329: Canhões ou manteiga

  • 1 mês ago
  • 4Minutes
  • 865Words
  • 36Views

 

🇵🇹 OPINIÃO

Sobre o compromisso dos países da NATO em dedicarem no mínimo 2% do seu PIB para efeitos de defesa, percentagem de que Portugal continua longe, apesar do contexto internacional de alta tensão criado pela invasão russa da Ucrânia, o especialista em relações internacionais Tiago Moreira de Sá sublinha, em entrevista ao DN, que “não é uma questão de opção, é uma questão de necessidade, como a guerra veio provar.

Em grande parte da União Europeia tínhamos a ilusão, como dizia Robert Kagan, que vivíamos num mundo de Vénus – o mundo do amor -, mas vivemos num mundo de Marte – o mundo da guerra -, e nele quem não tiver força militar ou não conta ou sujeita-se a pôr a sua segurança em causa.

É claro que há a questão que, tradicionalmente, se coloca em política internacional em termos de ou canhões ou manteiga. E não podemos descurar a manteiga, sobretudo numa altura em que vemos, no mundo ocidental em geral, as pessoas a passar muitas dificuldades e a classe média empobrecer”.

Kagan, um dos grandes teóricos da política externa dos EUA, aconselhando tanto presidentes republicanos como democratas, obviamente reconhecia na sua teoria que, ao contrário dos europeus, os americanos nunca deixaram de ter forte orçamento de defesa, o mais alto do mundo de longe e em termos percentuais quase o dobro do mínimo pedido pela NATO.

Não foi resposta à invasão da Ucrânia em Fevereiro de 2022 esta pressão para os 31 Estados-membros (contando já com a Finlândia) aumentarem o investimento militar.

É um compromisso que foi assumido ainda no tempo de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, depois muito reafirmado por Donald Trump e agora, perante a atitude expansionista da Rússia, defendido firmemente por Joe Biden. Uma dezena de países já cumprem, 11 se incluirmos a recém-admitida Finlândia, que abandonou a tradicional neutralidade em reacção à guerra na Ucrânia.

Além dos EUA e das duas outras potências nucleares da Aliança Atlântica, o Reino Unido e a França, dos velhos membros da NATO só a Grécia tradicionalmente gasta mais dos 2%, mas nesse caso resultado mais dos diferendos com a Turquia do que por pressão de Washington.

Mais de metade dos países que ultrapassam neste momento a fasquia são antigos membros do bloco comunista desfeito em 1991, com o fim da URSS, e vários têm fronteira com a Rússia, a Bielorrússia ou a Ucrânia, o que explica um sentimento de vulnerabilidade.

Portugal gastava menos de 1,4% do PIB em defesa até ao início do actual choque entre a Rússia e o Ocidente e este ano deverá chegar aos 1,6%, mesmo assim entre os 10 países-membros com menor investimento percentual.

Apesar do vasto apoio da opinião pública portuguesa à resistência ucraniana e ao esforço de apoio material que o país está a fazer para ajudar a contrariar os russos, a distância em relação à zona de guerra torna mais difícil a quem governa alterar prioridades, ou seja, defender a compra de mais canhões e de menos manteiga.

Também não haver ataques estrangeiros no território continental desde há dois séculos contribui para o tal sentimento de estarmos mais próximo de Vénus do que de Marte, mas, seja pelo compromisso assumido, seja por convicção de que não há outro caminho a seguir para garantir a segurança nacional, um discurso de esclarecimento nacional terá de ser feito.

E é importante que haja, como é habitual, consenso entre os dois grandes partidos, PS e PSD, se se quiser antecipar o prazo previsto de 2030, até porque as ameaças potenciais são muitas e de natureza vária, basta pensar no jihadismo.

Obviamente, há outra forma mais fácil de atingir o mínimo pedido pela NATO: a economia crescer e qualquer investimento em defesa ser diluído num PIB mais alto, não obrigando a fazer escolhas difíceis, mas o caso do Japão mostra como, por vezes, estas são mesmo obrigatórias.

Depois da invasão da Ucrânia, o Japão, que tem diferendos territoriais com a Rússia, anunciou duplicar o seu orçamento de defesa, durante décadas limitado a 1% do PIB, oficialmente por causa da Constituição pacifista pós-Segunda Guerra Mundial, mas na realidade também pela dificuldade em convencer uma população envelhecida de que havia mais dinheiro a não ir para a saúde e para Segurança Social, mas sim para os militares.

Fumio Kishida teve a coragem de decidir perante as circunstâncias, mesmo que o terreno tenha sido preparado por anos de argumentação do antigo primeiro-ministro Shinzo Abe. Canhões ou manteiga? Canhões e manteiga.

Director adjunto do Diário de Notícias

DN
Leonídio Paulo Ferreira
13 Agosto 2023 — 00:02


Ex-Combatente da Guerra do Ultramar, Web-designer,
Investigator, Astronomer and Digital Content Creator



published in: 1 mês ago

Loading

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *