267: Nem mais um banho de água fria!

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🇵🇹 OPINIÃO

Uma mãe admitiu nas redes sociais utilizar de forma recorrente a prática de mergulhar a filha de 3 anos de idade em água fria, como forma de lidar com as suas birras.

Esta situação gerou, e ainda bem, muita polémica em todos aqueles que dela tiveram conhecimento, sendo que o Ministério Público estará já a investigar.

A respeito desta situação concreta, reflectimos hoje sobre as birras e sobre as práticas parentais.

As birras fazem parte do processo de desenvolvimento normativo de uma criança e são expressões intempestivas de maior desregulação emocional que traduzem também a sua necessidade de afirmação, frequentes em crianças que não desenvolveram ainda outras estratégias mais ajustadas para lidar com a tensão, a frustração ou o desconforto.

São, por isso mesmo, mais frequentes em crianças mais novas, necessariamente mais auto-centradas e imaturas do ponto de vista cognitivo e emocional, com maior dificuldade em adiar o prazer e a gratificação.

Dizemos, aliás, que existe a “fase das birras” na idade pré-escolar (2-4 anos, de uma forma geral). E quando utilizamos o termo “fase”, queremos com isso dizer que se trata de algo flutuante e passageiro, o que traduz uma concepção dinâmica do desenvolvimento.

Ou seja, a criança não “é” birrenta, pois as birras não são um traço da sua personalidade, como alguns pais pensam. Pelo contrário, podemos afirmar que a criança está a atravessar uma fase do seu desenvolvimento em que se expressa mais através das birras.

As birras tendem a desaparecer à medida que a criança cresce, quando se aproxima da idade escolar (5-6 anos) – mas apenas quando os pais reagem de uma forma adequada face às mesmas, ajudando a criança a regular-se e a desenvolver outras estratégias de autocontrolo.

E em que se traduz uma reacção adequada? De que forma podem os pais transmitir a mensagem de que existem outras formas de expressar as necessidades?

Face a uma birra, os pais/cuidadores devem:

· manter a calma e um tom de voz baixo;

· tentar perceber em que medida a birra pode estar associada às necessidades básicas da criança (p. ex., a criança está com fome, sono, frio ou cansada?);

· ignorar (ou seja, não dar qualquer atenção) comportamentos desadequados de menor gravidade – se possível (e não envolver qualquer perigo para a criança), devem mesmo afastar-se fisicamente;

· ser firmes e não cederem às exigências da criança, que deve aprender, desde cedo, a lidar com a frustração;

· quando a birra cessar, conversar com a criança sobre o que se passou e tentar que esta se descentre de si mesma;

· caso seja necessário, retirar à criança algum tipo de privilégio.

De forma inequívoca, sabemos que os pais/cuidadores não devem, em circunstância alguma, recorrer a estratégias mais punitivas (como bater, abanar ou, pensando neste caso em concreto, mergulhar em água fria). E porquê?

As práticas parentais punitivas são eficazes a curto prazo, e especialmente com crianças mais novas. É um facto. E por isso a mãe em causa referia, satisfeita, que tinha sido “remédio santo”. O problema situa-se a outros níveis.

Por um lado, sabemos (fruto de décadas de investigação e evidência científica) que a utilização destas práticas tem um impacto claramente negativo nas crianças, a curto, médio e longo prazo, potenciando maior dificuldade em confiar nos outros e sintomas depressivos e ansiosos, bem como, maior probabilidade de recorrerem a estratégias agressivas para lidarem com os seus problemas.

As crianças também aprendem por modelagem, imitando aquilo que observam e vivenciam.

Por outro lado, o recurso a estratégias mais agressivas também tende a reforçar o comportamento que se deseja eliminar – ou seja, a probabilidade de o comportamento desajustado da criança escalar em termos de intensidade e se repetir (aumento de frequência e duração) é enorme.

Percebemos, assim, que o comportamento que esta mãe reconheceu utilizar de forma recorrente se revela manifestamente desajustado e excede aquilo que pode ser entendido como razoável no âmbito de um processo educativo dos filhos.

Arriscamos mesmo a dizer que estes “castigos” podem ser conceptualizados como uma forma de maus-tratos, não apenas físicos, mas também emocionais.

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

DN
Rute Agulhas
20 Julho 2023 — 00:19



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