225: Vladimir Putin: agora um perigo maior

 

🇵🇹 OPINIÃO

O impacto dos acontecimentos do fim-de-semana na solidez do poder de Vladimir Putin tem sido por estes dias uma das perguntas mais repetidas.

A comunicação social e os políticos querem perceber se o presidente sai fragilizado da situação criada por Yevgeny Prigozhin, que em uma noite e pouco mais, se passeou por centenas de quilómetros de autoestrada à frente de uma coluna rebelde, abateu helicópteros das forças armadas, e mesmo um avião de comando, e pôs em causa a autoridade e, de algum modo, o futuro projectado como vitalício do presidente.

Os analistas que conhecem os enredos políticos do país – e que são objectivos, o que exclui os aduladores da corte, os trapaceiros intelectuais e os admiradores basbaques do ditador – não têm dúvidas quanto à resposta. A imagem de Putin enquanto líder duro e coerente fica seriamente afectada.

Contribuíram para isso as contradições entre o que foi dito por ele na manhã de sábado, num discurso implacável dirigido à nação sobre traições e facadas nas costas, e o que depois foi anunciado, num sentido absolutamente oposto, com perdões e conversa mole; toda a confusão sobre a perseguição criminal, que no dia seguinte foi arquivada; as reacções populares de apoio entusiástico a Prigozhin e aos seus mercenários, mesmo depois do acordo com Putin, comunicado por intermédio de Alexander Lukashenko, que aparece em cena para permitir a Prigozhin negociar ao nível de chefe de Estado.

Mas foi sobretudo a narrativa de Putin em relação à invasão da Ucrânia que foi seriamente posta em causa pelo líder do Grupo Wagner, um homem que tem sido até agora bastante ouvido pelos sectores da população mais manipulada a favor da guerra. As suas palavras têm um peso político inegável.

Prigozhin disse, com clareza, que a guerra contra o povo ucraniano não tinha razão de ser, que as justificações apresentadas por Putin não eram verdadeiras, que o objectivo era o de enriquecer ainda mais as cliques que giram à volta do Kremlin. Veio assim confirmar que a corrupção e a mentira são a alma do negócio nos círculos de poder que apoiam Putin.

Quando se trata de corrupção, Prigozhin sabe do que fala. E os cidadãos russos, que já não tinham um grande entusiasmo pela expedição contra a Ucrânia, ficaram ainda mais abalados.

Ora, tudo isto, e o facto de uma parte das forças armadas ter demonstrado um certo grau de passividade perante o motim, deverá abalar os alicerces em que assenta a força de Putin. Aí, sim, abriu-se um processo de fragilização.

No entanto, a questão que de facto interessa é outra: que consequências poderá acarretar esta crise interna russa para a continuação da agressão contra a Ucrânia? A uma pergunta desse género a resposta só poderia ser uma: os invasores deveriam deixar a Ucrânia em paz e voltar ao seu país.

É a decisão que se espera de quem esteja no Kremlin. Essa sim, seria uma decisão de um político forte e clarividente.

Infelizmente, creio que Putin irá ao invés carregar no acelerador da guerra, para mostrar uma determinação que faça esquecer as hesitações e a agitação do fim-de-semana.

A Ucrânia e os seus aliados não tiveram qualquer tipo de intervenção no motim. Tratou-se de uma questão interna, reveladora do mal-estar que existe no país.

Sergey Lavrov, o manhoso que faz de ministro dos Negócios Estrangeiros, já veio levantar a suspeita que a rebelião teria tido uma mão ocidental na sua origem.

É a invencionice habitual, que tenta atribuir os problemas domésticos a agitadores estrangeiros. Desta vez, essa habilidade não pega.

Os “homenzinhos verdes” – assim se começou por designar os mercenários da Wagner, quando foram criados em 2014 pelo Kremlin para invadir a Crimeia e o Donbass, “the little green men” – são, na realidade, um exército privado de Putin e um instrumento da política externa da Rússia.

As atrocidades que têm cometido serão, um dia, atribuíveis criminalmente a Putin, como seu responsável máximo. A sua instalação na Bielorrússia corresponde a um plano que já vem de trás, anterior à rebelião de agora.

A partir da Bielorrússia, os “homenzinhos verdes”, sem insígnias nem identificação de país, poderão começar a desestabilizar a Polónia, a Lituânia e a Letónia. É assim que eles actuam. Atacam, mas o regime que os comanda e financia finge que não é nada com ele.

Se assim acontecer, Putin não terá saído mais forte ou mais fraco da crise, mas certamente bem mais perigoso. É possível que tenha um plano desses em vista. Da nossa parte, uma vez mais, todo o cuidado será pouco.

Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

D.N.
Victor Ângelo
30 Junho 2023 — 00:18



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224: Soltaram-se os cavalos na Rússia!

