243: Automóveis eléctricos: a frustração em curso

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🇵🇹 OPINIÃO

Estamos num enorme impasse de conceito quanto às viaturas eléctricas. A indústria automóvel anda a iludir os consumidores. Faltam baterias a nível mundial e, como tal, distribuem as que conseguem pelo maior número de carros, fazendo com que tenham pouca autonomia e gerando um paradoxo: a mobilidade eléctrica deveria substituir os combustíveis fósseis, sobretudo nas médias e longas distâncias, mas está a acontecer o contrário: os eléctricos estão a concentrar-se nas cidades.

Exemplo deste problema: a maioria dos carros eléctricos vendidos têm 60 kilowatts (kW), ou menos, de capacidade de bateria e estes não conseguem fazer um trajecto Lisboa-Porto sem carregar pelo menos uma vez na autoestrada, mesmo se conduzidos à velocidade normal de 120 quilómetros/hora. Daqui decorre a grande falácia do marketing: “um carro eléctrico para ir para o trabalho”.

Um absurdo, quando o que precisamos é que as pessoas dos centros das cidades usem cada vez mais o transporte público ou outras formas de mobilidade suave. Eis como uma decisão “verde” é afinal altamente carbónica.

Um exemplo: a Fiat acaba de lançar o pequeno modelo 500 com 24kW de bateria, anunciando uma autonomia de 190km. Ora, o condutor vai ligar o ar condicionado, vai acelerar repentinamente – e o carro andará no máximo 150km em modo eléctrico na cidade. Se usar vias rápidas, a autonomia será ainda pior.

Se o Fiat 500 fosse muito barato, ainda se compreendia. Não é. Arranca nos 28 mil euros para 24kW de bateria e sobe para os 32 mil com baterias de 42kW. Caríssimo. Porque, quanto mais bateria (kW), mais autonomia.

Além disso, um estudo da consultora norte-americana Kearney, ontem citado pelo Eco, trazia contas mais rigorosas sobre qual a diferença na pegada ambiental (em toneladas de CO2), desde a fábrica à sucata. Veículos eléctricos, 39 toneladas CO2, híbridos 47 e combustão 55.

Ou seja, apenas 16 toneladas de diferença entre um eléctrico e um carro a gasolina. Algo decepcionante para já, mas a caminho de mudar – vai haver cada vez mais electricidade verde e as baterias serão muito mais eficientes e menos dependentes do lítio.

Há poucos dias a Toyota anunciou conseguir colocar no mercado, entre 2025 e 2027, um novo tipo de baterias, capazes de percorrer 1200 quilómetros e carregar em 10 minutos, algo que continua a ser uma dor de cabeça para quem tem carros eléctricos.

É que o pesadelo das viagens longas persiste. Apesar de a Brisa ter instalado a Via Verde Electric nas Áreas de Serviço das autoestradas, em parceria com a EDP, a verdade é que ainda só instalou um carregador super-rápido e outro semi-rápido em cada Área de Serviço.

Consequência? Uma viagem de automóvel eléctrico já é lenta (para a bateria não desaparecer galopantemente). Ainda por cima, há que contar com meia-hora de espera se se chega a um ponto de carregamento e está ocupado. Mais o tempo de carregamento.

Apesar de tudo, a Via Verde Electric EDP (com a BP e Repsol) é incomparável face à Galp, onde os pontos de carregamento são dos piores do mercado – pouca potência e lentos. Pelo contrário, os postos da Cepsa nas autoestradas contam com os melhores carregamentos, os Ionity, que carregam até 220kW por hora.

Daria para carregar até aos 80% de bateria em 10 a 15 minutos, não se desse o caso a maioria dos veículos limitar o carregamento a 100kW/h (incluindo a surpreendentemente atrasada Volkswagen).

A Ionity tem só uma desvantagem: o extraordinário custo – quase tão caro como abastecer gasolina.

Curiosamente, fora das autoestradas, quem tem carro eléctrico pode contar com um parceiro improvável: o Lidl e os seus postos de 50kW. Por exemplo, em Bragança ou Valença, é o local fiável para carregar.

E ainda uma nota comum a todos os postos: no final de cada abastecimento, o cliente nunca sabe quanto pagou – só quando chega o extracto do final do mês.

O problema mais grave é, no entanto, o do carregamento citadino. A empresa monopolista que gere o fornecimento de energia em Portugal, a E-Redes, encontrou um filão: valores astronómicos para levar mais potência aos edifícios que pretendem ter carregamentos nas garagens.

O governo tenta solucionar isto estourando, literalmente, dinheiro do PRR para apoiar os condomínios com novas ligações eléctricas e carregadores quase sem custo. Uma aparente boa ideia que, na prática, dá à E-Redes e seus parceiros milhões de euros para instalar carregadores nos prédios, via candidaturas a fundos.

Mas é como despejar água na areia, sobretudo se tivermos em conta que ninguém está a controlar a falta de resposta e a veracidade dos pressupostos desta empresa monopolista.

Ao disseminarmos carregadores em circuito urbano, temos simultaneamente de evitar que o carro eléctrico não se transforme no novo entupidor de trânsito das cidades, o local onde os transportes continuam ainda com pouca ocupação e eternamente deficitários.

Até porque, em contraponto, continua por fazer o investimento na rede nacional de estradas e autoestradas que sirva também quem vive fora dos grandes centros ou as usa para trabalho. É mesmo importante mudar a incerteza que significa ir do ponto A ao ponto B em Portugal num carro eléctrico.

Jornalista

DN
Daniel Deusdado
09 Julho 2023 — 00:21



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