371: Forças Armadas ou forças mercenárias?

 

– É pena que tanto “patriotismo” sobre as Forças Armadas, a Bandeira, deveres, blá, blá, blá, este senhor doutor graduado oficial na Escola Prática de Engenharia em Tancos, não escreva no Português de Camões e use o abominável acordo ortográfico para o fazer…

🇵🇹 OPINIÃO

Estrangeiros ou imigrantes nas Forças Armadas portuguesas? Esta possibilidade, que agora emergiu por sugestão de alguns actores políticos, configura (mais) uma perigosa fuga para a frente, num país que parece viciado no conceito low cost para resolver alguns dos seus problemas estruturais.

Neste caso, a aventura entra no domínio da soberania, uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada.

A razão que parece suscitar esta ideia peregrina é a escassez de efectivos, que coloca em risco o normal funcionamento das Forças Armadas e o cumprimento das missões em que Portugal participa, no quadro das suas obrigações internacionais.

Parece-me um motivo de preocupação relevante, razão pela qual importa reflectir sobre as causas que sub-jazem à situação a que se chegou e sobre os riscos que a incorporação de estrangeiros implica.

A raiz do problema está na decisão de extinção do serviço militar obrigatório. Uma decisão populista que pecou pelo simplismo. Sem servir nas Forças Armadas, a maioria esmagadora dos jovens portugueses fará toda a sua vida de modo alheio a um conjunto de valores que estruturam a pátria e a unicidade do nosso país.

São muitos os que não conhecem a letra do hino nacional e demasiados os que tratam a pátria como um farrapo, contribuindo para o problema da falta de auto-estima que infelizmente atravessa a nossa sociedade.

Outros países encontraram formas inteligentes de modelar o serviço militar obrigatório, nomeadamente reduzindo a sua duração a seis meses, permitindo o adiamento para completar estudos e abrindo a possibilidade alternativa da prestação de um serviço cívico, o que permite acomodar os casos de objecção de consciência e ajustar o volume de recrutamento às necessidades.

Importa desfazer o mito de que os seis meses de tropa são inúteis e atrasam desnecessariamente a vida dos jovens. É falso.

Importa desfazer o mito de que os seis meses de tropa são inúteis e atrasam desnecessariamente a vida dos jovens. É falso.

Primeiro, porque lá se aprendem conteúdos úteis e necessários; segundo, porque se a preocupação fosse o “atraso” de seis meses, a maioria dos jovens utilizaria melhor o seu tempo enquanto estudantes (exemplo gritante: nas universidades, apenas em metade das semanas do ano há aulas, gastando-se muitos meses com férias, recepções ao caloiro, praxes, queima das fintas, etc.); terceiro, porque nas Forças Armadas se reforça a identidade com os valores da pátria e a ideia – para mim fundacional – de que pela bandeira (leia-se, as pessoas, os valores e o território) se dá a vida, se necessário.

Com uma base de recrutamento mais larga, a retenção de efectivos para a carreira militar seria natural, desde que fossem criadas as condições necessárias, o que remete para a outra causa do problema: a deterioração do quadro remuneratório e laboral dos militares.

Ganham mal, têm carreiras pouco atractivas e um apoio social e médico insuficiente. Esse investimento tem de ser feito, pois o esvaziamento dos quadros está iminente.

Tentar garantir o preenchimento das necessidades através do recrutamento de estrangeiros é cristalizar um cenário de desqualificação e salários baixos.

O risco é atrair pessoas que vêm por necessidade, que se sujeitam àquilo que os portugueses rejeitam e que não têm qualquer adesão aos valores da pátria. Teríamos, assim, forças mercenárias e não Forças Armadas!

Cumpre-me uma declaração de interesse: cumpri serviço militar em Tancos, com 31 anos de idade, após adiamento para completar o doutoramento, onde me graduei oficial na Escola Prática de Engenharia, sob o comando do então coronel Valença Pinto, que mais recentemente veio a servir como Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

Professor catedrático

DN
José Mendes
03 Setembro 2023 — 01:03


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 3 semanas ago

Loading

370: Papas e mongóis

 

🇵🇹 OPINIÃO

Foi publicado neste verão em Portugal uma extraordinária biografia de Gengis Khan, ou Gengiscão, que sem negar a extrema violência usada pelos mongóis na construção do seu império no século XIII, revela o horror à tortura, o respeito pela cultura dos povos conquistados, o apego à meritocracia.