 

🇵🇹 OPINIÃO

Desde há muito tempo que se verificava uma situação de tensão entre o grupo de mercenários Wagner e as altas chefias das Forças Armadas russas. O maior erro de Putin, a montante, terá sido o de deixar arrastar essa situação sem que exercesse o poder, inquestionável, que tinha até agora.

Putin foi assistindo, seráfico, aos insultos quase semanais do líder operacional da Wagner, Yevgeny Prigozhin, dirigidos ao ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e a Valery Gerasimov, general do exército russo com as funções de Chefe do Estado Maior das Forças Armadas russas.

Em causa estava a atitude destas duas altas patentes militares, que não enviavam ao grupo Wagner as munições que este solicitava, para combater na Ucrânia e, muito em especial, em Bakhmut.

Simultaneamente, o grupo Wagner via serem cancelados os contratos milionários de catering que fazia com as Forças Armadas russas e com as escolas públicas. A Wagner estava a custar muito cara ao Kremlin que, afinal, era o principal suporte financeiro do grupo. Mil milhões de euros só em 2022.

A ausência política de Putin, não pondo ordem no “galinheiro”, originou uma atitude destemperada de Prigozhin que decidiu encetar uma “cavalgada” rumo a Moscovo.

Ficou a cerca de 200 km, o que só foi possível graças à divisão que se verifica no seio das forças armadas russas. O general Surovikin, antigo subcomandante das forças de invasão russa e próximo de Prigozhin terá sido detido pelo Kremlin para interrogatórios.

Esta ausência de acção das forças armadas russas é o segundo momento de fragilidade política de Putin. O mundo inteiro percepcionou que algo de errado se passava no edifício de poder de Vladimir Putin.

Com um estranho acordo de que ninguém ainda conhece os contornos, Prigozhin foi enviado para a Bielorrússia, (recentemente foi noticiado que estaria em Moscovo) uma espécie de “pátio das traseiras” onde Putin coloca todos os seus “trastes”, sejam armas nucleares tácticas ou, agora, um grupo de mercenários formado por facínoras e antigos presidiários.

Todo este processo foi “gerido” por um apaniguado do Kremlin, um factótum de Putin, o presidente bielorrusso Lukashenko, que em troca terá recebido novas remessas de gás russo ao preço do pataco.

Não conhecemos o que vai ser o day atfer desta situação que lança mais incerteza e perigo no equilíbrio mundial.

Putin está mais fragilizado. É suposto que sobre o povo ucraniano caiam mais mísseis, na já habitual atitude de afirmação bélica de Moscovo, “para mostrar força”. Mais morte, mais sofrimento, mais destruição. É a lógica da Síria transferida para o continente europeu.

Como resultado imediato do motim, aparentemente, assinale-se o reforço da oligarquia militar russa que terá ganho a contenda. O ministro da Defesa Shoigu, conseguiu manter-se no lugar e afastar a Wagner, provocando o envio de Prigozhin para a Bielorrússia.

Por lá o líder da Wagner terá de encontrar uma nova agenda de “trabalho”. Isto se não tropeçar numa janela mais alta ou não lhe temperarem o chá com um qualquer produto, fortemente, radioactivo.

Mas se Prigozhin sobreviver, não lhe faltará trabalho a ele e à Wagner na Bielorrússia. Seja para fazer pressão sobre a fronteira norte da Ucrânia. Ou enervar a Polónia, Letónia e Lituânia, alertadas pela presença incómoda de 25 mil mercenários bem equipados.

Ou ocupar-se a treinar o frágil exército bielorrusso, desprovido de técnica e de armamento. Ou ainda, quem sabe, manusear as armas nucleares tácticas que Putin enviou para Minsk, afastando assim do Kremlin o ónus de uma eventual utilização daquelas armas no futuro (Uff, esperemos que não!).

Prigozhin poderá ainda centrar a sua actuação nos “mercados externos”. Em África, onde Wagner explora diversos minérios, usando para o efeito uma força de trabalho escravo. É assim na República Centro Africana, no Mali ou, ainda, no Sudão.

Com todo este panorama de instabilidade em Moscovo, acentuam-se os traços de angústia e preocupação que o mundo vive. Crescem os orçamentos de defesa dos países ocidentais, que se tornaram prioridade número um nos departamentos ministeriais das finanças.

Há em tudo isto, uma lógica de pré terceira guerra mundial. A escalada não pára. A loucura e as incongruências de Moscovo atingem o patamar do nonsense.

A narrativa do Kremlin é um mundo de contradições, mentiras, disfarces, que saltam à vista de toda a gente. Verdadeiramente, como escreve João Miguel Tavares no jornal Público, “não fazemos ideia do que se passa na Rússia”, tal é disforme a sua narrativa.

Mas, seja o que for que se passa, não é coisa boa. Por incrível que pareça a instabilidade política em Moscovo aumenta o perigo no mundo. Ou não fosse a Rússia uma das maiores potências nucleares.

É este o ponto em que nos encontramos. E não é famoso.

