8 milhões em 2021 e de 972,2 em 2020).

Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, o gasto anual da Segurança Social em 2021 com subsídio de desemprego e apoio ao emprego foi 1592,5 milhões, e com o sempre tão vilipendiado Rendimento Social de Inserção de 356 milhões.

Aliás um relatório de 2021 do Observatório Fiscal da União Europeia apontou este regime português de excepção para pensionistas não-residentes como “dos mais prejudiciais da UE”.

E explica porquê: “Estes regimes têm longas durações, grandes vantagens fiscais e visam apenas indivíduos de rendimentos muito elevados ou não se repercutem numa actividade económica real no Estado-membro.”

“Não se repercutem numa actividade económica real no Estado-membro”. Excepto, claro, se falarmos com empresas de mediação imobiliária: na perspectiva destas, os descontos de impostos a não-residentes repercutem-se e como.

De acordo com algumas dessas empresas, estes incentivos fiscais – que custam aquele balúrdio ali em cima – são fundamentais para que se continuem a vender as casas de “topo do mercado”, as que custam de um milhão para cima.

Sucede que, e estas empresas sabem-no melhor que eu, as casas de “um milhão para cima” de hoje são as que há 14 anos custavam 250 mil euros – ou menos.

E isso sucedeu devido a uma mistura de factores, entre eles o da chegada de estrangeiros com poder de compra (e mais ainda por não pagarem impostos) para comprar casas mais caro.

Enquanto, no desespero de combater uma crise habitacional mundial, há cada vez mais países a debater a interdição e já a interditar a venda a não-residentes, Portugal continua a assim subsidiar o sector imobiliário – é sobretudo disso que se trata, não é? – com mais de mil milhões anuais, de modo a que este aumente mais e mais os preços.

Por graça, esta segunda-feira saiu no Público uma notícia sobre um estudo no qual, partindo da asserção de que os não-residentes encarecem o preço da habitação, se propõe, ao invés de lhes dificultar a compra de casas, se usar esses “ganhos de capital com a compra de habitação” para subsidiar os residentes.

Olha se alguém se lembra de pegar nesta ideia: subsidiamos os estrangeiros para comprarem cá casa e encarecerem os preços, e depois, com o “ganho” desse encarecimento, damos uma esmola aos que cá vivem, pagam os impostos por inteiro e não conseguem arranjar um sítio para viver.

É um estudo divulgado pelo Banco de Portugal, não deve ser a gozar. E, na verdade, nem faz assim tanta diferença da situação em que estamos.

DN
Fernanda Câncio
12 Setembro 2023 — 01:20


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



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