O autor de Genghis Khan e a Criação do Mundo Moderno é Jack Weatherford, que não só estuda há décadas a História Mongol como percorreu as remotas zonas em que Temudjin, o verdadeiro nome de Gengis Khan, nasceu, em 1162, vivendo uma infância e juventude de pobreza e numa família quase pária, até se afirmar como militar e governante.

Hoje a Mongólia é um grande país, mas minúsculo comparado com o Império de Gengis Khan e seus sucessores, que chegou a incluir a China, a Ásia Central, o Médio Oriente e até a Rússia.

E a população pouco ultrapassa os três milhões, dos quais 1500 serão católicos, o que torna muito curiosa a visita que Francisco está a fazer ao país.

Como torna curiosa a criação, há três anos, de Giorgio Marengo como cardeal de Ulan Bator. O italiano, nascido em 1974, pertence aos missionários da Consolata e é o mais jovem membro do colégio cardinalício, o órgão que elege o Papa.

É provável que todo este interesse recente por esta região (já no ano passado visitou o Cazaquistão) faça parte da estratégia do Vaticano para ganhar terreno na Ásia em geral (a próxima Jornada Mundial da Juventude será na Coreia do Sul) a pensar sobretudo na China, cujo regime comunista continua às avessas com a Igreja Católica, apesar da óbvia expansão do número de crentes no país.

Mas sinal de que há um diálogo em curso, o avião de Francisco não só foi autorizado a sobrevoar a China, como o Papa enviou cumprimentos ao presidente Xi Jinping.

Terra budista por excelência esta moderna Mongólia democrática, não se considere, porém, o cristianismo como algo alheio totalmente ao país e à cultura do seu povo.

Gengis Khan, cuja estátua gigante em bronze é um dos símbolos da capital mongol, viu vários dos filhos casarem-se com cristãs e nas suas fileiras havia cristãos.

Na Europa Medieval houve medo das hordas vindas das estepes asiáticas, mas também quem visse os mongóis como um aliado contra os muçulmanos.

Frei Lourenço de Portugal chegou a ser designado como emissário à corte mongol, mas por razões desconhecidas essa missão acabou por recair em Giovanne del Carpine, que acabaria por ser recebido em 1246 por Guyuk Khan, neto de Gengis Khan (que morreu em 1227).

A sobranceria do enviado de Inocêncio IV, que exigia obediência a Roma, caiu mal junto dos mongóis, que responderam ao padre italiano que Deus tinha oferecido o mundo aos mongóis e não ao Papa.

No livro já citado de Weatherford (publicado pela Desassossego), há um relato de outro europeu na corte mongol, meia dúzia de anos depois.

Enviado do rei de França, o monge franciscano Guilherme de Rubruck assistiu à celebração do Natal por Mongke Khan, outro neto de Gengis, e família, com distribuição de presentes.

Mais fascinante ainda, os mongóis, que seguiam o tengrismo, mas toleravam e praticavam todas as religiões, organizaram um concurso em que Rubruck teve de discutir doutrinas com budistas e muçulmanos. Havia jurados a pontuar os argumentos de cada concorrente!

Como ninguém convenceu ninguém, e toda a competição foi sendo regada com álcool, os cristãos começaram a cantar hinos religiosos, os muçulmanos a recitar o Alcorão, enquanto os budistas se retiraram para uma meditação silenciosa.

Tudo acabou, sublinha o historiador, com uma carta de Mongke Khan a Luís IX: “No Céu só há um Deus eterno e na Terra só há um senhor, Gengis Khan, o filho de Deus, e os descendentes dele”.

Há 800 anos em Caracórum, hoje em Ulan Bator. Por alguma razão, Francisco acredita que a história da relação dos mongóis com o cristianismo continua a ser construída.

Director adjunto do Diário de Notícias

DN
Leonídio Paulo Ferreira
03 Setembro 2023 — 00:17


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 3 semanas ago

Loading