Jornalista

D.N.
António Capinha
30 Junho 2023 — 00:18



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223: Terra plana, cromossomas, professores demitidos e a demais ciência

 

🇵🇹 OPINIÃO

Na última semana foi divulgada uma notícia atestando que um professor, nos Estados Unidos da América, numa escola do Texas, havia sido demitido da sua instituição de ensino, onde leccionava há mais de duas décadas, após queixas da alguns dos seus alunos indicando que este docente, de Biologia, ensinara que as mulheres têm dois cromossomas x e os homens um cromossoma x e um cromossoma y, o que viria a condicionar o seu sexo, feminino ou masculino.

Este professor, que, caso conveniente, parece que é também pastor numa igreja, numa daquelas igrejas em que os EUA são pródigos, foi assim apelidado de instigador de um proselitismo conivente, conservador, de pendor religioso e, atendendo a isso, despedido do seu emprego.

Em mim, nada me recomenda para autor ou cúmplice de um proselitismo fundamentalista ou, sequer, de adição incauta a novidades aparentes da ciência.

Nada sei de cromossomas, na verdade, a não ser essa indicação, básica, acima exposta, que me foi explicada há duas décadas ou mais, também nas aulas de Biologia, então pelos vistos mais tranquilas.

Mas confesso que fiquei curioso com o tema e fui investigar um pouco.

Descobri que há afirmações públicas ainda hoje, de carácter científico, como esta: “A sex chromosome is a type of chromosome involved in sex determination. Humans and most other mammals have two sex chromosomes, X and Y, that in combination determine the sex of an individual. Females have two X chromosomes in their cells, while males have one X and one Y“.

Assim se lê, sobre cromossomas, no glossário do National Human Genome Research Institute, parte dos National Institutes of Health norte-americanos, uma das instituições mais reputadas em termos de investigação e saúde pública do nosso espectro científico na área da saúde.

Segundo a informação divulgada, foi isto que o professor em causa ensinou nas suas aulas. Está isto correto? É um erro replicado desde há décadas? Não faço ideia.

Sei apenas que o professor se defende, dizendo que há duas décadas ensina o mesmo, que reputa por correto e, pelos vistos, com ele a comunidade científica, e só agora teve uma reacção supostamente de alunos seus, supostamente à sua exposição de cariz científico, agora repudiada por politicamente incorrecta ou até errada.

E parece, pelos vistos, que os National Institutes of Health norte-americanos até concordam com ele – e ele com eles. E isso deveria ser relevante, já agora.

Confesso que nada sei de cromossomas. Mas até a mim me parece distinta a defesa de que a Terra é plana, não o sendo, e a ideia de que existem cromossomas x e y, condicionando o sexo com que se nasce, independentemente do que seja o futuro e a decisão de cada ser e eventuais dúvidas e problemas genéticos, que também existem.

Quantos professores existem então em Portugal para serem despedidos, atendendo a este tema? Quem ensina Biologia, devendo ensinar uma Biologia politicamente orientada, no sentido, pelos vistos, de que a qualquer pessoa pertence orientar e decidir sobre a sua conformação biológica de base, independentemente da realidade científica?

Aceito inteiramente desafiar-se a estabilidade e as convicções assentes em temas de biologia aplicada às pessoas. O século XX, aliás, foi pródigo na produção de verdades aparentes, desde logo racistas, ideologicamente orientadas, e até no sentido de uma mentira pura, ou mal fundamentadas, em nome da ciência biológica e das suas supostas convicções absolutas.

Judeus, ciganos, negros e tantos outros supostos grupos de pessoas foram classificados “cientificamente” – e padeceram dessa condição.

E não apenas estes grupos mais audíveis foram alvos fáceis, deve dizer-se: em estados norte-americanos e na Escandinávia, no início do século XX, esses bastiões da vanguarda da ciência, foram por exemplo obrigatoriamente laqueadas as mulheres prostitutas, como política de saúde pública, para se evitar uma má geração que necessariamente se seguiria, em virtude do conhecimento científico da época.

Estamos nós a entrar numa nova geração de políticas públicas, contra científicas, ordenadas em função de um pensamento generoso, mas também segregador e violento?

Isto deve merecer debate, ponderação, discussão pública. Não é possível deixar nem apenas aos cientistas nem aos declamadores ideológicos das novas verdades a definição daquilo que seja a realidade.

Esta pode até não existir… Mas confrontar essa suposta realidade merece mais do que um despedimento ou uma breve num jornal. Isto é o nosso mundo e o nosso futuro também. Alguém, mais, que pegue nestes e os questione com o sentido de dever que nos merecem.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

D.N.
Miguel Romão
30 Junho 2023 — 00:15



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Wagner em África – Le Crescendo!

