🇵🇹 OPINIÃO
Há algumas dúvidas sobre a idade do novo homem-forte do Gabão, mas seja 48 anos, 49 ou até 50, é certo que o general Brice Olingui Nguema nunca conheceu um presidente do seu país que não fosse um Bongo, primeiro Omar e depois Ali, afastado agora do poder depois de uma vitória eleitoral denunciada como fraudulenta.
Apesar de toda a incerteza gerada pela acção do chefe da guarda presidencial, houve festejos da população, a maioria muito provavelmente desapontada com os resultados de 55 anos de dinastia Bongo, período tão longo que quase se confunde com a história do Gabão, independente de França desde 1960.
Não é caso único o Gabão como república dinástica. Os Assad estão no poder na Síria desde 1971, os Kim na Coreia do Norte desde 1945, uma sucessão que vai já num neto.
Também no Azerbaijão os Aliev governam desde 1993. E por estranho que pareça, dinastias políticas em repúblicas nem sequer são automaticamente sinónimo de ditaduras: na Índia, a maior democracia do mundo, Rahul Gandhi ainda hoje tenta chegar a primeiro-ministro, cargo que foi do pai, Rajiv, da avó, Indira, e do bisavô, Jawaharlal Nehru.
E os Estados Unidos já tiveram dois Adams presidentes, e também, não há muitos anos, dois Bush, mas em nenhuma das situações a Casa Branca passou de pai para filho directamente.
Num mundo em que reis e imperadores vão desaparecendo a ritmo acelerado, e em que raramente uma república volta a ser uma monarquia (Espanha é um caso excepcional), esta lógica das dinastias políticas não deixa de ser bizarra, mesmo que tenha sempre explicações, desde o convívio precoce com o ambiente político até o herdar de apoios que eram do pai, da mãe, do marido ou da mulher (sim, também existem os viúvos que se tornam líderes, como Sirimavo Bandaranaike no Sri Lanka, primeira primeira-ministra no mundo, ou o marido da assassinada Benazir Bhutto, que foi presidente do Paquistão).
Nas actuais monarquias, há algumas em que o papel do chefe de Estado é só simbólico, como no Reino Unido ou nos Países Baixos, um excepcionalismo baseado nos laços de sangue aceite pela maioria da população.
Também há monarquias, como em Marrocos, em que o rei tem um papel-chave para a estabilidade política e a coesão nacional, e, portanto, um poder que é bastante superior aos dos monarcas europeus.
E, claro, há monarquias como as do Golfo Pérsico onde os reis ainda mandam tanto como noutros séculos os congéneres mandavam um pouco por toda a Europa.
Portanto, por muito que se estranhe as dinastias, sobretudo as republicanas, o golpe contra Bongo tem de ser visto sobretudo no quadro da revolta contra uns resultados eleitorais falsificados, da fragilidade de um presidente que nunca recuperou totalmente de um AVC, e das desigualdades num país que é uma potência petrolífera, mas nunca se livrou da corrupção e tem visto a percentagem de pobres aumentar.
Que soluções tem, porém, o general Nguema para o Gabão? Pôr fim a uma dinastia não significa que tivesse de assumir a Presidência. E se o pretexto para derrubar Bongo foi o apego cego deste ao poder ao ponto de promover a falsificação eleitoral, então que papel vai ser atribuído ao candidato da Oposição, Albert Ondo Ossa?
Haverá novas eleições em breve? Com Nguema candidato ou cedendo o lugar aos civis?
Director adjunto do Diário de Notícias
DN
Leonídio Paulo Ferreira
01 Setembro 2023 — 00:02
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 3 semanas ago