381: Colapso climático: viver diariamente com febre

 

🇵🇹 OPINIÃO

O mês, o ano, a década mais quente de sempre, e por aí fora. Quando António Guterres disse há dias que o colapso climático começou, a frase assemelhava-se à dita dois meses antes quando sublinhou que deixamos de estar na era do aquecimento global e passamos para a da ebulição global.

Eficaz? O aviso de que a temperatura não pode passar de 1,5 a 2 graus face à era pré-industrial tem falhado. Não há sinais de emergência extrema.

A questão é que vivemos bem com esta ideia de que 1,5 a 2 graus a mais não faz grande diferença – ideia totalmente errada porque o problema não é a temperatura do ar, é a temperatura do planeta.

Só se pode explicar bem isto recorrendo à física dos próprios humanos: alguém imagina viver, dia após dia, com uma temperatura média de 38,5 ou 39 graus em vez de 37? E nos dias em que a temperatura chega a 40 ou 42 graus? O nosso corpo ficaria exaurido.

Perderíamos as defesas. Desidrataríamos permanentemente até morrermos. Mas é isto que está a acontecer a este frágil planeta onde, por um milagre de equilíbrio entre Sol, ar e água, surgimos temporariamente.

No entanto, nesta alucinação colectiva do presente, nem damos conta que a bola de neve está a começar a descer a montanha. Menos gelo no árctico, mais calor na atmosfera.

Mais tempestades, menos colheitas. Fome. Menos emprego, crises sociais. Violência. Incêndios, menos árvores, menos água nos solos. Seca. Subida do nível do mar, cidades inundadas. Milhões de pobres e migrações.

Foi isto que Guterres disse, como Greta disse, como tanta gente diz: a bola de neve está a soltar-se montanha abaixo. Os incêndios da Grécia e do Havai são do mesmo tipo dos de Pedrogão ou da Califórnia ou da Austrália.

As recentes inundações da Coreia do Sul, Hong Kong, Brasil e centro da Europa são do tipo que se abateu sobre Lisboa em Novembro passado – pequena amostra do que aí pode vir. E imagine-se o que será de Lisboa com a subida do nível do mar.

Isto interessa realmente à maioria das pessoas? Interessa a muita gente que tem poucas ferramentas para agir no quotidiano e faz o que pode – recicla lixo, poupa energia, anda mais a pé, utiliza escadas, opta mais pelo transporte público do que pelo carro.

Mas o que é grave não é apenas a falta de mobilização de fundo das sociedades e das economias para uma causa tão esmagadora.

O negacionismo é em si mesmo um problema dramático porque introduz mensagens que fazem acreditar numa tecnologia, sempre futura, reparadora da natureza – quando a natureza já está em disrupção hoje. Alguém consegue imaginar uma máquina que volte a refazer o Árctico ou a cobrir de gelo a Gronelândia?

Não há dúvida que a ciência é a principal arma para nos ajudar a passar do carbono para as energias limpas. O problema é que já é demasiado tarde para esperar por essa mudança nas próximas décadas. Temos de travar agora e mitigar emissões já – para depois, a médio prazo, estabilizar a situação.

E esta convocação de todos é decisiva porque, como lembrava o Le Monde há poucas semanas em manchete, os partidos da extrema-direita vão passar a assentar a sua mensagem numa barragem de desinformação ambiental.

Como se não devêssemos acreditar no que os nossos olhos vêem e os cientistas explicam. É isso que Marine Le Pen (à imagem de Trump) e, em imitação, os Chegas europeus vão fazer.

E não é garantido que a sociedade francesa não prefira o caos climático à mudança de um certo estilo de vida. Ora, sem a França, a “Europa ambiental” – a principal causa da União Europeia – desintegra-se. Perderíamos o farol que nos resta.

Jornalista

DN
Daniel Deusdado
10 Setembro 2023 — 00:21


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 2 semanas ago

Loading