 

🇵🇹 OPINIÃO

Le Crescendo é uma Opera Bufa em um acto, de Luigi Cherubini (1800), com uma personagem de nome Major Frankenstein. É em quem penso cada vez que Yevgeny Prigozhin aparece no écran, enchouriçado no camuflado, por vezes com um cap ao estilo basebol, ora a espalhar charme, ora a mandar tudo pó camandro em russo, lançando muita gente na ilusão do Delfim salvador, quando se trata do monstro a virar-se contra o criador.

Discute-se actualmente o paradeiro de Prigozhin, havendo que contemplar fortemente a hipótese África na equação, solução que até poderá servir para ambas as partes saírem menos mal na fotografia, mantendo-se assim também os equilíbrios em África, um imperativo a considerar.

É possível que já esteja em Benghazi ou Tobruk, na Líbia, na companhia do Marechal Haftar, um benfeitor dos Wagner em África, sobretudo agora que os sustenta a armas e rações de combate na frente sudanesa.

Exactamente a Cirenaica, o leste líbio de Haftar, é a “Central de Compras Wagner” que lhe garante ânimo e munições na defesa do ouro que exploram no Sudão, razão pela qual o presidente (PR) Putin não terá interesse em cortar este fluxo de ouro, diamantes e urânio, para os cofres vazios da Federação.

Ou seja, é possível a Prigozhin refugiar-se na Líbia, manter controlo na “Wagner africana” e esta operar em prol dos cofres da Mãe Rússia sem interferência do líder do Grupo.

Será esta não interferência que lhe garantirá uma manutenção de estatuto ao não ser perseguido, preservar a vida e provar que primeiro vem a Rússia e depois os egos.

Ambos, Putin e Prigozhin, lutam actualmente pela capitalização dos respectivos créditos pessoais junto das populações, alimentando mitos fundamentais para um bem último, ficarem apresentáveis na fotografia e manterem-se os equilíbrios, que isto vai cair, mas não pode ser à bruta, como em 1991.

Desse ponto de vista, o Ocidente não tem mais nada a provar, devendo demonstrar apenas responsabilidade ao colaborar numa queda amparada, gradual e não abrupta. Como fazê-lo em África?

Ter os Wagner em acção em benefício dos cofres russos, em África, mantendo os equilíbrios não será difícil, bastando replicar no futuro o vazio de oposição actual face à sua acção no Continente.

Ou seja, basta manter as missões das Nações Unidas com falta de robustez, basta manter a União Africana com falta de orçamento, armas e motivação! O peso do trauma do ex-colonizador continuará a toldar futuras decisões/intervenções da União Europeia.

Por último, será importante que os americanos continuem a manifestar um não interesse em África, à excepção da caça ao salafista. Desta forma, a preservação do statu quo antes garantirá o equilíbrio desejado que valerá cara limpa a ambas as partes!

Falhando tudo isto, ou alterando-se de forma significativa, os próximos 50 anos transformar-se-ão num “déjà vu” para África, no sentido em que será de novo plena de guerras “proxy”, com a agravante dos pequenos interesses de líderes locais, com arsenal acumulado no entretanto, poderem constituir vectores importantes e adicionais à “simplicidade” da equação anterior, complicando a evolução dos acontecimentos, bem como o resultado final.

Dito isto, os Wagner em África deverão ter condições para irem em crescendo, independentes dos Wagner na Europa. Porquê? Porque isto não pode cair assim, tem que se ir desmontando. Mais, porque estes gajos não nos podem estragar mais um Verão!

Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia

D.N.
Raúl M. Braga Pires
30 Junho 2023 — 00:18



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221: As humilhações da Lava Jato

 

🇧🇷 OPINIÃO

O deputado bolsonarista Nikolas Ferreira, cujo ponto alto da vida parlamentar foi discursar de peruca loira no Dia da Mulher para ter “lugar de fala”, e Gilson Machado, ex-ministro do Turismo de Jair Bolsonaro e ex-vocalista da banda de forró Brucelose, que ficou famoso pela interpretação ao acordeão da Ave Maria de Gounod em homenagem às vítimas de covid numa live do ex-presidente, uniram-se numa campanha de solidariedade.

Foram às redes sociais pedir depósitos na conta de Bolsonaro.

O objetivo é permitir ao ex-presidente, às vésperas de ficar inelegível no julgamento de uma de 16 faltas eleitorais graves que cometeu em campanha e pré-campanha, pagar multas judiciais diversas.

Registe-se que, fora as (múltiplas) benesses, os vencimentos mensais de Bolsonaro, como presidente de honra do Partido Liberal e reformado do Exército e do Parlamento, andam em torno de 18 mil euros (o ordenado médio no Brasil é inferior a 500).

A ideia de pedir dinheiro ao gado digital, entretanto, não é original. Dias antes, Deltan Dallagnol, que como procurador da Lava Jato disse não ter nenhuma prova, mas “muita convicção”, de que Lula da Silva era culpado no caso do tríplex, também pediu doações.

