🇵🇹 OPINIÃO
O impacto dos acontecimentos do fim-de-semana na solidez do poder de Vladimir Putin tem sido por estes dias uma das perguntas mais repetidas.
A comunicação social e os políticos querem perceber se o presidente sai fragilizado da situação criada por Yevgeny Prigozhin, que em uma noite e pouco mais, se passeou por centenas de quilómetros de autoestrada à frente de uma coluna rebelde, abateu helicópteros das forças armadas, e mesmo um avião de comando, e pôs em causa a autoridade e, de algum modo, o futuro projectado como vitalício do presidente.
Os analistas que conhecem os enredos políticos do país – e que são objectivos, o que exclui os aduladores da corte, os trapaceiros intelectuais e os admiradores basbaques do ditador – não têm dúvidas quanto à resposta. A imagem de Putin enquanto líder duro e coerente fica seriamente afectada.
Contribuíram para isso as contradições entre o que foi dito por ele na manhã de sábado, num discurso implacável dirigido à nação sobre traições e facadas nas costas, e o que depois foi anunciado, num sentido absolutamente oposto, com perdões e conversa mole; toda a confusão sobre a perseguição criminal, que no dia seguinte foi arquivada; as reacções populares de apoio entusiástico a Prigozhin e aos seus mercenários, mesmo depois do acordo com Putin, comunicado por intermédio de Alexander Lukashenko, que aparece em cena para permitir a Prigozhin negociar ao nível de chefe de Estado.
Mas foi sobretudo a narrativa de Putin em relação à invasão da Ucrânia que foi seriamente posta em causa pelo líder do Grupo Wagner, um homem que tem sido até agora bastante ouvido pelos sectores da população mais manipulada a favor da guerra. As suas palavras têm um peso político inegável.
Prigozhin disse, com clareza, que a guerra contra o povo ucraniano não tinha razão de ser, que as justificações apresentadas por Putin não eram verdadeiras, que o objectivo era o de enriquecer ainda mais as cliques que giram à volta do Kremlin. Veio assim confirmar que a corrupção e a mentira são a alma do negócio nos círculos de poder que apoiam Putin.
Quando se trata de corrupção, Prigozhin sabe do que fala. E os cidadãos russos, que já não tinham um grande entusiasmo pela expedição contra a Ucrânia, ficaram ainda mais abalados.
Ora, tudo isto, e o facto de uma parte das forças armadas ter demonstrado um certo grau de passividade perante o motim, deverá abalar os alicerces em que assenta a força de Putin. Aí, sim, abriu-se um processo de fragilização.
No entanto, a questão que de facto interessa é outra: que consequências poderá acarretar esta crise interna russa para a continuação da agressão contra a Ucrânia? A uma pergunta desse género a resposta só poderia ser uma: os invasores deveriam deixar a Ucrânia em paz e voltar ao seu país.
É a decisão que se espera de quem esteja no Kremlin. Essa sim, seria uma decisão de um político forte e clarividente.
Infelizmente, creio que Putin irá ao invés carregar no acelerador da guerra, para mostrar uma determinação que faça esquecer as hesitações e a agitação do fim-de-semana.
A Ucrânia e os seus aliados não tiveram qualquer tipo de intervenção no motim. Tratou-se de uma questão interna, reveladora do mal-estar que existe no país.
Sergey Lavrov, o manhoso que faz de ministro dos Negócios Estrangeiros, já veio levantar a suspeita que a rebelião teria tido uma mão ocidental na sua origem.
É a invencionice habitual, que tenta atribuir os problemas domésticos a agitadores estrangeiros. Desta vez, essa habilidade não pega.
Os “homenzinhos verdes” – assim se começou por designar os mercenários da Wagner, quando foram criados em 2014 pelo Kremlin para invadir a Crimeia e o Donbass, “the little green men” – são, na realidade, um exército privado de Putin e um instrumento da política externa da Rússia.
As atrocidades que têm cometido serão, um dia, atribuíveis criminalmente a Putin, como seu responsável máximo. A sua instalação na Bielorrússia corresponde a um plano que já vem de trás, anterior à rebelião de agora.
A partir da Bielorrússia, os “homenzinhos verdes”, sem insígnias nem identificação de país, poderão começar a desestabilizar a Polónia, a Lituânia e a Letónia. É assim que eles actuam. Atacam, mas o regime que os comanda e financia finge que não é nada com ele.
Se assim acontecer, Putin não terá saído mais forte ou mais fraco da crise, mas certamente bem mais perigoso. É possível que tenha um plano desses em vista. Da nossa parte, uma vez mais, todo o cuidado será pouco.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU
D.N.
Victor Ângelo
30 Junho 2023 — 00:18
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published in: 3 meses ago