🇵🇹 OPINIÃO
Sabemos que, em poucos anos, o custo do arrendamento da habitação, especialmente nos grandes centros urbanos, duplicou ou mesmo triplicou, à semelhança do custo da compra de casas.
Isso trouxe consequências que conhecemos: incapacidade dos mais jovens acederem a habitação e iniciarem a sua autonomia mais plena; imobilidade profissional de muitos, desde logo daqueles que, não habitando em Lisboa, se vêem impedidos de aqui aceitar propostas profissionais devido ao custo da habitação; custos proibitivos para quem queira estudar na capital ou no Porto; dramas diversos para famílias que se separam – ou que não o fazem, por ser incomportável financeiramente; restrições intoleráveis de quotidiano e de despesas para quem tem de pagar casa na capital e na sua periferia…
O significativo agravamento dos juros nos últimos tempos adicionou a este contexto o outro, de um aumento brutal, em diversos casos, do custo do crédito à habitação, como já sucedera por volta de 2011, resultado da crise financeira e bancária.
É-se vítima, dir-se-á, do sucesso que se procurou. Vender Lisboa e o País como destino idílico para investidores imobiliários, pensionistas ricos, nómadas com salários escandinavos e muitos turistas ocasionais europeus e norte-americanos resulta também nisto. Não é novidade.
Um amigo contava-me que se recordava bem da Nazaré dos anos 60, quando os pescadores arrendavam nas semanas de verão as suas barracas litorais, e iam viver em palhotas no campo, durante dois meses, para aproveitar em pleno aqueles escudos redentores. A diferença é que podiam regressar a casa, vindo o outono.
Os incentivos ao investimento no imobiliário e ao alojamento local tiveram virtudes inegáveis, desde logo a recuperação urbana de grande parte do centro histórico em ruínas e o suporte a inúmeros negócios locais associados ao turismo.
E, dir-se-á com a sua dose de cinismo, que em poucas capitais europeias é possível viver no seu centro sem ter de pagar muito bem por esse privilégio. Mas as cidades precisam dos seus habitantes, é um facto.
E, em tempos de crise acelerada, são necessárias simultaneamente soluções de médio e longo prazo, mas também soluções incisivas que mitiguem estes efeitos do livre mercado a funcionar.
Não por acaso, Nova Iorque acabou de proibir integralmente o alojamento local, o actual e o futuro. Londres subsidia fortemente a compra de primeiras habitações para jovens trabalhadores.
Bruxelas tem parte do seu centro da propriedade da autarquia e arrenda directamente a habitação a preços muito abaixo do mercado livre. Lisboa, nas últimas duas décadas, extinguiu a sua empresa de construção de habitação para as classes médias, a EPUL, e deixou de construir habitação social.
Deixo também uma pergunta, que ainda não vi respondida ou sequer feita. Há muitos outros estrangeiros que rumaram a Lisboa, ao Porto e a outras cidades de forma maciça nos últimos anos, para responder à falta de mão-de-obra na hotelaria, na construção, nos diversos serviços.
Onde estão a viver essas pessoas? Em que condições? Essas pessoas que ganham salários mínimos ou pouco acima, com deveres de remessa de rendimento para os seus países de origem. Onde vivem? Como vivem? Não é seguramente nas casas promovidas para arrendamento nos sites imobiliários, com rendas proibitivas.
Estamos a falar de centenas de milhares de pessoas, que permitem que funcionem os restaurantes, os hotéis, as mercearias, as empresas de construção e de manutenção…
Ou precisarão menos de casa para viver do que os médicos, os professores e os funcionários públicos? Ou, porque não são sindicalizados, são estrangeiros, provavelmente não votam e são efectivamente pobres, podem não ter voz? Ah, o velho problema da voz, ainda mais antigo que o da habitação!
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
DN
Miguel Romão
22 Setembro 2023 — 00:38
Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator
published in: 9 horas ago