Evangélico feroz, foi menos direto do que Bolsonaro, porque o gado lavajatista é supostamente mais sofisticado do que o gado bolsonarista, e optou por contar a história de que foi Deus que lhe deu a ideia enquanto viajava, deprimido, de avião.

Ele estava deprimido porque o mandato dele como deputado – assim como outros, o procurador trocou a Lava Jato pela política, para surpresa de ninguém – foi suspenso pelo Tribunal Eleitoral: Dallagnol abandonou a magistratura quando ainda respondia a 15 inquéritos por excesso de gastos em diárias e voos para driblar a Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas de quem deixa o poder judicial com inquéritos à perna.

A morte política de Dallagnol não encerra as humilhações dos protagonistas da Lava-Jato. O rosto da operação, Sergio Moro, começou por aceitar ser “superministro” do mais ridículo governo da história do Brasil, depois foi tachado de juiz parcial pelo Supremo, a seguir quis candidatar-se a presidente, mas foi rejeitado pelo partido para o qual se mudou com essa intenção, na sequência tentou ser senador por São Paulo forjando uma morada falsa e, depois de apanhado, lá acabou, finalmente, eleito pelo Paraná, não sem antes trair e derrotar o padrinho político.

Agora, Moro, assim como Dallagnol, arrisca a suspensão de mandato no Congresso e, assim como Bolsonaro, a inelegibilidade por oito anos: é acusado de abuso de poder económico, arrecadação e gastos eleitorais ilícitos e mau uso dos meios de comunicação por dois partidos, o PT, de Lula, e o PL, de Bolsonaro.

Em 2017, o mesmo Moro, então no auge da popularidade e arrogância, e José Roberto Batochio, que precedeu Cristiano Zanin como advogado de Lula, tiveram uma discussão no meio de uma audiência da Lava Jato.

“Doutor, a sua questão está indeferida”, disse Moro. Batochio contestou. Moro rematou mandando o advogado fazer concurso para juiz se quisesse mandar em audiências.

No último dia 21, no Senado, Moro teve de participar na sabatina (espécie de prova oral) a Zanin, o advogado que Batochio apadrinhou e Lula indicou para juiz da Suprema Corte, o sonho da vida do quase ex-senador que Bolsonaro lhe prometera realizar, mas jamais realizou. Foi a humilhação definitiva.

Jornalista,
correspondente em São Paulo

D.N.
João Almeida Moreira
29 Junho 2023 — 00:43



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220: Férias juntos ​​​​​​​ou separados?

 

🇵🇹 OPINIÃO

Em época de férias é frequente os casais questionarem-se sobre a forma como devem passar esse tempo. Devem estar sempre juntos ou viver alguns momentos e experiências de forma separada? Devem ocupar todo o tempo de férias a dois ou aproveitarem para estar sozinhos ou conviver com outras pessoas?

Esta é uma pergunta que não tem, nem poderia ter, uma resposta única, na medida em que ambas as alternativas podem apresentar vantagens e desvantagens, dependendo da pessoa a quem se pergunta.

Para muitas pessoas, as férias apenas fazem sentido em casal, permitindo um investimento na relação amorosa que, na correria dos dias, raramente é possível.

Outras pessoas sentem uma enorme necessidade de terem um tempo e um espaço mais individual, ainda que possa ser partilhado com amigos ou familiares, permitindo arejar um pouco a relação afectiva.

Uma comunicação funcional é o primeiro passo para que, em conjunto, encontrem estratégias adequadas para gerir esta situação. Para que, juntos ou separados, consigam ambos desfrutar das férias e com elas reforçar a coesão da relação de casal.

Não existem respostas simples para esta questão, que pode ser mais complexa do que parece e acabar por originar algumas situações de conflito, quando a vontade de cada um dos elementos do casal não é a mesma.

Como gerir estas divergências? O que fazer quando um elemento do casal quer passar férias juntos e o outro deseja um tempo mais individual?

Antes de mais, é fundamental que cada um reflicta sobre isto e tente perceber por que é que, para si, seria preferível passar férias em conjunto ou de forma separada.

Experiencia ansiedade de separação, ciúmes difíceis de controlar ou necessidade de controlo? Por outro lado, estará a sentir dificuldades em assumir uma relação de compromisso e em construir o “nós” da relação?

Será que as suas preferências se relacionam com outro tipo de situações, como a dificuldade em dizer “não” aos amigos ou a familiares, a pressão sentida na relação de casal ou a necessidade de alguma introspecção?

Após esta reflexão mais individual é crucial que ambos consigam conversar de forma clara e honesta sobre aquilo que sentem e desejam. Uma comunicação funcional é o primeiro passo para que, em conjunto, encontrem estratégias adequadas para gerir esta situação.

Para que, juntos ou separados, consigam ambos desfrutar das férias e com elas reforçar a coesão da relação de casal.

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

D.N.
Rute Agulhas
29 Junho 2023 — 00:29



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219: Era uma vez um homem forte

 

🇵🇹 OPINIÃO

Ao recapitular os eventos dos últimos dias e, é praticamente impossível escapar ao sentimento de perplexidade. Pouquíssimos poderiam imaginar uma insurreição do Grupo Wagner contra o Kremlin.

E, certamente, ninguém – nem mesmo Vladimir Putin – desconfiava que o esquadrão de mercenários extremistas faria a sua marcha armada até 200km de Moscovo, sem oposição.

Mas quando já todos se desdobravam em especulação (e preocupação) sobre os cenários subsequentes, foi com igual perplexidade que assistimos a um anti-clímax: Alexander Lukashenko, presidente da Bielorrússia, anunciou um acordo que incluiu a retirada do Grupo Wagner e ida do seu líder, Yevgeny Prigozhin, para a Bielorrússia.

Anti-clímax não porque a guerra civil ou o sucesso da insurreição do Grupo Wagner fossem desejáveis – a instabilidade numa potência nuclear é sempre de temer.

Antes porque Prigozhin e os seus mercenários desafiaram directamente o Kremlin, incluindo as suas narrativas forjadas sobre a invasão da Ucrânia, mas, ainda assim, as repercussões foram limitadas.

Prigozhin confessou que a invasão russa não é uma resposta defensiva ao Ocidente e à expansão da NATO. Acusou os líderes Russos de mentirem quanto ao decorrer da guerra. Marchou contra o Kremlin com facilidade e, em alguns casos, foi aplaudido pela população.

Enfraqueceu, como mais ninguém até hoje, a imagem do “homem forte” que Putin tanto gosta de cultivar.

Apesar da narrativa oficial de que o conflito foi sanado e a Rússia já redireccionou as suas atenções para a dita Operação militar especial, as dúvidas sobre a robustez do regime russo estão definitivamente instaladas.

Este, tal como qualquer outro autoritarismo, tem o seu destino intimamente ligado à capacidade de projectar uma imagem de força capaz de inibir quaisquer alternativas internas, incluindo as democráticas.

Para um líder como Putin, que investiu deliberadamente nesta imagem como fonte de autoridade e legitimidade, a sensação de fragilidade é ainda maior.

É que, perdida essa “força”, somos levados a pensar no desempenho da Rússia sob a sua liderança. E os resultados estão muito aquém da imagem que tenta projectar.

Actualmente, a dimensão da economia russa está algures entre a de Espanha e Itália – isto apesar de ter mais habitantes do que os dois países juntos (143 milhões de pessoas contra 106 milhões) – e as sanções impostas pelo Ocidente vão agravando a situação.

E não é um problema circunscrito à economia, há implicações concretas no bem-estar das pessoas. A Rússia está entre os dez países do mundo onde, em termos proporcionais, mais pessoas se suicidam.

Em 2021, por exemplo, a esperança média de vida na Rússia era de 69 anos – muito menos do que em Portugal (81 anos) e inferior a países como o Iraque, a Líbia ou a Venezuela.

Isto sem contar com as muitas dezenas de milhares de russos que certamente morreram na guerra, cujo número o Kremlin esconde, mas vão deixando cada vez mais famílias enlutadas.

Sem resultados práticos com que se possa respaldar, não há como fintar a conclusão: depois do motim do Grupo Wagner, órfão do título de “homem forte”, Vladimir Putin está fragilizado.

Mas isso não significa menos perigoso. Nem que seja pela tentação de, com mais bombardeamentos e ofensivas bárbaras, nos tentar fazer esquecer que o czar vai nu.

17 valores
Marcos Freitas

Um dos melhores resultados individuais de sempre em ténis de mesa [Medalha de Prata], o meu desporto de infância, daí tê-lo seleccionado no meio de tantos resultados positivos nestes Jogos Europeus.

Eurodeputado

D.N.
Pedro Marques
29 Junho 2023 — 00:37



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“Sem Mais Tempo a Perder”

 

– “… – Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psicológicas (não de doença mental, no sentido mais profundo, mas sobretudo de perturbações psicológicas como a ansiedade e a depressão);

Ter-se-á esquecido o cronista dos ex-Combatentes da Guerra do Ultramar? Stress Pós-Traumático de Guerra, saberá realmente os danos causados ao longo destes últimos QUARENTA E NOVE ANOS contados apenas a partir de 1974, por todos os ex-Combatentes que estiveram no mato durante pelo menos dois anos? Falar e escrever é fácil quando não se sofre de algum desequilíbrio psicológico, causado por qualquer tipo de anomalia alheia à nossa vontade…

🇵🇹 OPINIÃO

“Sem mais tempo a perder”, é o título de um relatório do Conselho Nacional da Saúde (2019) sobre a saúde psicológica em Portugal. O título é elucidativo e expressa a ideia de que a saúde psicológica seria o desafio da próxima década. Pouco depois, irrompe a Covid-19. Uma das conclusões do estudo foi que a reforma da saúde mental estava atrasada e adiada.

Uma ilação já repetida, noutros relatórios, noutros contextos. Durante e depois da pandemia, sabemos o que se passou, em termos de saúde psicológica. Durante a pandemia uma enorme pressão psicológica, a vários níveis, e nos mais diversos sectores da população.

A incerteza, a dor, o medo, a perda de pessoas, os lutos. Um aumento exponencial de perturbações psicológicas registou-se a nível nacional e internacional, bem como o consumo de psicofármacos. Em ambos os casos, os números já eram assustadores antes da pandemia.

Recentemente, a OCDE publicou um relatório que conclui que Portugal não regista um investimento adequado na área da saúde. Exemplo? O Plano Nacional para Saúde Mental de 2008 não foi executado.

As avaliações e as actualizações dos planos de saúde mental, têm, repetidamente, chegado à conclusão do adiamento sucessivo da reforma da saúde mental. O lugar-comum que tem feito títulos e frases de muitos textos: saúde mental, o parente pobre.

Estamos em vias de ter a execução progressiva do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), estando inscritos 88 milhões de euros de investimento público, para a área da saúde mental. Temos hoje a segurança e a convicção de que, desta vez, não haverá um adiamento de uma mudança estrutural para o país?

O risco de não haver uma real vontade política de alterar processos instalados parece ser muito elevado. O perigo de entrarem milhões de euros no país e de não terem um aproveitamento racional e eficaz, não será, porventura, menor.

Têm sido referidas áreas prioritárias do PRR, como por exemplo, as equipas comunitárias e a necessidade de criar vagas para os cuidados continuados.

Sem prejuízo de serem áreas cruciais e com enormes lacunas, parecem haver menos medidas para a área da saúde psicológica, que não englobam os contextos de saúde e doença mental mais grave.

Ou seja, a área da saúde psicológica que lidará como a grande maioria da população (sem que isso signifique esquecer ou estigmatizar áreas e populações específicas).

Sem cansar muito o leitor com referências e estudos, vejamos uma curta síntese de alguns dados conhecidos:

– Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psicológicas (não de doença mental, no sentido mais profundo, mas sobretudo de perturbações psicológicas como a ansiedade e a depressão);

– As mulheres e os homens portugueses são os maiores consumidores de psicofármacos na Europa;

– Este consumo de psicofármacos tem aumentado exponencialmente, constituindo um grave problema de saúde e de finanças públicas

– As perturbações psicológicas e do comportamento, são a primeira causa de anos vividos com incapacidade (20,55%), e são a segunda causa de anos perdidos de vida saudável (11,75%);

– O custo estimado de perda de produtividade das empresas devido ao presentismo e do absentismo, causados por problemas na saúde psicológica, é de 5,3 mil milhões de euros em 2022;

– Temos cerca de 2,5 psicólogos por 100 mil habitantes no serviço nacional de saúde;

– Sabe-se que as populações com maiores índices de perturbações psicológicas têm outros problemas de saúde física associados e contribuem para a procura e maior pressão sobre os serviços de saúde.

Em contraponto outros dados relevantes:

– Por cada 1€ investido em saúde psicológica há um retorno de 5€;

– Vários programas e estudos têm demonstrado que os benefícios de investimento em saúde psicológica suplantam largamente os custos de investimento;

– Várias recomendações internacionais apontam a necessidade de substituir em grande medida as intervenções baseadas exclusivamente em psicofármacos por intervenções psicológicas e psicoterapêuticas;

– Estas últimas são muito eficazes, sabendo-se que as pessoas tratadas por psicoterapia, estão 80% melhores, quando comparadas com pessoas que não realizaram intervenção psicológica;

– As intervenções psicológicas são, em muitas circunstâncias mais eficazes que as intervenções medicamentosas, sabendo-se que as primeiras promovem outro tipo de competências e os seus ganhos prolongam-se no tempo;

Como referido por um conhecido autor da área, “os factos são amigáveis”. Isto é, há dados científicos e económicos, acumulados há décadas, que se bem considerados e integrados, sustentam de forma segura uma mudança estrutural de políticas para a saúde psicológica. Falta a tomada de decisão.

Director Clínica ISPA

D.N.
Daniel Sousa
28 Junho 2023 — 11:25



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217: O memorial da hipocrisia

 

🇵🇹 OPINIÃO

O memorial para homenagear as vítimas dos incêndios de 2017 inaugurado pelo Presidente da República, primeiro-ministro, outros governantes e autoridades locais é um monumento que nos faz lembrar a profunda hipocrisia em que o mundo político se move.

Bastava estar mais atento e perceber que o monumento inaugurado estava circundado por centenas de eucaliptos, uma espécie de árvore invasora que é um autêntico fósforo em caso de incêndio e que tem destruído toda a paisagem do território português.

Não é sequer uma questão de ordenar os eucaliptais (devemos recusar-nos chamar floresta às manchas de eucaliptos que proliferam por aí) existentes. É urgente começar a reduzir drasticamente as manchas de eucaliptos em Portugal.

E o que tem feito o governo e os municípios? Nada. Normalmente com a desculpa de que os terrenos são privados. Então há que criar uma lei que restrinja a plantação e a replantação de eucaliptos na maioria dos distritos e escolher em quais a sua plantação pode ser feita e controlada.

Nos restantes há que os retirar e plantar espécies de árvores autóctones e preparadas para um clima mais quente e mais severo como aquele que vamos viver por causa das alterações climáticas.

Tudo o que se fizer menos do que isto é pura negligência e uma total hipocrisia. De nada valerá criar monumentos de homenagem se na prática não houver coragem de enfrentar os lobbies que vivem à custa da produção dos eucaliptos.

Todos sabemos que são forças com muito poder, mas os políticos não foram eleitos para as servirem, foram eleitos para servir o povo. Ou poderão ser acusados de conivência com a manutenção de um território profundamente perigoso para as populações, que no limite as pode matar.

É verdade que os eucaliptos não são a única causa dos incêndios, seria demagógico afirmá-lo. Mas é um dos factores decisivos na perigosidade dos incêndios, seja na rapidez como se alastram, seja na força das chamas.

O negócio que daí advém não justifica que não se faça uma guerra séria à plantação e replantação de eucaliptos.

Mas a falta de organização do nosso território é outro dos factores que as autoridades teimam em não resolver, mais uma vez por falta de coragem. Durante muitas décadas deixou-se construir em todo o lado.

Temos casas isoladas em boa parte do nosso interior. Basta comparar a dispersão de casas em países como França ou Alemanha para perceber que se fez tudo mal em Portugal.

Agora é muito difícil reordenar convenientemente o território, vai demorar décadas. Mas o problema é que não há vontade política para iniciar essa tarefa.

Por um lado porque vai deixar descontente parte do eleitorado, por outro porque os benefícios dessa política só será visível nas gerações vindouras.

Por tudo isto, medo de enfrentar lobbies, medo de enfrentar parte do eleitorado, nada se faz. Infelizmente, todas as medidas de prevenção adoptadas hoje e no futuro pouco ou nada melhorarão os riscos de incêndios.

Os políticos continuarão a atirar as culpas para a mudança do clima sem que ataquem o mal pela raiz. E neste caso de forma literal.

Presidente do movimento Partido Democrata Europeu
(O autor escreve de acordo com a antiga ortografia)

D.N.
Tiago Matos Gomes
27 Junho 2023 — 22:52



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“Artistas”

 

🇵🇹 OPINIÃO

Não entendo por que razão a área científica das artes não é acolhida pelos pais dos jovens humanos, leia-se os nossos filhos. Melhor, não percebo por que razão as artes só são consideradas quando os pequenos são mesmo pequenos e ainda estão no seu estado da maior infantilidade possível.

Aquele jeito para as imitações e para a representação, aquele jeito para o desenho ou para os trabalhos manuais é rapidamente substituído pela pressão no português, na matemática e nas ciências.

Aquela habilidade que é diferenciadora e que os pais gostam de evidenciar aos outros amigos pais, rapidamente é escondida numa gaveta porque ninguém quer filhos artistas! Ninguém.

Ninguém quer filhos artistas, mas todos querem filhos únicos e geniais.

Ninguém quer filhos que vão ganhar as suas vidas através dos desenhos, dos riscos e das ideias, mas todos queremos convencê-los que os pintores pendurados nas paredes dos museus foram extraordinários no seu tempo, nas suas vidas, nas suas ideias.

Ninguém quer filhos músicos ou actores, mas todos temos como modelo este e aquele actor, esta e aquela vocalista.

Ninguém quer filhos artistas, mas… na verdade são os artistas que formam grande parte das referências do mundo que habitamos. Ou não?

Então em que ficamos? Ficamos no impasse. Apostamos no conforto. E arriscamos não arriscar.

Ninguém quer filhos artistas. Todos querem filhos engenheiros, médicos ou gestores, porque se criou a percepção que as artes não dão sustento, que as artes não dão estabilidade.

Ninguém quer filhos artistas, mas depois queremos cultura, queremos ideias, queremos coisas novas, queremos superação.

Tudo isto para dizer que o ensino das artes é muito maltratado. A importância que se dá às artes é insuficiente. Ponto!

A arte estimula o sentido crítico, e é, perdoem-me, a condição de superação do ser-humano. O que é o português sem treino intelectual? O que é a matemática sem destreza mental? E se o currículo do ensino básico está focado em línguas e ciências, é ver-se o que os engenheiros e os advogados fizeram com este país.

O que somos nós sem as artes?

Eu respondo: somos uma cambada de “artistas”!

Designer e director do IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação
da Universidade Europeia

D.N.
Carlos Rosa
28 Junho 2023 — 00:14



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